Execução das multas administrativas aplicadas ao empregador pelos órgãos de fiscalização do trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Páginas536-544

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A EC n. 45/04 atribui competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações do trabalho.

Assevera o inciso VII do art. 114 da CF:

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

Como o dispositivo faz menção às penalidades impostas aos empregadores, tais cominações são as previstas na CLT nos arts. 626 a 653.

Essas ações, antes da EC n. 45/04, estavam sendo julgadas pela Justiça Federal, pois, nos termos do art. 109 da CF, eram causas promovidas em face da União Federal.

Embora sejam ações diretamente ligadas ao contrato de trabalho e ao direito do trabalho, inclusive com regramento na CLT, elas não eram julgadas pela Justiça do Trabalho, pois o art. 114, com a redação dada pela EC n. 45/04, falava em controvérsias

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envolvendo "empregados e empregadores" e essas ações envolvem a União. Ao lado das ações que envolvem representação sindical (art. 114, III, da CF), elas são trabalhistas por excelência, pois decorrem diretamente da relação de trabalho. Além disso, a divisão de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal provocava, muitas vezes, decisões confiitantes sobre a mesma questão. Por exemplo, o auditor fiscal do Trabalho multava a empresa, por não recolher o FGTS sobre uma parcela que entendia ser salarial, como um bônus pago pelo empregador. Em eventual ação anulatória, a Justiça Federal confirmava a autuação. Posteriormente, um empregado dessa mesma empresa ingressava com uma reclamação trabalhista, pretendendo a integração do referido bônus ao salário, e a Justiça do Trabalho entendia que o bônus não tinha natureza salarial, pois pago de forma eventual e vinculado ao atingimento de certas metas por parte do empregado. Por outro lado, a Justiça do Trabalho está mais vocacionada para apreciar as matérias que envolvem o descumprimento da legislação trabalhista por parte do empregador.

Embora o inciso VII do art. 114 da CF fale em "penalidades administrativas" impostas aos "empregadores", é possível, por meio de interpretações teleológica e sistemática dos incisos I, VII e IX do art. 114 da Constituição Federal, entender que a competência da Justiça do Trabalho abrange também as ações referentes às penalidades administrativas impostas aos tomadores de serviços desde que, evidentemente, o prestador seja pessoa física e preste o serviço em caráter pessoal, e também as ações que decorrem de atos30 dos órgãos de fiscalização do trabalho.

Nesse sentido, destacamos a opinião de Estêvão Mallet31:

(...) de um lado, estendida a competência da Justiça do Trabalho para julgamento da relação de trabalho, nos termos do inciso I, não se compreendem as razões para que, no inciso VII, fique essa mesma competência limitada ao exame das penalidades impostas aos empregadores. Mais correto seria a extensão da competência ao exame das penalidades impostas aos tomadores de serviço em geral, abrangidos empregadores e contratantes de serviço autônomo.

De outro lado, embora sejam mais restritas, as ações sobre penalidades administrativas aplicadas aos empregados por órgãos de fiscalização do trabalho são da competência da Justiça do Trabalho, em razão do princípio da isonomia.

Não veio para a Justiça do Trabalho a competência para impor multas ao empregador em processos trabalhistas, nos quais for constatada a ocorrência de infrações

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a dispositivos da Consolidação que tutelam direitos trabalhistas. Desse modo, se nos autos do processo trabalhista o Juiz do Trabalho constatar que o empregador está sujeito às multas previstas na CLT, deverá oficiar o órgão competente para aplicá-la, como a multa administrativa pela falta de registro em CTPS, que é cobrada pelo Ministério do Trabalho.

Em que pese a opinião contrária de alguns32.

O art. 652, alínea d, da CLT33 não atribuiu competência à Justiça do Trabalho para impor multas a empregadores, porquanto o referido dispositivo legal fala em impor multas e demais penalidades para atos de sua competência, como aplicar multas para o descumprimento da decisão judicial e as astreintes (arts. 461 e seguintes do CPC). São as penalidades previstas nos arts. 722 a 733 da CLT, por exemplo: aplicar multa à testemunha que faltou sem justificação (art. 730 da CLT), ao empregador que recusa a reintegrar empregado estável (art. 729 da CLT) etc.

Nesse sentido, destacamos a opinião abalizada de Valentin Carrion34:

É insustentável defender aplicação de multas por parte da primeira instância, pela infringência de normas materiais do Direito do Trabalho, que são de exclusividade dos órgãos da fiscalização do Ministério do Trabalho. No texto legal, na expressão "multas (...) relativas aos atos de sua competência", não se vislumbra outra atribuição senão a dos próprios atos da magistratura no processo e da administração específica de seu mister judiciário; para os demais, o magistrado oficia aos órgãos competentes.

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No mesmo sentido, destacamos ementa recente oriunda do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA - MULTA ADMINISTRATIVA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é incompetente para aplicar multas administrativas previstas na legislação trabalhista, a teor do que dispõe os arts. 156, III, e 652, alínea d, da CLT. Este o entendimento firmado nesta Colenda Corte Superior. Recurso de revista a que se dá provimento para excluir da condenação a multa administrativa imposta pelo eg. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido. HIPOTECA JUDICIÁRIA. Ao lançar mão do instituto da hipoteca judiciária, visou à garantia dos créditos devidos ao autor a que foi condenada a ré, sem com isso ofender a ampla defesa e o contraditório, uma vez que a recorrente deles tem se valido no seu intento de alterar o desfecho do decidido. Vale frisar que a penhora foi efetuada com absoluta observância à gradação legal prevista no art. 655 do CPC, conforme afirmado pelo Eg. Tribunal Regional. Violação legal não verficada. Recurso de revista não conhecido. MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. Não demonstrada violação a dispositivo legal ou constitucional, inviável a reforma da v. decisão que determinou o pagamento de multa por embargos de declaração protelatórios. INTERVALO INTRAJORNADA - REDUÇÃO/SUPRESSÃO POR NORMA COLETIVA - OJ N. 342 DA SDI-1/TST. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. Recurso de revista não conhecido. MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT - QUITAÇÃO DAS VERBAS RESCISÓRIAS - PAGAMENTO A MENOR. A aplicação da multa de que cogita o art. 477 da CLT tem pertinência quando o empregador não cumpre o prazo ali estabelecido para a quitação das verbas rescisórias. Sendo incontroverso que a quitação das verbas rescisórias ocorreu dentro do prazo previsto no § 6º do art. 477 da CLT, a mera existência de diferenças em favor do empregado não torna devido o pagamento da multa. Recurso de revista conhecido e provido no tema. HORAS IN ITINERE E REFLEXOS - SÚMULA N. 90 DO TST. Para se chegar à conclusão de que havia transporte público regular e da incompatibilidade de horários, seria necessário o revolvimento de matéria fática. Óbice da Súmula n. 126 deste Tribunal. Recurso de revista não conhecido. (TST - Processo: RR - 571/2006-092-03-00.0 - Data de Julgamento: 10.6.2009 - rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga - 6ª Turma - Data de Divulgação: DEJT 26.6.2009)

Desse modo, são cabíveis doravante, na Justiça do Trabalho, todas as espécies de ações propostas pelos empregadores e tomadores de serviços para discussão das penalidades administrativas que lhes foram impostas pelos órgãos de fiscalização do trabalho, como as ações declaratórias, ações anulatórias, medidas cautelares, mandados de segurança e também por parte da União, das execuções...

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