Experiencias de greve no Estado Novo/Experiences of Strike in the Brazilian Estado Novo.

AutorSiqueira, Gustavo Silveira

Introducao

O presente artigo (1) tem como objetivo demonstrar a existencia de experiencias de greves durante o periodo do Estado Novo (1937-1945) no Brasil. Apresenta os resultados preliminares do projeto de pesquisa conduzido na Faculdade de Direito da UERJ, com financiamento do CNPq e da FAPERJ sobre o tema e busca aqui, mostrar algumas diretrizes e analises exploratorias ja realizadas. Tal iniciativa torna-se relevante em reacao a uma interpretacao da literatura brasileira especializada que afirma que, durante a ditadura do Estado Novo, nao houve greves no Brasil ou que os trabalhadores permaneceram "calados" ou "subjugados" pela forca da ditadura Vargas.

Marcelo Badaro Mattos, por exemplo, afirma que "entre 1935 (portanto antes mesmo do golpe de 1937) e 1942, viveu-se uma fase de completa desmobilizacao sindical. Dirigentes totalmente submissos as orientacoes do Ministerio do Trabalho foram elevados a direcao dos sindicatos, nao houve greves por categorias e a participacao das bases nas atividades sindicais reduziu-se a quase nada." (2) E continua em outro trecho: "a partir de 1935, as liderancas combativas fossem aniquiladas pela violenta repressao para que o conformismo dos "pelegos" se instalasse" (3).

Ou seja, para o autor, a partir de 1935, nao aconteceram significantes manifestacoes operarias, que so voltariam a aparecer em 1942: "Em torno da suspensao de algumas das restricoes a legislacao social, no esforco de guerra, e da necessidade de reajustes salariais, surgiriam diversos movimentos grevistas, a partir de 1942. Tais greves, quase sempre por empresas, e organizadas por comissoes de fabrica ou a elas dando origem, remariam contra a mare de controle sobre os sindicatos e enfrentariam, muitas vezes, resistencias das direcoes sindicais atreladas ao Ministerio do Trabalho, alem da propria policia politica." (4)

Angela de Castro Gomes entende que com o tratamento da questao social como um problema de "seguranca nacional" associada a eliminacao dos indecisos e dos adversarios no processo de preparacao para o golpe de 1937, alem da ascensao do politico pernambucano Agamenon Magalhaes na pasta do Trabalho: "nao haveria competicao entre propostas concorrentes, nem lutas nos sindicatos ou nas ruas". A repressao ao comunismo teria inviabilizado as acoes independentes por parte das classes trabalhadoras (5). Deste modo, nas lutas dos trabalhadores "um longo silencio teve inicio em 1935, reforcando-se em 1937 e perdurando praticamente ate 1942." (6)

Usualmente duas hipoteses fomentam a ausencia de greve no Estado Novo. Aquela que afirma a cooptacao do trabalhadores pelo sistema "trabalhista" do Governo Vargas, com a criacao dos sindicatos unicos, do imposto sindical e outras medidas, dentre elas uma serie de direitos sociais que foram positivados durante todo o governo Vargas (1930-1945), e uma outra que ve na grande violencia do aparato estatal, da policia politica e no uso do exercito contra o povo como a principal causa do silencio dos trabalhadores. Por obvio, ambas as hipoteses nao sao excludentes e poderiam muito bem conviver conjuntamente.

Ao contrario do que esse conjunto de pesquisadores afirma, pretendese, portanto, provar a existencia de greves no Estado Novo, trazendo a tona experiencias, ressignificacoes e vivencias que podem alterar as visoes--de certa forma ja consagradas--brevemente expostas acima. Trazendo ao debate novos documentos e novas intepretacoes, pretende-se problematizar a ideia de que movimentos grevistas no Estado Novo nao existiram ou pouco representaram. A tentativa e trazer elementos que possam contribuir para uma outra possivel interpretacao daquele momento. Assim, algumas experiencias relacionadas ao direito de greve no Estado Novo serao retomadas para demonstrar a importancia de rediscutir tais interpretacoes.

Desta fora, sao problematizadas documentacoes que podem apresentar outras construcoes sobre o direito de greve no Estado Novo. Assim tambem sera verificada a possibilidade de uma mudanca do entendimento do que e greve. Neste aspecto, e possivel um dialogo com a historia dos conceitos de Koselleck (7), entendendo-se como o conceito de greve pode ter sido substituido por outros, diante da "conotacao criminal" que o mesmo passou a receber. Serao discutidos os processos de greve que chegaram ao Tribunal de Seguranca Nacional (TSN), bem como um conjunto de livros e jornais sobre o tema e a complexa legislacao sobre greve no Estado Novo.

Se propoe aqui "escovar a historia a contrapelo," (8) descobrir greves onde se pensou que nao seria possivel encontrar e tentar entender uma historia que parece querer-se esquecer ou uma historia que "nos obrigam oficialmente a (des)conhecer". (9) Da mesma forma que a historia da ditadura e revista, procura-se problematizar o que ha por tras da negacao da greve no Estado Novo. Teria ela nao existido ou mudado? Ou teria ela sido escondida?

A pesquisa documental foi realizada em arquivos e bibliotecas do Parana, Minas Gerais, Goias, Sao Paulo e Rio de Janeiro, contou com apoio da FAPERJ (APQ1--Auxilio a Pesquisa 2013) e do CNPq (Edital Universal 2013). Diante da complexidade do material colhido, procurou-se utilizar, diversas metodologias que pudessem contribuir para o entendimento de um periodo tao rico e desconhecido da historia brasileira. Assim, as discussoes ora dialogam com a historia dos conceitos, ora dialogam com a historia social e com a historia do direito pelos movimentos sociais. (10)

  1. Estado Novo: entre a violencia e o "peleguismo" sindical

    Foi durante o Estado Novo, que o processo de contrucao do "mito Vargas" atingiu o seu apice. (11) A propaganda, o radio, a censura aos criticos, a edicao de cartilhas, livros e a realizacao de grandes cerimonicas contribuiu para o fortalecimento do mito no Estado Novo.

    Junto com esta imagem, o governo utilizava uma serie de meios para a implantacao do projeto corporativista. (12) Politicas sociais em diversas areas como familia, educacao, saude, trabalho e previdencia social eram acompanhadas de uma estrutura sindical subordinada ao Estado e de uma intensa repressao aos movimentos autonomo dos trabalhadores. (13) A repressao policial era o braco forte do governo para combater os contestadores do regime.

    Ao passo que o governo positivava uma legislacao social que satisfazia uma serie de antigas reivindicacoes dos trabalhadores, a propaganda e a educacao eram instrumentos do governo: "O alvo principal do projeto corporativista do governo era, sem duvida, os trabalhadores. O nucleo desta proposta previa a configuracao de um novo tipo de individuo." Nao haveria espaco para a desordem ou para a contestacao. A cidadania estava atrelada ao trabalho e a nacionalidade. O trabalho era um direito e um dever do homem. (14) O homem trabalhador era o modelo a ser seguido. Qualquer forma de negar o trabalho era uma forma de negar o "ser brasileiro." Dai a negacao das greves: a greve viola a logica do trabalho e questiona o normal andamento das instituicoes. Os subversivos deveriam ser combatidos. O combate, usualmente tambem violento, a vadiagem as greves, e a outras formas

    Luciana Barbosa Areas divide a reacao dos trabalhadores em relacao a implantacao do projeto corporativista em tres grupos: um deles aceitou os pontos que lhe eram favoraveis e rejeitou os prejudiciais; outros, ligados as correntes de esquerda, resistiram a sua implantacao, e, por fim, houve ainda aqueles que aceitaram o projeto integralmente. (15) A autora concorda que significativa parcela dos trabalhadores, mesmo nos periodos mais violentos da ditadura, conseguiu manter praticas de resistencia, bem como "batalhas solitarias em busca do respeito aos seus direitos." (16)

    Apesar de nao ter encontrado greves no Estado Novo, a autora cre na possibilidade de acoes contrarias ao governo no Estado Novo. Com a desmobilizacao dos sindicatos, seja pela legislacao que obrigava a existencia de sindicato unico com intima possibilidade de controle pelo governo, seja pela desmobilizacao violenta dos sindicatos contestadores, e possivel perceber a resistencia em determinadas empresas e nao mais grandes greves ou grandes movimentos organizados por categorias. Os movimentos sao menores no Estado Novo, o que nao significa a sua nao existencia, como muitos tem defendido.

  2. Conceito de greve no Estado Novo: uma possivel alteracao/reflexao

    No dia 06 de Agosto de 1943, o Delegado de Ordem Politica e Social da cidade de Curitiba, no Estado do Parana, comunicava ao Secretario do Interior, Justica e Seguranca Publica do Estado, que, no dia anterior, havia recebido do Chefe do Estado Maior do 5 Regimento Militar, o Coronel Tales de Azevedo Vila-Boas, a informacao de que os funcionarios da Rede Viacao Parana Santa Catarina "se conservaram inativos, desde as 7h., nos seus postos de servico, em protesto pacifico motivado por um pretendido aumento de salario". (17)

    A requisicao, feita pelo chefe de locomocao de Rede, Manoel da Rocha Kouester, ao 5 Regimento Militar, informava que "os operarios das oficinas nao queriam trabalhar" por conta da "desesperada situacao de vida de cada um, o que tornava imprescindivel a obtencao, o mais breve possivel, do aumento de vencimentos que ha meses vinham pleiteando, - dai a atitude que assumiam". (18)

    "Nao havendo, os operarios, atendido a um segundo prazo para que voltassem ao servico, o Dr. Kuster oficara ao Comando da 5a R.M., solicitando a ocupacao militar dos pavilhoes das oficinas como medida de seguranca." Segundo o relato, as 12h, um contingente do batalhao ja tinha ocupado as oficinas. (19)

    Ao conhecer de tais informacoes, o delegado do DOPS, "providenciou, imediatamente, a infiltracao de elementos" junto aos trabalhadores grevistas e foi, junto com Kuester e o Major Higino de Barros Lima a Estacao da Estrada de Ferro. (20)

    Concluia o delegado que "nenhum indicio se notava de interferencia de elementos estranhos a Rede", naquele protesto. Aparentemente agiam por deliberacao propria, eram cerca de 400...

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