Execução por quantia certa contra o devedor solvente: penhora e suas particularidades

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas423-469

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254. Particularidades da penhora de certos bens

A penhora das coisas corpóreas (móveis ou imóveis) se faz mediante apreensão física, com deslocamento da posse para o depositário, que é o agente auxiliar do juízo, encarregado da guarda e conservação dos bens penhorados. Assim, lavrado o auto de penhora, depósito e avaliação, perfeita se acha a garantia da execução. Há, porém, outros cuidados e algumas particularidades a observar quando a penhora recai sobre bens incorpóreos ou mesmo algumas coisas corpóreas de natureza especial. Nos arts. 8541e seguintes, o novo Código regula, com especialização, por exemplo, penhoras como a de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, de percentual do faturamento, de créditos, direitos, ações, estabelecimentos etc.

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255. Penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira

I - Penhora on line

A reforma da Lei nº 11.382/2006 consagrou, no Código de 1973, a denominada penhora on line, por meio da qual o juiz da execução obtém, por via eletrônica, o bloqueio junto ao Banco Central, de depósitos bancários ou de aplicações financeiras mantidas pelo executado2. O sistema foi mantido e aperfeiçoado pelo NCPC, em seu art. 854.

O art. 835, I e § 1º do NCPC colocam o dinheiro como bem preferencial e prioritário de penhora, para fins de garantir a execução. Nessa esteira, a penhora on line mostra-se como o meio mais eficaz de realizar a execução no interesse do exequente (NCPC, art. 797). Releva notar que essa medida não atrita com o princípio da menor onerosidade ao executado, nem exige o exaurimento prévio de diligências para localizar outros bens penhoráveis, conforme já assentado pelo STJ.3

Uma importante distinção tem sido feita pela jurisprudência em relação à penhora de fundos bancários: o art. 835, I, do NCPC, considera penhora de dinheiro tanto aquela que incide sobre "dinheiro em espécie" como aquela que recai sobre "dinheiro em depósito ou em aplicação em instituição financeira". Todas essas modalidades de segurança da execução figuram na primeira posição de preferência para a nomeação à penhora. No entanto, nem toda aplicação pode ser qualificada como dinheiro disponível à ordem do aplicador.

A jurisprudência, com sólida razão, entende, por exemplo, que, para os fins do art. 835, I, do NCPC, não é possível equiparar as cotas de "fundos de investimento" a "dinheiro em aplicação financeira", quando do oferecimento de bens à penhora. Para o STJ, embora os fundos de investimento sejam uma espécie de "aplicação financeira", eles não se confundem com a expressão "dinheiro em aplicação financeira", a que se refere o aludido dispositivo do NCPC. Para se manter a prioridade na gradação legal da penhora, é preciso que a constrição processual atinja numerário certo e líquido, o qual ficará bloqueado à disposição do juízo da execução. Tal não ocorre com o valor financeiro referente a cotas de "fundo de investimento", já que este "não é certo e pode não ser líquido", por depender de fatos futuros que não podem ser previstos, quer pelas partes, quer pelo juízo da execução".4

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II - Indisponibilidade de ativos financeiros existentes em nome do executado

À época do Código de 1973, não se podia realizar a penhora sem que antes conhecesse o juízo a existência do numerário. Daí a necessidade de o juiz requisitar informações à autoridade supervisora do sistema bancário sobre os ativos existentes em nome do executado. Na requisição era informado o montante necessário para cobrir a quantia exequenda (débito atualizado no momento da propositura da execução, mais estimativa para honorários, custas e acessórios eventuais) (CPC/73, art. 659). Não havia necessidade da previsão de juros e atualização monetária, porque a partir da penhora esses encargos são obrigatórios e automáticos nos depósitos judiciais (STJ Súmulas nos 179 e 271).

O NCPC alterou um pouco o procedimento ao determinar, no caput do art. 854, que o juiz, por via eletrônica, determine às instituições financeiras que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado. Como se vê, não há mais a requisição de informações prévias. A determinação já é de imediata indisponibilidade do numerário. Tal situação coloca fim à alegação de que haveria quebra ilegal do sigilo bancário do executado existente à época do Código anterior. Com efeito, não há quebra de sigilo algum, uma vez que o valor depositado em conta do executado ou outras movimentações não são informados ao exequente.5Apenas o valor da execução, indicado na requisição judicial, é indisponibilizado, o que se passa sem real devassa sobre os recursos do devedor custodiados pelo banco

É de se destacar, outrossim, que a determinação do juiz às instituições financeiras é feita "sem dar ciência prévia do ato ao executado" (art. 854, caput). É evidente que o executado não deva ser cientificado do ato previamente, sob pena de frustrar a medida constritiva mediante o redirecionamento dos recursos financeiros. Não há, tampouco, que se falar em desrespeito ao contraditório. Em verdade, o contraditório será apenas diferido. Após a indisponibilidade, abre-se a oportunidade em que o executado poderá comprovar o excesso da medida ou a impenhorabilidade do numerário (§ 3º).6

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O caput do art. 854 prevê que o juiz irá agir "a requerimento do exequente", o que poderia levar a crer que não poderia, em caráter absoluto, agir de ofício para determinar a penhora on line. Entretanto, o entendimento da doutrina é no sentido de ser possível ao magistrado agir sem provocação do exequente, ainda que esta não seja a regra geral a observar sempre.7Ora, se é dado ao oficial de justiça, ao cumprir o mandado de citação, penhora e avaliação, fazer a constrição dos bens que encontrar, inclusive dinheiro, sem que necessariamente haja prévia indicação pelo exequente, não há motivo para que o juiz também não possa fazê-lo.8Além disso, trata-se de ato prévio de indisponibilidade dos valores depositados, e não de penhora,9mera providência acauteladora, portanto.

Recebida a determinação judicial, o Banco Central efetuará o bloqueio e comunicará ao juiz requisitante o valor indisponibilizado, especificando o banco onde o numerário ficou constrito. Eventualmente, o valor poderá ser menor do que o requisitado, se o saldo localizado não chegar ao quantum da execução. Em hipótese alguma, porém, se admitirá bloqueio indiscriminado de contas e de valores superiores ao informado na requisição. O dispositivo é bastante claro nesse sentido: "limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução".

Como se vê, a penhora não é realizada imediatamente. Primeiro o numerário fica indisponível para, somente depois de ouvido o executado, efetivar-se a penhora, sobre os recursos mantidos em conta bancária, se for o caso de realmente praticá-la.

III - Bacen Jud:

O procedimento de formalização da penhora de conta bancária foi grandemente simplificado por meio do Bacen Jud, convênio que o Banco Central mantém com a Justiça Federal e alguns órgãos das justiças estaduais, para viabilizar a penhora on-line, o qual passa por aprimoramentos, para superar as deficiências de início observadas, como a multiplicação indevida do bloqueio em diferentes contas do executado e a demora na sua liberação, quando autorizada pelo juiz da execução ("Bacen Jud. 2.0").

O STF declarou constitucional a Resolução 61/2008 do CNJ que impõe ao juiz a realização de cadastro pessoal junto ao sistema do Bacen Jud para a efetivação da penhora on line:

"(...) IV - A determinação aos magistrados de inscrição em cadastros ou sítios eletrônicos, com finalidades estatística, fiscalizatória ou, então, de viabilizar a materialização de ato processual insere-se perfeitamente nessa competência regulamentar.

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V - Inexistência de violação à convicção dos magistrados, que remanescem absolutamente livres para determinar ou não a penhora de bens, decidir se essa penhora recairá sobre este ou aquele bem e, até mesmo, deliberar se a penhora de numerário se dará ou não por meio da ferramenta denominada "BACEN JUD".

VI - A necessidade de prévio cadastramento é medida puramente administrativa que tem, justamente, o intuito de permitir ao Poder Judiciário as necessárias agilidade e efetividade na prática de ato processual, evitando, com isso, possível frustração dos objetivos pretendidos, dado que o tempo, no processo executivo, corre em desfavor do credor.

VII - A "penhora on line" é instituto jurídico, enquanto "BACEN JUD" é mera ferramenta tendente a...

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