Experiência Brasileira

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas276-293

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A história da previdência social, quando seu conceito estiver estratificado e decantado, é tarefa reclamando paciente historiador e pesquisador, além de metódico cientista e observador, pois terá de optar por esta ou aquela data ou instituição. Decidir se foi o Decreto Legislativo de 1919 ou o de 1923 que a batizou, posicionar o nascimento da previdência particular (1835) como antecedente da estatal e assim por diante.

341. Pré-história - Divergem os historiadores quanto à data da implantação da previdência social brasileira. Em termos legais, o Montepio de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha (2.9.1795) é o registro mais antigo. Amauri Mascaro Nascimento considera o Decreto Legislativo n. 3.724, de 15.1.1919, a primeira lei protetiva com caráter previdenciário. Para Mozart Victor Russomano é 24.11.1888 (Caixa de Socorros para Ferroviários), com a Lei n. 3.397. Os critérios variam consoante as concepções subjetivas.

Como se verá adiante, quando Eloy Marcondes de Miranda Chaves propôs o Projeto de Lei resultante no Decreto Legislativo n. 4.682/1923, o País já conhecia experiências reais e algumas até abrangentes. Uma delas, de importância histórica e precognitiva, é o tantas vezes mencionado Mongeral (10.1.1835).

À vista do desenvolvimento posterior e da estrutura jurídica da lei, realmente, 24 de janeiro de 1923 pode ser escolhida a data de sua instituição ou, pelo menos, ser considerada a da primeira lei a regrar sistematicamente o assunto.

342. lei eloy Chaves - No começo do século XX, o eixo Rio-São Paulo andava agitado por greves e movimentos populares. Lembrava as dificuldades de Bismarck, na bacia do Rhur, Alemanha, quarenta anos antes. Evaristo de Moraes ("Apontamentos de Direito Operário", São Paulo: LTr, 1971, p. 11) e Warren Dean ("A Industrialização de São Paulo (1880/1945)", 2ª ed., São Paulo: Ed. Edifel, p. 163/92) retratam essa passagem meio anarquista da nossa história.

William John Sheldon, engenheiro da São Paulo Railway - SPR, depois Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, hoje FEPASA, em 1919, quando foi ao Chile, e passou pela Argentina, para observar o sistema de cremalheira, a ser adotado na Serra do

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Mar, em Santos, trouxe a lei portenha (caja de jubilaciones), recentemente aprovada, e conseguiu publicá-la no jornal "O Estado de S. Paulo".

Formou-se uma Comissão pró-Lei de Aposentadoria e Pensões de Empregados e Operários Ferroviários. A primeira reunião aconteceu em 7.9.1920, em Jundiaí, sendo eleito presidente Charles T. Chapmann, contador da SPR. Participaram desses esforços iniciais Francisco Pais Leme Monlevade, Inspetor-Geral da Companhia Paulista de Estrada de Ferro; P. V. Cavalheiro, Secretário da mesma ferrovia; N. Alayon, ajudante chefe de tráfego da SPR; P. Colbertt, almoxarife da SPR; A. Lessa, Chefe da Seção Comercial da SPR; E. F. Campos, chefe de tráfego da SPR; e, Adolfo Pinto, 1º Inspetor-Geral da Companhia Paulista.

Em 6.10.1921, o Deputado Federal perrepista de São Paulo, Eloy Marcondes de Miranda Chaves apresentou o Projeto de Lei n. 446/1921, em 1922 sob o n. 362/1922, aprovado na Comissão de Legislação Social em 26.12.1922 e, finalmente, na Câmara dos Deputados, em 30.12.1922, sancionada pelo Presidente Arthur da Silva Bernardes em 24.1.1923, seguindo-se as assinaturas dos Mins. Miguel Calmon du Pin e Almeida e Francisco Sá. A publicação saiu no DOU de 28.1.1923, com alterações em 14.4.1923.

Em 1921, na Câmara Municipal de Jundiaí, Eloy Chaves disse: "À áspera luta de classes, figurada e aconselhada pelos espíritos extremados ou desvairados por estranhas e complicadas paixões, eu anteponho, confio no seu êxito total, a colaboração íntima e pacífica de todos, em benefício da pátria comum e dentro da ordem!".

Nasceu em Pindamonhangaba, a 27.12.1875, filho do Cel. José Guilherme de Miranda Chaves e de D. Cândida Marcondes de Miranda Chaves, mas desenvolveu sua vida pública em Jundiaí, onde foi erguida herma em sua homenagem e recebeu o título de cidadão, em 14.12.1960. Veio a falecer em 19.4.1964.

Havia-se formado em Ciências Jurídicas, em 2.1.1896, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e, em 1902, com apenas 27 anos, foi eleito deputado federal. Em 18.1.1897, assumiu a Promotoria em Jundiaí, onde se casou em 30.7.1889, com dona Almerinda Mendes Pereira. Sua vida e trajetória política são contadas por Hermes Pio Vieira ("Eloy Chaves, Precursor da Previdência Social no Brasil", Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978).

A Lei Eloy Marcondes de Miranda Chaves, implementada pelo Decreto Legislativo n. 5.109/1926, é resultado de esforço iniciado no século anterior com a Encíclica Rerum Novarum (15.5.1891). Infelizmente, nossa Lei Maior de 1891 não pôde aproveitar os ensinamentos e a influência benéfica contidos nesse magnífico documento. A Constituição mexicana de 1910 e a alemã, de Weimar (1919), entretanto, inspiraram os nossos constituintes, e, em 1926, transformamos a nossa Carta Magna, de política--institucional em social-democrática.

No seu art. 1º, o Decreto Legislativo n. 4.682/1923 autorizou a criação, em todo o País, de Caixas de Aposentadoria e Pensões, em cada uma das ferrovias, para os seus empregados (definidos como operários prestando serviços numa mesma

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empresa por mais de seis meses). Implementando as experiências anteriores, a proteção social era estendida a praticamente todos os ferroviários.

Exigia contribuição mensal de 3% sobre os vencimentos, por parte dos empregados, e patronal, anual, de 1% sobre a renda bruta da empresa. Outras fontes eram admitidas, como aumento nas tarifas de 1,5%, origem da Quota de Previdência. Introduziu a joia, espécie de entrada, correspondente a um mês de salário e paga em dois anos, além de contribuição adicional, igual à diferença de salário da primeira promoção, igualmente amortizável em vinte e quatro meses. E, curiosamente, o valor da venda de papel velho e varreduras.

O plano de benefícios previa: a) aposentadoria ordinária e por invalidez; b) pensão por morte; c) assistência médica para os beneficiários; e d) medicamentos a preço reduzido. Aposentadoria ordinária era concedida ao empregado com mais de 30 anos de serviço e mínimo de 50 anos de idade.

De acordo com Paulo Queiroz Andreoli, o primeiro aposentado foi Bernardo Gonçalves, já em 1923 ("50 Anos das Antigas Caixas ao INPS", in O Estado de S. Paulo, de 28.1.1973).

343. Práticas anteriores - Os principais momentos anteriores podem ser lembrados.

Um Alvará Régio português, datado de 22.11.1684, regulamentou o seguro privado aplicável ao Brasil.

As regulações da Casa de Seguros de Lisboa, de 11.8.1791, regraram o seguro privado.

O Montepio dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha, de 2.9.1795, leva a assinatura do Príncipe Dom João, no Palácio Queluz, em Lisboa, vindo a ser primeiro diploma legal.

Lei sem número, de 24.2.1808, autorizou a Companhia de Seguros Boa-Fé, na Bahia, a funcionar. Carta Régia de 24.10.1808 aprovou resolução do Governador e Capitão-General da ex-Capitania Hereditária da Bahia, sobre a Companhia de Seguros Conceito Público, a funcionar no Rio de Janeiro, a partir de 5.2.1810. Em 24.1.1828, deu-se permissão de funcionamento para a Sociedade de Socorros Mútuos Brasileiros. Registros vetustos dão conta de Dom Pedro I, Príncipe Regente, ter instituído, em 1º.10.1821, aposentadoria para mestres e professores aos 30 anos de serviço, e abono de 25% da remuneração para quem continuasse trabalhando (sic).

Nossa Constituição Federal de 1824, em seu art. 179, XXXVI, dita: "A Constituição também garante os socorros públicos".

A Lei Orgânica dos Municípios de São Paulo, de 1º.10.1832, cuidava de casas de caridade para ajudar expostos (abandonados) e doentes.

Em 1834, foi criada a Sociedade Musical de Beneficência.

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O dia 10.1.1835 é marco extraordinário: criação do Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado - Mongeral.

Em 1838, surgiu a Sociedade Animadora da Corporação de Ourives.

O Código Comercial (Lei n. 556/1850) disciplinou o seguro marítimo (arts. 666/684). Seu art. 79 trata do acidente do trabalho, prevendo salários por três meses. O Regulamento n. 737/1850 regrou o assunto.

Uma fiscalização das companhias de seguro foi autorizada pelo Decreto n. 2.679/1860. O Decreto n. 2.711/1860 tratou de montepios e sociedades de socorros mútuos. Concebia auxílio permanente para velhice e auxílio temporário, para os casos de incapacidade total ou parcial, decorrentes de acidentes ou enfermidades. A Lei n. 2.556/1874 tratou da jubilação no Exército.

A aposentadoria aos empregados dos correios e telégrafos foi assegurada pelo Decreto n. 9.912-A/1888. A Lei n. 3.397/1888 criou a Caixa de Socorros para as Estradas de Ferro do Império. O Decreto n. 10.269/1889 organizou a Caixa de Pensões dos Operários das Oficinas da Imprensa Nacional - CAPOIN, em 17.10.1917, transformada em CAPIN (Decreto n. 12.681/1917). Teve início a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil (Decreto n. 221/1890). O Decreto n. 942-A/1890 disciplinou o Montepio Obrigatório dos Empregados do Ministério da Fazenda. O Decreto n. 1.318-E/1891 estendeu-o para o pessoal civil do Ministério da Guerra. A Lei n. 217/1892 programou aposentadoria por invalidez e pensão por morte para os operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.

Ditava a Constituição Federal de 1891: "A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação" (art. 75).

O Decreto n. 1.541-C/1893 previu previdência social dos servidores da Casa da Moeda, seguido pelo Decreto n. 9.284/1911, implantador da Caixa de Pensões dos Operários da Casa da Moeda. O Decreto n. 9.517/1912 disciplinou a Caixa de Pensões e Empréstimos para o pessoal da capatazia da Alfândega do Rio de Janeiro.

Fatos mais remotos, anteriores à Lei Eloy Marcondes de Miranda Chaves, desde a fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos (1543), já foram sumariados ("Subsídios a Pré-História...

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