Exceção de Suspeição

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas214-231

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1. Comentário

No momento em que o Estado avocou o monopólio da administração da justiça assumiu, também, o dever de solucionar os conflitos de interesses, submetidos à cognição jurisdicional, de maneira não apenas rápida e boa, mas, sobretudo, por meio de juízes imparciais.

A imparcialidade do magistrado constitui, por isso, um dever do Estado e um correspondente direito das partes. No que respeita, em especial, à suspeição, o próprio caput do art. 145, do CPC, reputa haver suspeição do juiz, nos casos que menciona.

Daí, a existência, em nosso sistema processual, de vetos à atuação de juízes considerados, aprioristicamente, impedidos ou suspeitos.

Conforme havíamos bosquejado no capítulo anterior, diferem-se, entre si, o impedimento e a suspeição, segundo determinados traços específicos. Demonstremo-los.

O dever de abstenção do magistrado, no caso do impedimento, é absoluto, infiexível. Disso derivam algumas consequências de ordem jurídica e prática. A primeira delas é que embora a parte deva arguir o impedimento, mediante exceção, no prazo da resposta ou dentro de cinco dias (processo do trabalho), contados do fato que ocasionou o impedimento (CPC, art. 146), o seu silêncio, quanto a isso, não implica preclusão nem legitima a atuação do magistrado, naquele processo. Dessa maneira, pode a parte alegar o impedimento mesmo depois de ultrapassado o momento oportuno. A segunda é que somente a sentença emitida por juiz impedido é rescindível, conforme patenteia o inciso II, do art. 966, do CPC. O impedimento traduz, pois, matéria de ordem pública.

No tocante à suspeição, o dever de abstenção do magistrado é, apenas, relativo. Desta particularidade também emanam algumas consequências jurídicas e práticas. Em primeiro lugar, se a parte deixar de alegar a suspeição no prazo legal (cinco dias, no processo do trabalho), formar-se-á, contra ela, a preclusão “temporal”, que a impedirá de arguir a suspeição mais tarde. Em segundo, a sentença proferida por juiz suspeito não é rescindível.

Se levarmos em conta os diversos sistemas continentais existentes, a respeito do dever de abstenção do magistrado, podemos dizer que, em nosso meio, as situações de impedimento traduzem o iudex inhabilis, e as de suspeição, o iudex suspectus. O sistema do iudex inhabilis se caracteriza pelo fato de a própria lei proibir a atuação do magistrado que se encontre em uma das situações por ela previstas (dever absoluto de abstenção);

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pelo do iudex suspectus, como a denominação evidencia, a lei embora especifique os casos de suspeição do magistrado, exige a iniciativa das partes, no que tange a alegá-la (dever relativo de abstenção).

Cada sistema de processo, enfim, deverá ocupar-se com o problema da suspeição e do impedimento dos juízes, procurando solucioná-lo segundo a tradição legislativa; as novas necessidades sociais e as singularidades do processo correspondente. O sistema adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro em vigor, se não é perfeito, sob os ângulos prático e doutrinário, também não contém falhas de tal gravidade que possam comprometer a sua eficiência.

Contêm, o impedimento e a suspeição, entretanto, pontos comuns, a saber: a) tanto um quanto outra podem ser pronunciados ex officio, pelo juiz, a qualquer tempo. Seria insensato pensar-se que haveria preclusão para o magistrado, nesse tema. b) ambos podem ser alegados tanto pelo autor quanto pelo réu (conquanto, como vimos, só a suspeição tenha efeito preclusivo, se não arguida no prazo legal, trate-se de suspeição originária ou superveniente).

As causas de suspeição se encontram arroladas no art. 145, do CPC. Essa atitude do legislador foi correta, porque se se limitasse a dizer que o juiz suspeito estaria impedido de atuar no processo, sem, contudo, indicar as causas de suspeição, isso levaria, por certo, a discussões intermináveis acerca do assunto, não só na doutrina e na jurisprudência, como — e o que seria mais preocupante — nos próprios casos concretos. Pensamos, todavia, que o mencionado rol de causas não seja, em rigor, exaustivo, podendo o juiz ser também considerado suspeito sempre que a sua atitude, o seu comportamento estiver proibido por norma legal. Argumentemos com o inciso III, do art. 36, da LOMAN. Nos termos dessa norma, é defeso ao juiz manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, a que esteja dirigindo. Se, por exemplo, o magistrado formular um juízo depreciativo a respeito de uma das partes, ou antecipar o resultado do julgamento (prejulgar), fazendo-o com certa publicidade, é elementar que se tornara suspeito para continuar a exercer as suas funções naquele processo. Essa causa de suspeição, como se vê, não está prevista no art. 145, do diploma processual civil, mas na LOMAN, ainda que esta não aluda a suspeição. Mas, o que se insinua no seu art. 36, III, primeira parte, é exatamente isso.

A CLT, infiuenciada pelo CPC de 1939, encambulhou num mesmo dispositivo, casos de impedimento e de suspeição (art. 801). A inimizade pessoal; a amizade íntima e o interesse particular na causa, são, efetivamente, causas de suspeição; o parentesco consanguinidade e ou, afinidade até o terceiro grau civil, porém, é, sob a óptica o rigor lógico, motivo de impedimento.

Mesmo no processo do trabalho, as causas de suspeição devem ser as apontadas pelo art. 145, da CLT, não se justificando que situações como a e ser, uma das partes, credora ou devedora do juiz, do seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até terceiro grau civil, não possam conduzir à suspeição do magistrado. O mesmo se afirme quanto ao fato de o juiz receber dádivas, antes ou depois de iniciado

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o processo; de aconselhar uma das partes sobre o objeto da ação; ou subministrar, a um dos litigantes, meios para atender às despesas do litígio. Ou ainda ser o juiz herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de uma das partes.

Todas essas causas de suspeição, e outras mais, serão examinadas a seguir, sob o inarredável prisma do processo do trabalho e da organização judiciária trabalhista.

2. Casuística

Dispõe o CPC:

Art. 145. Há suspeição do juiz:

I – amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

III – quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

§ 1.º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

§ 2.º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:

I – houver sido provocada por quem a alega;

II – a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido. Caput. O CPC revogado (art. 134, caput) reputava suspeito o magistrado nas situações que indicava; o texto atual, mais inciso, afirma haver suspeição nesses casos.

No momento em que o Estado avocou o monopólio da administração da justiça assumiu, também, o dever de solucionar os conflitos de interesses submetidos à cognição jurisdicional, de maneira não apenas rápida e boa, mas, sobretudo, por meio de juízes imparciais.

A imparcialidade do magistrado constitui, por isso, um dever do Estado e um correspondente direito das partes.

Vem daí, a existência, em nosso sistema processual, de vetos à atuação de juízes considerados, aprioristicamente, impedidos ou suspeitos.

Conforme havíamos bosquejado no item anterior, diferem-se, entre si, o impedimento e a suspeição, segundo determinados traços específicos. Demonstremo-los.

O dever de abstenção do magistrado, no caso do impedimento, é absoluto, infiexível. Disso derivam algumas consequências de ordem jurídica e prática. A primeira delas é que embora a parte deva arguir o impedimento (art. 146, caput), o seu silêncio, quanto a isso, não implica preclusão nem legitima a atuação do magistrado naquele processo. Dessa maneira, pode a parte alegar o impedimento mesmo depois de ultrapassado o

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momento oportuno. A segunda é que somente a sentença emitida por juiz impedido é rescindível, conforme patenteia o inciso II, do art. 966 do CPC. O impedimento traduz, pois, matéria de ordem pública.

No tocante à suspeição, o dever de abstenção do magistrado é, apenas, relativo. Desta particularidade também emanam algumas consequências jurídicas e práticas. Em primeiro lugar, se a parte deixar de alegar a suspeição formar-se-á, contra ela, a preclusão “temporal”, que a impedirá de alegar a suspeição mais tarde. Em segundo, a sentença proferida por juiz suspeito não é rescindível.

Se levarmos em conta os diversos sistemas continentais existentes, a respeito do dever de abstenção do magistrado, podemos dizer que, em nosso meio, as situações de impedimento traduzem o iudex inhabilis, e as de suspeição, o iudex suspectus. O sistema do iudex inhabilis se caracteriza pelo fato de a própria lei proibir a atuação do magistrado que se encontre em uma das situações por ela previstas (dever absoluto de abstenção); pelo do iudex suspectus, como a denominação evidencia, a lei embora especifique os casos de suspeição do magistrado, exige a iniciativa das partes, no que tange a alegá-la (dever relativo de abstenção).

Cada sistema de processo, enfim, deverá ocupar-se com o problema da suspeição e do impedimento dos juízes, procurando solucioná-lo segundo a tradição legislativa, as novas necessidades sociais e as singularidades do processo correspondente. O sistema adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro em vigor, se não é perfeito, sob os ângulos prático e doutrinário, também não contém falhas de tal gravidade que possam comprometer a sua eficiência.

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