A exigibilidade dos direitos e da política social como bandeiras de luta dos sindicatos

AutorCarlos Augusto Junqueira Henrique e Virgínia Leite Henrique
Páginas439-449

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Sem política tornam-se menores as chances de uma transição que nos retire da quase barbárie em que vivemos e nos projete numa cidadania auto-regulada, capaz de se organizar com autonomia, inteligência e justiça.

(Marco Aurélio Nogueira)1

O presente artigo tem como objetivo analisar os direitos, notadamente trabalhistas, e a política social nas diversas conformações estatais, desvelando a potencialidade de serem exigidos, especialmente pelos sindicatos, como mediações possíveis para transformações emancipatórias da classe trabalhadora.

A palavra política decorre daquela de origem grega polis (politikós), designando as atividades do Estado realizadas na cidade - polis. O termo ganhou relevância, sobretudo, com a publicação da obra de Aristóteles - Política - "considerada como o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de Governo, com a significação mais comum de arte ou ciência do Governo" 2.

As políticas públicas são, pois, ações do Estado e da sociedade civil para realização dos desígnios e finalidades politicamente determinados e socialmente relevantes. São imprescindíveis para a concreção da lógica inclusiva, integrativa e participativa da democracia. Nos dizeres de FÁBIO KONDER COMPARATO:

Para a implementação da democracia radical, que promova a justiça promocional ou distributiva, e que garanta no seio do sistema democrático a igualdade subs-tancial das condições de vida, necessariamente tem de se realizar por meio de políticas públicas ou programas de ação governamental.3

As políticas públicas decorrem, pois, da relação complexa, "de reciprocidade e antagonismo ao mesmo tempo", segundo Ianni (1986)4, existente entre Estado e sociedade.

As políticas sociais5, incluindo as políticas públicas, representam ações que se estabelecem no âmbito das relações complexas e contraditórias que se desenvolvem entre Estado e sociedade civil no contexto dos conflitos e luta de classes

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próprias do processo de produção e reprodução do capita-lismo. Representam, por um lado, uma concessão do Estado no sentido de ser instrumento para manutenção da acumulação e reprodução da força de trabalho e, por outro, conquista por melhoria e efetivação de direitos. Visam, "mediante esforço organizado e pactuado, atender necessidades sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual e espontânea"6. E quais necessidades seriam estas? São as necessidades básicas7 que, minimamente, estão explicitadas no art. 6º da Constituição da República relacionadas à efetivação dos direitos sociais, quais sejam: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Encerram, pois, em si, a contradição e a dialeticidade própria do sistema capitalista. Ao mesmo tempo que são as políticas sociais instrumentos do sistema, já que são aplicadas para diminuir os conflitos e as tensões sociais, evitando contestações mais graves e revolucionárias que colocariam em risco o próprio sistema, representam também a organização decorrente da luta de classe em busca de melhorias. Servem, pois, a dois senhores: ao capital, minimizando os conflitos e permitindo o acesso aos recursos e a realização da mais-valia; servindo também ao trabalho já que representam ganhos deste, podendo constituir caminho, mediação, instrumento, meio para o fortalecimento da classe trabalhadora e a emancipação humana, não apenas política e cultural, mas também econômica, com a participação dos trabalhadores na riqueza socialmente produzida. Neste sentido, devem ser vistas como medidas necessárias e emergenciais que, uma vez efetivas, podem contribuir para a construção de uma nova sociedade.

São as políticas sociais, pois, aquelas políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos sociais, ainda que isso implique, em um primeiro momento, em capitulação com o próprio sistema capitalista.

Não é possível definir um marco para o surgimento das políticas sociais, já que representam um processo histórico que vai se desenvolver diferentemente em distintos países e épocas históricas, dependendo, inclusive, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e da organização da classe trabalhadora.

Costumam ser citados, como exemplos marcantes de políticas sociais, sobretudo na área da seguridade social, os seguros idealizados por Otto von Bismarck nos anos 1880, em uma lógica seletiva e de contenção da luta de classe, bem como o sistema de seguridade proposto por William Beverige, em seu relatório de 1942, com viés universalizante e de uniformização dos benefícios, em combate aos chamados "cinco gigantes" (miséria, doença, ignorância, ociosidade e insalubridade).

Entretanto, fato é que se generalizaram depois da 2ª Guerra Mundial com a adoção do liberalismo heterodoxo de John Maynard Keynes no chamado Estado de Bem-estar Social. O autor do livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda propôs a intervenção do Estado na regulação da economia com o fito de reativar a produção incentivando o pleno emprego e o consumo e, assim, evitar crises cíclicas de super-produção e subconsumo. Para o autor, o Estado deveria buscar a elevação da demanda global e evitar a queda da taxa de lucro, por meio dentre outras medidas da planificação indicativa da economia, da oferta de créditos, da distribuição de subsídios e da adoção de políticas sociais.

O keynesianismo representou uma sábia estratégia do sistema em, com reformas parciais viabilizadas pelas políticas sociais, capitular o movimento operário em franca expansão em todo o mundo, inclusive no Brasil, na primeira metade do século XX. Foi, ademais, juntamente com o fordismo, em termos produtivos, um dos pilares do chamado Welfare State (Inglaterra) ou État Providence (França) que tinha como marcos orientadores, além das lições de Keynes fundadas na regulação da economia de forma a gerar o pleno emprego, as postulações expressas por William Beveridge em seu Relatório, voltadas à seguridade social, bem como a teoria marshalliana a respeito da cidadania baseada, segundo Thomas Henry Marshall, na conquista8 dos direitos civis, políticos e sociais9.

Marshall baseará seus estudos na análise da obra do economista neoclássico Alfred Marshall e buscará demonstrar a "evolução" da cidadania na ordem capitalista.

Conforme Marshall, a situação inglesa demonstrou uma periodização na conquista de tais direitos, iniciando pelos civis (aqueles relacionados à liberdade individual como a liberdade de ir e vir, religiosa, de pensamento, de imprensa, o direito à propriedade e à justiça, por exemplo, consagrados institucionalmente nos tribunais de justiça), seguidos pelos direitos políticos (vinculados à participação no exercício do poder político, seja como autoridade, seja como eleitor, cujas instituições correspondentes seriam o parlamento e conselhos) e, por fim, consagrando-se os direitos sociais (relacionados a um patamar de bem-estar, vinculados às instituições do sistema educacional e dos serviços sociais).

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Sobre Marshall e sua sistematização dos direitos, sintetiza Abreu:

Marshall submete suas formulações ideal-típicas aos fatos e às tendências observáveis no desenvolvimento da sociedade inglesa, desde o século XVII, para validá-las. Sua premissa, apoiada na evolução institucional inglesa, consiste em que, a partir de um núcleo básico de direitos civis privados, atribuídos igualmente a todos os indivíduos como um "princípio" jurídico e simbólico nivelador, novos direitos se incorporam ao status de cidadania como extensão ou "enriquecimento" desse. Assim, o curso de desenvolvimento da cidadania envolve, também, uma extensão dos direitos político-eleitorais a todos os indivíduos - o que, para o autor, desconsiderando as duras e longas lutas sociais para conquistá-las, já estaria implícito nos "princípios da igualdade básica dos direitos civis" -, e a ambos se agregam os direitos sociais restitutivos e compensatórios das "desigualdades do mercado" (e outros provedores de bens e serviços a todos ou aos mais necessitados), como uma "consequência do alargamento dos direitos anteriores" e do desenvolvimento da "consciência social" positiva.10

Os primeiros (civis), segundo Marshall, foram conquistados no século XVIII, com o reconhecimento de diversas garantias civis jurídicas inglesas como o habeas corpus, o Toleration Act, a revogação dos Combination Acts, dentre outros. Já os políticos foram universalizados no século XIX. Como observa Marshall, quanto a eles, o problema não era de criação de novos direitos políticos, mas sua expansão a outros setores da população. "No século XVIII, os direitos políticos eram deficientes não em conteúdo, mas na distribuição - deficientes, isto é, pelos padrões da cidadania democrática."11 Neste sentido "distributivo", a Lei inglesa de 1832 aboliu os distritos desprovidos de recursos, ampliando o direito de voto que, entretanto, só se tornou universal com a Lei de 1918. Já os sociais, embora também tenham raízes anteriores, como a Poor Law (Lei dos Pobres), o sistema Speenhamland de assistência aos pobres, só foram consagrados como efetivos direitos e não concessões misericordiosas desvinculadas ao status de cidadania no século XX12. Os direitos sociais se fundamentam na ideia de igualdade, buscando a redistribuição da riqueza promovendo a igualdade de acesso a bens e serviços.

Para sua concreção, dependem de um facere, de uma atuação positiva do Estado, materializando-se por meio das políticas sociais. Nas palavras de Giuseppe Cocco, no período dos chamados "anos gloriosos" dá-se a passagem da "economia política" para as "políticas econômicas", mediante a intervenção do Estado ao qual chama de "Estado-crise", porque "produto da crise cuja característica fundamental é a de conseguir integrar o conflito reconhecendo-o e transformando-o no próprio vetor do crescimento econômico"13 14.

Essa modalidade de atuação do Estado, definida...

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