A execução da tutela provisória - um necessário diálogo de fontes

AutorLorena de Mello Rezende Colnago/Ben-Hur Silveira Claus
Páginas211-222

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1. Introdução

O presente artigo visa ao estudo da tutela provisória e de sua execução no direito processual civil e no processo do trabalho. Primeiramente, ressalta-se que, não sendo possível eliminar o tempo do processo, deve-se buscar instrumentos que assegurem a efetividade dos direitos antes da terminação do feito. Nesse sentido, foram implementadas reformas que levaram a uma redistribuição mais equânime do tempo do processo, a fim de se propiciarem a efetividade e celeridade da solução judicial e também evitar a utilização do processo para obter vantagens indevidas.

Em seguida, busca-se evidenciar que tais reformas visaram atender à necessidade de ajustar o sistema processual às exigências do direito material, assim como às diferenças sociais entre as partes no processo, a partir de novas bases e concepções. Com efeito, a garantia do exercício do direito de ação, cuja importância fundamental não é negada, não basta em si mesma, sendo imprescindível a efetividade da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, são destacadas as diversas modalidades de tutela, como a tutela inibitória, a tutela ressarcitória específica, a tutela específica de obrigações de fazer e de não fazer e a tutela específica de entregar ou restituir coisa. Aborda-se, de maneira especial, a tutela provisória, de urgência e de evidência, na disciplina trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. Trata-se também da possibilidade de execução provisória da multa prevista na Lei n. 7.347, de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), demonstrando-se que o fundamento para a execução imediata da multa concedida liminarmente, tanto nas ações individuais, quanto nas ações coletivas, não é a certeza do direito pleiteado pelo autor, mas sim o descumprimento pelo réu da ordem judicial.

Por fim, são analisadas as normas do Código de Processo Civil de 2015 relativas à execução da tutela provisória e sua aplicabilidade ao direito processual do trabalho. Essa análise parte da premissa de que o processo do trabalho deve propiciar o acesso à justiça simples, célere e econômico para os atores sociais, de modo que a aplicação do processo civil não pode se limitar às hipóteses de lacuna normativa, devendo ocorrer também quando há lacunas ontológicas ou axiológicas. Adota-se, portanto, a interpretação histórico-evolutiva do art. 769 da CLT.

2. O ônus do tempo do processo

O tempo é essencial para a noção de processo judicial. O processo não se restringe a um ato, mas pressupõe um transcurso, uma duração. O tempo do processo é necessário para que haja efetiva participação das partes, a fim de poderem influenciar na decisão a ser tomada, assegurando, ademais, o debate sobre os temas nele discutidos. Quanto mais garantias o processo adota, mais

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tempo ele leva para solucionar a controvérsia acerca do alegado direito que foi negado. Ademais, para decidir adequadamente, é necessário conhecer bem todos os pontos em disputa.

Porém, o tempo pode também apresentar-se como um obstáculo para o processo alcançar o seu fim. Litigar em juízo tem sempre um custo e ele é geralmente maior para aquele que quer fazer valer o direito violado.

O ônus do tempo do processo recaiu, por muito tempo, apenas sobre o demandante. Para o demandado, o processo, de fato, pode trazer desgastes. Por outro lado, pode apresentar-se como grande atrativo, sobretudo para quem sistematicamente viola o ordenamento jurídico, negando direitos de várias pessoas. Na área trabalhista, as violações não costumam ser isoladas, afetando direitos de grupos de trabalhadores. Apenas alguns deles reclamarão em juízo esses direitos, nem sempre levarão tudo, pois a prescrição fulmina a possibilidade de reparação integral, e a demora para a solução definitiva pressionará por acordos bem inferiores aos pleiteados.

Nessa perspectiva, o processo desvia-se de sua função precípua de proporcionar justiça, para reproduzir a lógica da violação dos direitos, considerando que essa atitude calculada pode render proveitos econômicos.

Se não é possível eliminar o tempo do processo, deve-se buscar instrumentos que assegurem a efetividade dos direitos, antes da terminação do caso.

E essa é uma mudança que vem ocorrendo no campo processual. No passado, a possibilidade de medidas satisfativas antes do fim do processo de conhecimento era excepcional, pois prevalecia a lógica de que o resultado útil do processo poderia ser assegurado, mas não antecipado. Além do mais, a execução provisória, na hipótese de recurso interposto sem efeito suspensivo, era limitada à penhora, não admitindo acarretar qualquer transferência patrimonial. Admitia-se a execução provisória apenas da condenação em pecúnia. As demais obrigações só poderiam ser satisfeitas após o trânsito em julgado da decisão. As providências acautelatórias ou executivas condicionavam-se à instauração de nova relação processual.

O quadro atual é bastante distinto. Justamente em razão de reformas que levaram a uma redistribuição mais equânime do tempo do processo. Trata-se de medidas importantes não apenas para a efetividade e celeridade da solução judicial, mas também contra a utilização do processo para obter vantagens indevidas.

O fato de, no clássico processo de conhecimento de cognição plena, seguido da execução forçada, o autor somente obter o bem a que tem direito ao final do procedimento, gera um afastamento entre o que é garantido pelo direito material e o que é obtido por meio do processo. Com efeito, desde a violação do seu direito e durante todo o tempo da ação judicial, ele restou privado desse bem, obtendo, nesse particular, apenas o ressarcimento dos danos. O ideal, portanto, para garantir a eficiência instrumental do processo, é limitar ou mesmo eliminar esse afastamento. Nesse sentido, foram concebidas técnicas processuais diversas daquela clássica.

A execução da tutela provisória nos moldes da pre-vista para a definitiva associa-se à maior aceitação das ações coletivas, que, por sua vez, exigem igualmente providências antecipatórias. Essas modificações, entre inúmeras outras, foram necessárias e são responsáveis pelo redesenho do processo, para impedir que ele seja fator de estímulo do descumprimento dos direitos.

Deve-se observar que o tempo do processo também vem sendo abreviado para os pleitos que não possuem respaldo no ordenamento jurídico, ou seja, quando o autor não tem razão, seguindo a mesma lógica de que o processo não deve servir para conceder vantagem a quem não faz jus a ela.

3. Rumo a uma tutela efetiva

Luiz Guilherme Marinoni destaca a insuficiência do processo civil clássico para a tutela adequada dos direitos. O direito processual clássico foi fortemente influenciado pelas concepções liberais, segundo as quais o juiz possuía papel bastante reduzido.

A classificação trinária das sentenças em declaratória, condenatória e constitutiva inseriu todas as modalidades no ato genérico de declarar o direito, com elementos adicionais capazes de diferenciar a mera declaração, a condenação e a constituição do ato judicial. A sentença condenatória prevê a sanção, viabilizando a execução, e a constitutiva, nova situação jurídica. Retirou-se, assim, do processo de conhecimento, o poder dos juízes de conferir força executiva às suas decisões. “A separação entre conhecimento e execução teve o propósito de evitar que o juiz concentrasse, no processo de conhecimento, os poderes de julgar e executar”1.

De acordo com o processo civil tradicional, de feição liberal, não se concebia a possibilidade de o juiz estipular uma multa, até porque as obrigações se resolviam em perdas e danos quando não cumpridas. Além disso, não possibilitava tutela baseada em verossimilhança,

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considerando que o julgamento só poderia ser posterior à confirmação do direito. A execução baseava-se exclusivamente no título, de modo que não havia espaço para execuções antecipadas.

A autonomia do direito processual em relação ao direito material era interpretada como indiferença, já que a lógica do sistema era a liberdade e a igualdade formais.

Nas palavras de Marinoni:
O direito ao Poder Judiciário era pensado – dentro da lógica do direito liberal – como direito que independeria da particular posição social ou da necessidade concreta do cidadão. Daí a ideia de uniformidade procedimental, ou melhor, da existência de um único procedimento para atender a tudo e a todos. Não pode haver dúvida, nesse sentido, que o procedimento ordinário traduz a ideia contida no mito da igualdade formal, conservando em si os fundamentos da ideologia liberal”2.

Dentro dessa ótica, os bens são equivalentes e seu tratamento deve ser único. A sanção ao transgressor consiste, em todo caso, em ressarcir o valor correspondente, preferencialmente em dinheiro, considerando que tudo poderia ser convertido em objeto de circulação no mercado.

A prevalência da condenação pecuniária vinha também ao encontro de um princípio liberal: o da abstração das pessoas e dos bens. Sendo estes últimos equivalentes entre si, a transformação do bem devido em dinheiro não ocasionaria inconveniente algum. Demais disso, ao unificar e igualizar, na forma ressarcitória, a tutela prestada, atendia-se também à proibição de o juiz tratar distintamente as necessidades sociais.

Ademais, para os detentores do capital, a limitação da sanção à forma pecuniária, além da vantagem da previsibilidade (possibilitando, por exemplo, o plane-jamento e o cálculo das despesas, o que é sumamente importante para a dinâmica empresarial), é por vezes mais favorável aos seus interesses. Basta pensar na dispensa injustificada do empregado, quando sancionada na forma...

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