Fair play na atualidade, dificuldades para os atletas

AutorFrancisco Alberto da Motta Peixoto Giordani
Páginas41-49

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A questão que se propõe abordar neste singelo artigo, diz com o Fair Play na atualidade, para averiguar das condições práticas/reais de sua observância pelos atletas profissionais, particularmente de futebol, saindo do campo da teoria, para o da disputa, do jogo mesmo, o que não significa que não será considerado, em alguma medida, o que, sob aquela ótica, se pretende, no particular.

Estou em que se cuida (o Fair Play), no campo do desporto – e mesmo para além dele –, de algo muito relevante, dado o valor que se atribui ao desporto nos dias que correm (valor, força é convir, a ser entendido em mais de um sentido, abarcando, também, o econômico), e seus reflexos no comportamento das pessoas, em seu modo de viver e ser, porquanto parece claro que o desporto molda, em boa medida, o viver e o agir das pessoas, nessa quadra em que vivemos.

Aqui, terei em vista primordialmente o futebol, por se cuidar do carro-chefe (ou quase a frota toda!) do des-porto, não só em nosso País, como em boa/grande parte dos países do planeta Bola, ou melhor, planeta Terra, embora, para tanto, o desporto em geral não deixará de ser considerado, mormente quanto a alguns aspectos de sua evolução, para se chegar ao momento atual.

Creio não ser necessário insistir e/ou procurar fatos que comprovem o quanto o futebol é importante e conta para a vida e a formação de milhões de pessoas no Brasil, máxime para as crianças e os adolescentes, muitos dos quais, não só eles, mas suas famílias inclusive, depositam grande fé num futuro melhor, com a sua prática profissional, embora não deixe de pautar, em larga medida, a vida de um sem-número de adultos também, pois é uma verdade consabida de todos nós: embora existam pessoas que não o apreciem, o esporte, e dentro dele o fenômeno futebol, tem um valor imenso para a esmaga-dora maioria dos brasileiros (e não só, insistimos, pois o mesmo se dá/vale para outros povos).

Considerar se deve, por certo, que os interesses econômicos/financeiros que se agitam/agigantam em torno do futebol, sabem bem contribuir para que essa relevância do futebol nasça e solidamente, diria, praticamente de modo inabalável, permaneça no sentimento das pessoas mas, considerando que “ex nihilo, nihil”, cumpre ter consciência de que, do nada, nada surge, nada resulta, nada se pode esperar (deixando de lado, fique claro, possíveis especulações, digamos, filosóficas, de que, ao reverso, do nada tudo se pode esperar!), de maneira que deve ser visto como algo natural a existência de um “estímulo” para a prática do esporte em geral, e para a quase (quase?) “veneração” pelo futebol, nessa terra que Cabral descobriu (ao menos, oficialmente, se o tem como tal!); acredito, mesmo, que isso se deu tanto na Grécia antiga, quando dos jogos olímpicos de então, quanto no surgimento dos jogos olímpicos modernos, como também nos jogos modernos, aqui tendo como referência a Inglaterra.

Quanto aos jogos olímpicos da Grécia Antiga, e com referência também a outras competições que existiam, diz Robert M. Cook1, considerando especialmente os períodos arcaico e clássico, mas lembrando que muito antes já havia competições atléticas, que:

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As competições atléticas foram sempre correntes em toda a parte, em festivais locais ou feiras e, provavelmente, já existiam na Grécia muito antes do Período Arcaico, pois Homero faz uma saborosa descrição dos jogos realizados no funeral de Pátroclo. No princípio do século VI, os festivais olímpicos (segundo a tradição, fundados em 776 a.C.) já atraíam concorrentes de distantes lugares gregos e das colónias, e, embora esses festivais mantivessem a primazia, três outros festivais se lhes juntaram: os pítios, que, como os olímpicos, tinham lugar de quatro em quatro anos, e os nemeus e ístmicos, que se faziam de dois em dois anos.
(...)

Os Jogos Olímpicos podem ser considerados típicos. Os concorrentes tinham de ser cidadãos gregos (...).

A atitude grega para estes jogos não era desinteressada. Se por amador se considera a pessoa que pratica um desporto sem retribuição, mas que é capaz de obtê-la por outras formas, os atletas gregos dos Períodos Arcaico e Clássico seriam puros amadores. O custo dos treinos e o da viagem deviam ser elevados, de forma que o concorrente tinha de ser rico ou de ter amigos ricos que o auxiliassem; mas, se ganhasse a sua prova, ficava a gozar de grande prestígio na sua cidade, e, em Atenas, a partir do começo do século VI – conclui-se de Platão –, podia dispor de refeições grátis por toda a vida (...). No seu conjunto, os jogos constituíam um exclusivo da aristocracia, mas a maior parte dos gregos tinha grande admiração pelos aristocratas. Os grandes jogos arrastavam não só os concorrentes de todas as terras gregas, mas também multidões de espectadores, vendedores ambulantes e, até, no Período Clássico, propagandistas que desejavam fazer publicidade das suas ideias ou de si próprios” (negrito não se encontra nos originais).

Pelo texto suso reproduzido, pode-se ver que, já na Grécia antiga, havia diversos “interesses” que se uniam em torno dos jogos que lá se realizavam, que diziam com os atletas, expectadores, vendedores (o mercado, ou parte dele, de então?), enfim, envolvia o mundo helênico da época.

Olvidar não se deve que, para os helenos de antanho, práticas esportivas tinham um sentido altamente envolvente, visando elevados objetivos, ou como superiormente dito:

Inseridas na paidéia helênica, os desportos constituíam parte integrante e fundamental da políade, contribuindo, inclusive, para a constituição do ideário humano grego. O estudo do esporte nos permite observar todo um conjunto de atitudes que a pólis espera de um cidadão, relacionado aos valores que regiam a sociedade grega desse período, como: a koinonía, o ideal agonístico, a expressão da força, agilidade, coletividade, desnudamento, coragem (andreía), virilidade e honra.

Não devemos, portanto, analisar as atividades atléticas na Grécia antiga apenas como um meio de entretenimento e diversão bastante apreciados. Antes disso, como uma importante etapa do processo educacional, que produzia uma identificação e promoção social, marcando o eu e o outro, implicando prestígio perante seus isói, promovendo a coesão cívica, materializando a identidade sociocultural helênica, e como meio de configuração de uma rede de relações sociais2 (negrito acrescentado ao original).

Lamentando que tenham se perdido muitas obras de arte que retratavam a glória dos helênicos do passado e discorrendo sobre o quanto os epinícios de Píndaro contribuem para que se saiba a respeito desses momentos gloriosos, dizem J. Kakridis e M. Andrónikos3 que:

Causa-nos profunda tristeza que tantas obras de arte plástica antiga, frequentemente esculpidas por grandes artistas, tenham se perdido para sempre; por outro lado, é muito gratificante que tantas obras de arte literária tenham escapado à destruição para proclamar a glória dos atletas helênicos através dos séculos. E é a palavra que, por sua natureza, possui maiores possibilidades de expressão para exaltar o talento deles. A palavra tem muito mais mobilidade que a estátua, por mais expressiva que esta possa ser, pois pode avançar em detalhes, fazer comparações, considerações, e assim por diante. E esse é o primeiro e o principal motivo pelo qual o epinício transporta-nos

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à jubilosa atmosfera da comemoração de uma vitória; ele também nos ajuda a entender como os helenos viam o vencedor das competições pan-helênicas, cuja façanha atlética era considerada uma manifestação de seu caráter moral, o qual granjeava grande honra para sua família e para sua pátria e glorificava os deuses que haviam lhe amparado na conquista da vitória” (negrito não consta do original).

Quanto ao que valia para um competidor vencer os jogos atléticos, esses mesmos autores dilucidam que:

As honras que o vencedor dos jogos atléticos recebia de sua pátria eram numerosas, como vimos anteriormente: recepção oficial em seu retorno ao lar, cargos oficiais elevados, sustento no pritaneu às expensas públicas, etc. Pouco tempo depois, ele também adquiriu o direito de organizar, às suas custas, uma comemoração em algum santuário de sua cidade ou em sua casa, na qual um coro composto por seus amigos e coetâneos, após a realização dos imprescindíveis sacrifícios aos deuses, cantava, acompanhado pelo som da flauta e da lira, o epinício (a canção da vitória), escrito e musicado por um poeta famoso4 (sem negrito no original).

Tanta importância às competições e resultados obtidos, no mundo helênico antigo não poderia existir e/ ou se manter, caso não houvesse uma rígida exigência no que tange à lisura, ao agir correto durante sua realização, estando “vetadas, portanto, qualquer forma de violência ou trapaça, sob a pena de desclassificação e punições. Como todos os acontecimentos dos festivais eram documentados, e considerando que estamos nos referindo a uma sociedade que gravita na esfera da honra e da vergonha, os competidores se sentiam veementemente desencorajados à prática de qualquer ato antidesportivo5.

E olha que, como deixa claro Françoise Gasser-Coze6, não se pode pensar que os atletas “tivessem vida fácil”, se quisessem competir com ânimo de realmente vencer, é conferir suas palavras:

Mas, por Hércules! Nem todo o mundo pode pretender a coroa de oliveira. É a lei do esforço que seleciona os melhores. O filósofo Epicteto resumiu, para os futuros concorrentes dos ídolos do estádio, as duras exigências do treinamento de um campeão.
‘Entregar-te ao teu treinador como a um médico’ ‘Deverás”, escreve ele, ‘submeter-te a uma disciplina intransigente, seguir o regime imposto, renunciar aos doces. Deverás apresentar-te para o treino na hora prescrita, quer faça calor ou frio. Não beberás nem água gelada nem vinho. Em resumo, deverás entregar-te ao teu treinador como a um médico. Depois virá a prova. Poderás deslocar um braço, torcer um pé, engolir poeira, receber golpes e finalmente ser vencido. Pesa bem
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