Execução Contra a Fazenda Pública

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas209-223

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1. Comentário

Sempre que figurar como devedora no título executivo judicial trabalhista, a Fazenda Pública poderá vir a ser chamada a adimplir, mediante processo específico, a obrigação correspondente.

Estão compreendidas no conceito de Fazenda Pública todas as pessoas jurídicas de direito público interno, como: a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e respectivas autarquias, assim como as fundações instituídas pelo Poder Público, cujos bens estejam submetidos ao regime de direito público. As empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, não se conformando, por isso, ao conceito de Fazenda Pública.

Na vigência da Constituição de 1967, não havia possibilidade de execução forçada, na Justiça do Trabalho, contra a Fazenda Pública Federal (União), porquanto isso entrava na competência da Justiça Federal Comum, conforme estabelecia o art. 125, I. Com o advento da nova Carta Política, em 1988, entretanto, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para julgar as causas de que a União participe como autora, ré, opoente, assistente e o mais (art. 114, caput), assim como para promover a sequente execução, quando este for o caso. A nova ordem constitucional colocou, portanto, essa Justiça Especializada na plenitude de sua competência, que é essencialmente em razão da matéria, eliminando, assim, a odiosa restrição existente no texto anterior, que subtraía da cognição da Justiça do Trabalho as causas de que a União participasse a que título fosse.

Hoje, portanto, essa Justiça tem competência para solucionar todos os conflitos de interesses trabalhistas, pouco importando as pessoas que nele se encontrem envolvidas.

A execução contra a Fazenda Pública não se processa, contudo, da mesma forma como se dá quando o devedor é pessoa física ou jurídica de direito privado; a particularidade mais significativa radica, sem dúvida, no fato de a Fazenda Pública ser citada não para pagar a quantia pela qual a execução se processa ou nomear bens à penhora, e sim para oferecer embargos, se desejar. Estamos cogitando, aqui, de execução por quantia certa, na medida em que, nas obrigações de dar (coisa certa ou incerta), de fazer e de não fazer, a execução contra a Fazenda Pública não diferirá das que se processam em relação aos devedores em geral.

A citação para a Fazenda Pública opor embargos encontra-se expressamente prevista no art. 535, caput, do diploma processual civil e decorre da impenhorabilidade dos bens

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públicos, ainda que patrimoniais. Estabelece o art. 98 do CC serem públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; por exclusão todos os demais são particulares, independentemente da pessoa a que pertençam. A especificação dos bens públicos é realizada pelo art. 99 do mesmo Código e compreende: a) os de uso comum do povo, como os mares, rios, estradas, ruas, praças etc.; b) os de uso especial, como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal; c) os dominicais, assim entendidos os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Nas edições anteriores deste livro, quando estava em vigor o CPC de 1973, sustentamos: a) que o prazo para a Fazenda Pública oferecer embargos à execução era de cinco dias (CLT, art. 884, caput), e não de dez dias (CPC, art. 730), porquanto, não constituindo tais embargos contestação, nem recurso, não se poderia aplicar, em benefício da Fazenda Pública, a prerrogativa (e não “privilégio”, como consta do Decreto-lei n. 779/69) consistente no prazo em quádruplo para contestar, e em dobro para recorrer, assegurados pelos incisos II e III, respectivamente, do art. 1.º do precitado texto legal; b) que o art. 4.º, da Medida Provisória n. 2.102-31, de 24 de maio de 2001 (DOU de 25 do mesmo mês), que elevava para trinta dias o prazo para o oferecimento de embargos pela Fazenda Pública, tanto no processo civil quanto no do trabalho era inconstitucional, por não atender aos requisitos de relevância e urgência, estabelecidos no art. 62, caput, da Constituição Federal.

Pois bem. Entra em vigor o CPC de 2015, cujo art. 530, caput, fixa em trinta dias o prazo para a Fazenda Pública impugnar a execução.

Ficou prejudicada, portanto, a nossa opinião quanto a não se aplicar ao processo do trabalho o prazo de trinta dias, previsto na MP n. 2.102-31/2001, por ser, esta, inconstitucional.

Poderíamos seguir sustentando o entendimento de que sendo os embargos do devedor modalidade de ação incidental na execução, e não, contestação ou recurso, seria inaplicável, em benefício da Fazenda Pública, o disposto nos incisos II e III, do art. 1.º, do Decreto-lei n. 779/69, de tal arte que esse prazo seria o previsto no art. 884, caput, da CLT: cinco dias. Entrementes, considerando que a jurisprudência trabalhista produzida na vigência do CPC de 2015 vem admitido a aplicação, ao processo do trabalho, do art. 535, caput, daquele Código, não nos parece justificável manter o entendimento heterodoxo que, até então, vínhamos manifestando. Sendo assim, reconhecemos que a Fazenda Pública dispõe do prazo de trinta dias para oferecer embargos, no processo do trabalho (CPC, art. 535, caput).

Caso a Fazenda Pública, após haver sido regularmente citada, deixe de opor embargos, ou os seus embargos venham a ser rejeitados, duas regras deverão ser observadas:

  1. será expedido, por intermédio do Presidente do Tribunal competente, precatório em favor do exequente observado o disposto na Constituição Federal (CPC, art. 535, § 3.º, I);

  2. por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado

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    no prazo de dois meses, contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

    A execução contra a Fazenda Pública, segundo o procedimento estabelecido pela norma constitucional referida, destina-se, em resumo, às seguintes finalidades:

  3. garantir a intangibilidade das decisões judiciais e a consequente eficácia da coisa julgada material;

  4. atribuir caráter impessoal às verbas e aos créditos aprovados, com vistas aos precatórios;

  5. estabelecer uma ordem cronológica rígida em relação aos pagamentos a serem efetuados, assegurando, quanto a isso, uma igualdade de tratamento dos credores, no que respeita à satisfação de seus créditos.

    Esclareça-se que a norma do caput do art. 100, da Constituição Federal, sobre expedição de precatório, não se aplica aos pagamentos definidos em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de decisão judicial transitada em julgado (CF, art. 100, § 3.º).

    Recorda Orlando Teixeira da Costa (Estudos de direito do trabalho e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1980. p. 237), citando Castro Nunes (Teoria e prática do poder judiciário, p. 191), que, no período monárquico e da República Velha, “as condenações impostas às pessoas de Direito Público interno ficavam sujeitas à solércia da política e à inescrupulosidade da advocacia administrativa. Quando o Poder Legislativo da União era provocado por proposta de um de seus membros ou por mensagem do Executivo a votar dotação para o cumprimento de sentença judiciária, não raro os deputados entravam no exame da decisão, submetendo a res judicata a um julgamento político e só concedendo o crédito indispensável quando estavam de acordo com os fundamentos do aresto. Quem dá o testemunho desses fatos é o eminente Carlos Maximiliano, na terceira edição dos seus ‘Comentários à Constituição Brasileira’, concluindo que, dessa maneira, se sobrepunha um julgamento político ao Judiciário; era um poder exautorado no exercício pleno de suas funções”.

    Esses lamentáveis fatos do passado demonstram, pois, o acerto dos textos constitucionais contemporâneos ao assegurarem, como providência moralizadora, o respeito não apenas à coisa julgada material, à autoridade que lhe é imanente, mas ao próprio direito de precedência do credor, chegando, mesmo, a permitir que a União intervenha no Estado-membro sempre que este não atender, sem justificativa plausível, à ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário (CF, arts. 34, VI, e 100).

    Themístocles Brandão Cavalcanti (apud COSTA, Orlando Teixeira da, obra cit., p. 237) avoca a autoria da sugestão para que se adotassem, em nível constitucional, as referidas medidas preservadoras do respeito à coisa julgada, à dignidade do Poder Judiciário e ao crédito daquele que, tendo demandado contra a Fazenda Pública, se saiu vencedor.

    Os pagamentos a cargo da Fazenda Pública serão, portanto, feitos segundo rigorosa ordem de apresentação dos precatórios, à conta dos créditos orçamentários, ou extraorçamentários, abertos para esse fim. No que respeita às condenações impostas pela Justiça

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    do Trabalho às pessoas jurídicas de direito público interno, os correspondentes créditos e dotações deverão ser consignados à disposição do órgão trabalhista competente, ou recolhidos à sua repartição, sendo esta indicada.

    A regularidade formal do precatório pressupõe o atendimento a determinados requisitos mínimos, capazes de fazer com que possa ser admitido como instrumento eficaz para obter a liberação das quantias devidas pela Fazenda Pública, em virtude de condenação imposta pelo Poder Judiciário. Esses requisitos estão contidos no art. 9.º da Instrução Normativa n. 32/2007 do TST:

    1. o número dos autos do processo;

    2. o nome das partes e de seus procuradores;

    3. os nomes dos beneficiários e respectivos números do CPF ou do CNPJ, inclusive quando se tratar de advogados, peritos e outros;

    4. a natureza do crédito (comum ou alimentar) e espécie da requisição (RPV ou precatório). Observação: a sigla RPV significa...

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