Entre expropriações e resistências: a implementação de parques eólicos na zona costeira do Ceará, Brasil

AutorJúlio César Holanda Araújo
CargoBiólogo, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). E-mail: julioholanda@msn.com
Páginas142-161
Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 327-346, 2016
ENTRE EXPROPRIAÇÕES E RESISTÊNCIAS: A IMPLEMENTAÇÃO
DE PARQUES EÓLICOS NA ZONA COSTEIRA DO CEARÁ, BRASIL
Between expropriations and resistance: implementation the wind farms in the coastal
zone of Ceará, Brazil
Júlio César Holanda Araújo
Resumo
O presente artigo analisa as implicações territoriais da implementação de parques eólicos na zona
costeira do Ceará, bem como os conflitos ambientais e processos de resistência decorrentes. Observa-se
haver em curso um processo de legitimação dessa fonte, que se fundamenta, principalmente, no
consenso relativo criado em torno da noção de “energia limpa” a partir das negociações climáticas e da
mesma ser considerada de “baixo impacto ambiental”, com uma suposta isenção de impactos e conflitos.
Entretanto, tal legitimidade tem sido contestada por determinados grupos sociais localizados em
territórios próximos aos projetos, os quais denunciam que suas práticas espaciais são desestruturadas
em função do processo técnico adotado. Foi evidenciado que a implantação de parques eólicos no Ceará
não ocorre isenta de conflitos ambientais e que ela tem sido acompanhada pela expropriação das
populações locais e degradação dos ecossistemas. Com efeito, as populações locais protagonizam
processos de resistência e luta coletiva com o objetivo de fazer ressoar suas denúncias na arena pública.
Palavras-chave: Energia eólica. Energia limpa. Conflitos ambientais. Desigualdade ambiental.
Resistências.
INTRODUÇÃO
Em 2007 a fonte eólica respondia por apenas 245 MW/h da matriz elétrica nacional e,
em fins de 2014, alcançou cerca de 6 mil MW/h (ABEEOLICA, 2015), sendo a fonte que mais
cresceu em participação nos leilões para contratação de energia da ANEEL. De acordo com o
Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) projeta-se um aumento da capacidade instalada
desta fonte de 1,8 mil MW em 2012 para 17,4 mil MW em 2022, que corresponde a um aumento
da participação na matriz elétrica de 1,5% no final de 2012 para 9,5% em 2022 (BRASIL,
2013).
De acordo com dados do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC, na sigla em
inglês), o Brasil ocupa a 10ª posição entre os países com maior capacidade instalada no mundo,
pouco à frente da Suécia, Portugal e Dinamarca. Quando observada a expansão anual, em 2014
o país registrou a 4ª colocação entre os que mais adicionaram megawatts eólicos à matriz, atrás
apenas de China, Alemanha e Estados Unidos.
Biólogo, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). E-mail: julioholanda@msn.com
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 327-346, 2016
Dos mais de 600 projetos de geração eólica, dentre parques em operação, construção
e já contratados pela ANEEL, os estados do Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio Grande do
Norte somam 196 parques em operação, sendo os líderes em capacidade instalada. Entre os
fatores que propiciaram a expansão do setor, destacam-se a emergência da questão ambiental
no espaço público, o consenso criando em torno da noção de “energia limpa”, a conjuntura
econômica favorável e principalmente o protagonismo do Estado.
De acordo com o discurso preponderante em agentes do Estado, setor empresarial e
em parte da sociedade civil, a matriz eólica é considerada “limpa”, por não emitir Gases de
Efeito Estufa (GEE) à atmosfera durante o processo de geração de energia elétrica e,
consequentemente, não acentuar as mudanças climáticas. Alega-se também que a geração de
energia por esta fonte é de “baixo impacto ambiental”, realizada através de práticas espaciais
que provocam reduzidas ou nenhuma implicação indesejável aos ecossistemas e às populações
das regiões onde os parques são instalados. Essas representações contribuíram para que ao
longo dos últimos dez anos essa fonte adquirisse significativa legitimidade social (ARAUJO,
2015).
Entretanto, tal legitimidade tem sido questionada na escala local, pois é crescente o
número de grupos sociais localizados em territórios próximos aos parques eólicos que apontam
no espaço público que suas práticas espaciais são desestruturadas e por vezes inviabilizadas em
função do processo técnico adotado na geração de energia eólica no país. O termo “energia
limpa”, criado no âmbito das negociações climáticas, engloba processos técnicos de geração de
energia que, apesar da não emissão de GEE à atmosfera, têm provocado alterações indesejáveis
aos ecossistemas e conflitos ambientais. As implicações territoriais provocadas por essas fontes
de energia ditas “limpas” são corriqueiramente desconsideradas no espaço público ao incluí-las
nessa categoria.
Diante disso, o presente artigo busca analisar as implicações territoriais específicas da
implementação de parques eólicos na zona costeira do Ceará, investigar o conjunto de ações e
estratégias utilizadas nos espaços públicos pelos atores para contestar a implantação da energia
eólica e os mecanismos de resistência e luta coletiva. O artigo está inserido em uma pesquisa
de mestrado cuja atividade de campo foi realizada em 2013 e 2014 e a metodologia utilizada
baseou-se em informações secundárias, como análise de documentos, publicações e notícias
veiculadas em jornais de relevante circulação; além de informações primárias, através de
entrevistas e observações em campo nos municípios de Aracati, Amontada, Acaraú e Itapipoca.

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