O capital externo e transicão econômica na China: uma análise do investimento extreno na China Continental

AutorAndréia Virmond, Jaime César Coelho
CargoBacharel em Ciências Econômicas. - Coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina.
Páginas20-46

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Andréia Virmond1

Jaime César Coelho2

1. Considerações iniciais

No inal da década de 1970 a China deu início a um processo que a tornaria, aproximadamente 29 anos mais tarde, a maior economia em crescimento no mundo. Esta trajetória foi marcada por intenso processo de abertura econômica e transformações das relações de propriedade.

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A reestruturação econômica constituise num dos elementos cruciais da reforma e da política de abertura da China. Nos primeiros 30 anos da República Popular da China (RPC), o Governo praticou o sistema de economia planiicada, por meio do qual a produção agrícola e industrial, o estoque e a venda de produtos nos setores comerciais eram todos controlados pelo plano estatal. As reformas econômicas foram iniciadas nas áreas rurais em 1978 e estendidas às cidades em 1984. Em 1992, após 10 anos de reforma em direção ao estabelecimento de uma “economia socialista de mercado”3, o Governo deiniu os principais pontos da reestruturação econômica: encorajar o desenvolvimento e a diversiicação econômica; criar um grupo moderno de empresas para atender as demandas da economia de mercado; uniicar e abrir o sistema de mercado na China; transformar a administração econômica do governo a im de estabelecer um sistema de controle macroeconômico; encorajar a formação de empreendedores privados; formular um sistema de seguridade social para o campo e para a cidade, assim como promover um generalizado crescimento econômico compatibilizandoo com o controle político centralizado e a estabilidade social. Isto tudo exigiu a internalização de práticas e costumes próprios do regime de regulação capitalista, portanto, mudança signiicativa no ethos que caracterizara a sociabilidade chinesa depois da revolução de 1949.

As transformações na China visaram alterar profundamente o regime de propriedade. Estas mudanças começaram pela alteração do regime de propriedade no campo, com a introdução de elementos de uma economia de mercado e continuaram com a delimitação de zonas costeiras destinadas à introdução de empresas competitivas para a conquista do mercado externo.Um dos elementos centrais desta transformação é o papel atribuído ao Investimento Externo Direto na estratégia de desenvolvimento e industrialização chinesa. Este artigo visa destacar o movimento de adesão chinesa à economia global através do ingresso de empresas estrangeiras na China. Esta análise inserese no processo de transição do país de uma economia centralizada, norteada pela idéia da luta de classes, para uma economia de mercado (export oriented) como estratégia de desenvolvimento econômico com ênfase na participação nas redes globais de produção.

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Na análise da inserção externa chinesa temse como pressuposto o aumento da interdependência dos Estados Nacionais, dentro de um processo de globalização das relações econômicas e de harmonização normativa, porém, a característica especíica, no caso chinês, é que o Estado não abriu mão do controle sobre os preços fundamentais da economia, que interferem diretamente no custo do capital, utilizandose para tanto um conjunto de controles políticos, sociais e econômicos. Particularmente em relação aos mercados, buscouse veriicar a inserção na economia global através do papel desempenhado pelas TCNs4, principalmente no que diz respeito ao montante de IED trazido à China por estas empresas e também ao volume de comércio internacional gerado em conseqüência dos IEDs.

A entrada de empresas estrangeiras cria laços econômicos e políticos que alteram a inserção externa do país e sua posição dentro do sistema de estados. Estas alterações são, em última instância, o produto da tomada de decisões dentro do jogo político interno e como num movimento de retorno, acabam alterando este jogo político e as instituições que formam o meio ambiente político, social e econômico.

Este artigo objetiva veriicar como se deu o processo de transição da economia chinesa de uma economia predominantemente planejada e estatal para uma economia com crescente participação da propriedade privada dos meios de produção, buscandose identiicar a participação relativa das TCNs nas importações e exportações chinesas, a localização espacial destas inversões, suas características setoriais e a evolução dos acordos internacionais (peculiaridades contratuais) que nortearam a nova inserção chinesa.

2. Dependência e desenvolvimento?

Os manuais de economia costumam salientar a importância que o IED ocupa na transformação das sociedades periféricas. Em especial destacam que ele contribui para: 1) suplementar a insuiciência de poupança interna e 2) transferir tecnologia.

Do lado oposto estão os críticos que entendem que o investimento externo direto produz uma série de distorções em termos de desenvol-

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vimento: 1) externalização dos processos decisórios; 2) dependência tecnológica; 3) dependência inanceira; 4) desproporção setorial e 5) dependência dos padrões de consumo.

Aspectos importantes deste debate podem ser encontrados nas discussões sobre o desenvolvimento depois da segunda guerra mundial. O processo de descolonização acompanhado das internacionalizações produtiva e inanceira produziu um intenso debate sobre os malefícios e os benefícios do capital externo para o desenvolvimento das economias periféricas. Sob uma perspectiva retrospectiva e comparativa este debate parece produzir novos questionamentos quando se analisa o processo de transição chinês. Nele encontramos características clássicas de uma economia que se abre aos capitais externos e aspectos similares aos movimentos de industrialização do leste asiático, mas também encontramos diferenças signiicativas que remetem à história chinesa e seus desdobramentos na estratégia de desenvolvimento recente. Assim, levandose em consideração suas características institucionais peculiares, a China produz um caso de industrialização associada, que aumenta signiicativamente a interdependência externa, mas que parece, ao que tudo indica, não levála de imediato a uma situação de subordinação tanto política como econômica. Neste aspecto, o arranjo institucional chinês criou mecanismos de defesa que preveniram parcialmente a vulnerabilidade externa, própria de economias que se abrem e que criam passivos seja do ponto de vista dos serviços da conta do balanço de pagamentos, como da conta de capital.

Observando os supostos aspectos positivos da abertura chinesa, podemos encontrar alguns que são comuns a outros processos de abertura. Efetivamente a suplementação de poupança é fato, posto que parte signiicativa da industrialização recente deuse sob a égide do capital externo. Referimonos neste caso à identidade contábil entre poupança e investimento, que é uma característica do IED. A entrada dos investimentos externos, por sua vez, produziu uma intensa transferência tecnológica, mais ainda se levarmos em consideração que a China, assim como outras trajetórias de desenvolvimento no leste asiático, pouco respeitou o direito de propriedade nas primeiras duas décadas da transição. A inserção externa intensiicou exponencialmente os índices de produtividade, algo que deve ser relativizado dado o baixíssimo nível de produtividade precedente. Finalmente, a modernização de processos

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de produção está relacionada à internalização de processos produtivos que estão expostos à concorrência internacional.

A estratégia chinesa de desenvolvimento previu uma forte inserção externa, como será demonstrado ao longo do artigo, mas esta não implicou uma externalização pura e simples dos processos de tomada de decisão, tampouco implicou numa trajetória de desproporção setorial ou dependência inanceira, ao contrário de outros processos de industrialização associada e dependente, como o latino americano, cuja pulsão externa acompanhou todos os momentos de racionamento de crédito e diminuição da oferta voluntária de capitais, seja como decorrência do ciclo, seja por questões de ordem interna da região. A internacionalização chinesa exigiu concertos contratuais que possibilitaram ao país fazer uso ao mesmo tempo do capital externo e gerar superávits crescentes em suas contas externas.

Contrariando as visões que viam o IED como portador da dependência produtiva e inanceira, o exemplo chinês demonstra que sob forte comando do Estado, por meio de um planejamento de longo prazo, podese evitar os efeitos negativos próprios de processos de internacionalização anteriores.

Por último, mas não menos importante, cabe ressaltar que a internacionalização da economia chinesa reproduz um problema comum a todos os processos de internacionalização de países retardatários, qual seja, a mimetização de padrões de consumo. Também cabe destacar que o crescimento acelerado sob a instituição da propriedade privada dos meios de produção resulta em aumento da desigualdade, muito embora o crescimento da riqueza tenha permitido ganhos expressivos em termos de diminuição da miserabilidade.

3. Políticas do ied na China

Desde 1970 a China vem abrindo a sua economia para empresas estrangeiras e também vem alterando suas políticas de investimento para atrair capital externo. (Fung et al, 2002)

No inal dos anos 70 e inicio dos anos 80, as políticas governamentais incentivaram as joint ventures e mudaram a divisão interna do trabalho por meio da criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). Em 1979 foi promulgada a Lei que tornou o investimento estrangeiro legal na China.

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Em 1984, o conceito de ZEEs foi estendido para mais 14 cidades costeiras e para a ilha Hainan. Doze das 14 cidades foram designadas como Zonas de Promoção Tecnológica em 1985, para expandir a transferência de tecnologia. Em 1986 regulamentações mais favoráveis foram...

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