Férias Anuais Remuneradas

AutorMauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Ocupação do AutorAdvogado, graduado pela Universidade Católica de Petrópolis. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ. Ex-Professor do Curso de Direito Processual do Trabalho da FGV/GVlaw - SP. Membro do IAB.
Páginas221-229

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1. Introdução

Foi com imensa alegria que recebi o convite do Ministro José Luciano Castilho Pereira para participar da obra coletiva em merecidíssima homenagem ao jurista Arnaldo Lopes Süssekind, que nos deixou no ano de 2012, após longa e profícua vida dedicada ao Direito do Trabalho.

Era o último remanescente da comissão nomeada por Getúlio Vargas em 1942 para elaborar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), razão pela qual, quando se fala em Direito do Trabalho, se menciona, mesmo que implicitamente a ilustre figura do ex-Ministro do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho.

No célebre livro Instituições de Direito do Trabalho, de autoria do homenageado, fui buscar inspiração para ousar escrever acerca deste tema, cujas origens, ao contrário do que se possa imaginar, remontam à Roma antiga.

2. Férias anuais remuneradas - considerações gerais

É natural que após um ano contínuo de trabalho o organismo do trabalhador não funcione com capacidade plena e vigor absoluto em razão do acúmulo de toxinas, cansaço físico e mental, além de fadiga.

Os repousos semanais remunerados e os inter-valos interjornada são apenas medidas paliativas que visam a recuperação imediata do trabalhador, não sendo suficientes para recuperar, de forma integral, a saúde física daquele empregado.

Com efeito, nestes curtos períodos de descanso o trabalhador não terá tempo hábil para se dedicar a atividade distinta do ofício desempenhado em seu trabalho e também não terá como se afastar do local em que a prestação habitual dos seus serviços ocorreu. Por esta razão é que, de acordo com especialistas em medicina, as férias anuais são o melhor remédio para a recuperação física e intelectual do empregado.

Segundo o Ministro Süssekind1, as férias anuais remuneradas têm uma abrangência e importância que transcendem ao bem-estar do trabalhador, na medida em que "tem em mira o progresso étnico, social e econômico do próprio povo" e não se limita "apenas à saúde do trabalhador ou à sua produtividade".

A importância desta matéria é inclusive enaltecida pelo Poder Judiciário nacional, valendo destacar a notícia publicada no sítio2 do Tribunal Superior

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do Trabalho no dia 14 de janeiro de 2013, na qual se afirma que as decisões daquele órgão mostram a preocupação com as férias dos trabalhadores, pois apesar de se constituírem em garantia prevista na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o tema em questão ainda gera muitos conflitos entre empregado e empregador, o que provoca a intervenção da Justiça do Trabalho.

Com efeito, as férias não representam um prêmio que deva ser concedido ao empregado quando este completa um ano de serviços prestados, mas ao contrário, corresponde a um direito legalmente assegurado pelo Estado.

É contundente a lição de Octavio Bueno Magano3 ao afirmar que "O instituto das férias insere-se no âmbito do direito tutelar do trabalho porque, tal como o repouso semanal remunerado, visa a assegurar a incolumidade física e mental do trabalhador".

O Código do Trabalho de Portugal também atribui significativa importância às férias e prevê no n. 4 do art. 237 que este direito deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural. Além disso, o referido diploma afirma ser irrenunciável o direito ao período mínimo de férias (no caso 20 dias) e o seu gozo não pode ser substituído, ainda que haja concordância do trabalhador4.

Ao citar Cesarino Junior, Arnaldo Süssekind5 afirma que "a natureza jurídica das férias anuais remuneradas é dupla: a) para o empregador, constitui uma obrigação de fazer e de dar: de fazer consentindo no afastamento do empregado durante o período mínimo fixado pela lei, e de dar, pagando-lhe o salário equivalente; b) para o empregado é, ao mesmo tempo um direito de exigir o cumprimento das mencionadas obrigações do empregador, e uma obrigação, a de abster-se de trabalhar durante o período de férias. É lógico que, desta obrigação (a de não trabalhar nas férias), surge para o empregador um direito, que é o de exigir seu cumprimento".

3. Antecedentes históricos

A história revela que desde os tempos de Roma antiga havia as nundinas que nada mais era do que uma prática da população que morava no campo e interrompia o trabalho a cada nove dias para se dirigir à Roma no intuito de fazer compras e ir buscar informações acerca de regulamentos públicos. Naquele período, o povo comemorava com jogos, sacrifícios e banquetes o início e o fim das colheitas e alguns aniversários. Contudo, esta interrupção dos trabalhos correspondia ao que atualmente denominamos de feriado e não as férias anuais.

Acerca desta pesquisa histórica o Ministro Arnaldo Süssekind6 explica que com a organização dos serviços administrativos do Estado, os funcionários públicos conquistaram o direito às férias anuais remuneradas, sendo que tal prática pouco a pouco passou a ser adotada por grandes empresas e principalmente para os empregados mais antigos e que ocupassem cargos mais elevados. Contudo, até quase o final do século XIX, não havia lei que determinasse a concessão de férias ao trabalhador operário.

Foi apenas a partir do Tratado de Versalhes que poucos países possibilitaram o operário usufruir férias, apenas como medida excepcional e mesmo assim durante poucos pares de dias por ano.

A primeira lei promulgada disciplinando o tema ocorreu na Inglaterra em 1872, concedendo o direito às férias aos operários da indústria. Depois desta lei algumas empresas em diversos países adotaram a concessão do regime de férias, na maioria das vezes mediante negociação coletiva. Porém, somente em 30 de julho de 1919 é que a Áustria sancionou a primeira lei concedendo o direito às férias remuneradas a todos os trabalhadores assalariados.

Curioso destacar que antes mesmo da promulgação da lei austríaca o Brasil já havia determinado a concessão de férias anuais remuneradas de 15 dias a todos os funcionários do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, mediante a publicação do Aviso Ministerial de 18 de dezembro de 1889, sendo que tal determinação foi estendida aos

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operários diaristas e aos ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil7.

A Lei n. 4.982, de 24 de dezembro de 1925 pode ser considerada como a pioneira em nosso país a tratar das férias para mais de uma categoria de trabalhadores8.

O direito às férias foi elevado à categoria de garantia constitucional em países como Brasil, Bulgária, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Itália, Haiti, Nicarágua, Panamá, Romênia, El Salvador e Venezuela, e foi reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem: Art. 24. "Toda pessoa tem direito ao descanso e à recreação, especialmente a uma limitação racional das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas".

As férias foram objeto de deliberação durante a Conferência Internacional do Trabalho de 1936 que adotou a Convenção n. 52 e a Recomendação n. 47, sendo que no mesmo ano foi aprovada a Convenção n. 54, relativa às férias dos marítimos, posterior-mente revista, e em 1952, a de n. 101, referente aos trabalhadores agrícolas9. Já em 1954, foi adotada a

Recomendação n. 98, que eleva para duas semanas o período mínimo de férias, devido após 12 meses de trabalho.

No ano de 1970 foi aprovada a Convenção n. 132, que reviu as de 1936 e 1952 e não se limitava aos trabalhadores marítimos, disciplinava questões referentes a feriados, fracionamentos, além de estabelecer que as férias anuais remuneradas deveriam corresponder a pelo menos três semanas de trabalho por ano de serviço e assegurar a concessão de férias proporcionais10.

Insta ressaltar que a referida Convenção é alvo de críticas, na medida em que chega a apresentar maior número de regras menos favoráveis, como, por exemplo, prazo mínimo de férias inferior a 30 dias, prazo de gozo de 18 meses, além de ser suscetível de flexibilização mediante pactuação bilateral11.

A primeira Constituição Brasileira a assegurar o direito às férias anuais remuneradas foi a de 1934, cuja previsão estava prevista no art. 121, f12, sendo

mantida nos Estatutos Políticos subsequentes (1937, 1946, 1967 e 1988).

4. Previsão legal Período aquisitivo. Período concessivo

A Constituição Federal de 1988 assegura ao trabalhador o direito ao gozo das férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 a mais do que o salário normal, conforme previsão contida no art. 7º, XVII.

A CLT destinou o Capítulo IV às férias anuais, sendo que a Seção I estipula o direito às férias e a sua duração (arts. 129/133); a Seção II disciplina a concessão e a época das férias (arts. 134/138); já a Seção III dispõe acerca das férias coletivas (arts. 139/141); a Seção IV fala da remuneração e do abono de férias (arts. 142/145); enquanto que a Seção V estabelece os efeitos da cessação do contrato de trabalho (arts. 146/147); a Seção VI trata do início da prescrição do direito de reclamar a concessão ou pagamento das férias (art. 149); a Seção VII prevê disposições especiais (art. 150); por fim a Seção VIII encerra com as penalidades.

Período aquisitivo "é aquele que corresponde a doze meses de vigência do contrato de trabalho e após o qual o empregado adquire o direito a gozar as férias, proporcionalmente aos dias em que nele esteve à disposição do seu empregador. Não se confunde com o período de férias, que é o tempo durante o

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qual o empregado goza o benefício, interrompendo a prestação dos serviços que lhe incumbem"13.

No cômputo do período aquisitivo de férias, cada fração temporal do mês/calendário superior a 14 dias conta-se como um mês (art. 146, parágrafo único, da CLT)...

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