Falência e recuperação de empresas: acordo de credores na assembleia geral

AutorVinícius José Marques Gontijo
Páginas167-172

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1. Introdução

A investigação cientifica do Direito Empresarial no que concerne à falência e à recuperação de empresas tem se revelado fonte de reiterada e necessária análise, principalmente a partir da edição da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências-LF).

No entanto, muitas vezes nos vemos surpreendidos com autoquestionamentos e, ao nos debruçarmos a estudar a doutrina e a jurisprudência, nada encontramos que pudesse minimamente nos auxiliar para um estudo científico que redundasse na solução do ques-tionamento; isso é exatamente o que acontece com o tema que ora propomos: é possível a celebração de um acordo de credores para o exercício dos direitos a eles assegurados principalmente na assembleia geral tanto na falência quanto na recuperação de empresas? Se possível, quais seriam as partes, a forma e o objeto? O acordo comportaria execução específica da obrigação ou se resolveria em perdas e danos? Como se estipularia sua duração e extinção?

São estes os questionamentos que pretendemos responder neste nosso artigo.

2. Definição

Antes de adentramos o tema propriamente dito, faz-se necessário propormos uma definição acerca do que viria a ser um "acordo de credores" no concurso falencial ou de recuperação de empresas, judicial ou extrajudicial.

Entendemos o "acordo de credores" como sendo o contrato atípico celebrado entre credores de um devedor comum em processo de falência ourecuperação de empresas visando à regulamentação dos interesses comuns no processo e ao exercício de seus direitos e obrigações, inclusive quanto ao direito de voto e de veto em deliberações na assembleia geral de credores.

Trata-se, portanto, de uma modalidade contratual e, neste contexto, tem-se: "Afinal, o que é contrato? A partir da demonstração do conflito entre teorias e paradigmas, sejam eles formalistas, voluntaristas, estruturalistas ou economicistas, com Roppo, acreditamos que 'o contrato é a vestejurídico-formal das operações económicas'. E, estruturalmente, como fato jurídico, em adaptação ao conceito fornecido por António Junqueira, compreendemos o contrato como 'todo fato jurídico

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consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos pelas partes, respeitados os pressupostos de existência, validade e e ficácia impostos pelo sistema jurídico que sobre ele incide'?".1

Da mesma maneira, por não ter previsão expressa em lei, se enquadra como sendo um contrato atípico: "Definem-se os contratos atípicos por aquilo que eles não são: ou seja, trata-se de contratos que não se enquadram nos modelos predispostos legalmente e que por isso, embora lícitos, não encontram disciplina jurídica no CC ou mesmo em leis especiais".2

O "acordo de credores" é um contrato atípico e também inominado. Contudo, para que possamos melhor identificá-lo, propomos neste artigo a taxonomia que ora adotamos, reitere-se: "acordo de credores". Afim de que ele possa ser classificado, a partir de agora, como atípico e nominado. Isso porque é precisa a afirmação da doutrina quando leciona:

"Consistem os contratos atípicos justamente nessa maior amplitude de ação reservada aos particulares em sua autonomia privada e liberdade contratual. Não se confundem com os contratos inominados, apesar de ser comum a confluência. O contrato atípico não está devidamente regulamentado, já o contrato inominado é aquele que não possui nomem juris. Exemplificando, o contrato de franquia é nominado e atípico.

"Enfim, todo contrato típico é nominado, mas a recíproca não é válida."3

Constatada a definição do que seria um acordo de credores para os termos deste nosso artigo, há que se examinar agora a possibilidade, ou não, de haver este contrato em caso de falência ou recuperação de empresas do devedor.

3. Acordo de credores: instituto jurídico lícito e possível

Não podemos perder de vista o fato de que estamos no campo do Direito Privado, em que tudo aquilo que não é vedado pelo legislador, é facultado.

Nesse sentido, é válida a lição que se extrai de Carlos Maximiliano ao tratar da hermenêutica e aplicação do Direito Empresarial (antigamente nomeado Direito Comercial): "A própria índole das relações mercantis, a prevalência dos objetivos econômicos, a maior variabilidade de operações e ampla despreocupação de fórmulas; enfim a liberdade de contratar e a rapidez de assumir compromissos e realizar transações imprimem peculiar ductilidade ao ramo do Direito Privado mais intimamente ligado à atividade dos homens de negócios, e forçam-no a um constante apelo aos usos e costumes, o que o intérprete precisa levar em conta, a fim de atingir à verdade, à regra objetiva, que exterioriza o pensamento gerador da lei, ou à vontade subjetiva declarada num ato jurídico".4

Portanto, estamos diante de um caso de autonomia privada do poder negocial, na medida em que o Estado considera mais conveniente não disciplinar diretamente a matéria,5 delegando-a aos próprios interessados. Com efeito, na medida em que a Lei n. 11.101/2005 não regulamenta o acordo de credores, mas também não o veda, pensamos ser a pactuação lícita.

A questão se mostra ainda mais viável diante do que prescreve literalmente o art. 425 do Código Civil, verbis: "É licito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código".

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Com isso, se espanca qualquer discussão que se pudesse suscitar acerca da validade legal de um acordo de credores tanto na falência quanto na recuperação de empresas.

4. Partes, forma e objeto

Naturalmente, o pacto entre os credores, como "todo negócio jurídico, o contrato está sujeito a requisitos, cuja inobservância vai dar na sua ineficácia. Uns são gerais, a que se submetem todos os atos negociais. Outros são específicos, dizem...

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