Evolução na interpretação e aplicação da legislação relativa a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade

AutorRegina Célia Buck
Ocupação do AutorAdvogada. Consultora Jurídica. Professora de Direito. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil e Mestra em Direito do Trabalho pela UNIMEP
Páginas146-154

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6.1. Do recente entendimento do TST

No acórdão da 7ª Turma do TST, proferido no processo n. TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384, pelo Ministro relator Cláudio Brandão341 fixou-se o entendimento de “que não há necessidade de pronunciamento do plenário, em face do regramento constitucional, cuja principal indagação consiste em saber da possibilidade de percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e insalubri-dade, cujo direito encontra-se previsto, respectivamente, nos arts. 192 e 193, § 1º, da CLT, e também é garantido no art. 7º, XXIII, da Constituição Federal”.

Ressaltamos que este entendimento não é unânime no TST conforme demonstramos no capítulo anterior.

Antes de trazermos a baila o acórdão do TST que reconheceu a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade, importante destacar que o entendimento da cumulação dos adicionais, originou na sentença de primeiro grau que foi mantida no acórdão do TRT da 2ª Região e recepcionada pelo TST.

A respeitável sentença342 reconheceu a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade, senão vejamos:

“DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. (...) Desta forma, entendo que lhe era devido o adicional de insalubridade. Contudo, não recebia tal adicional. (...) Faz jus o reclamante ao recebimento do adicional de insalubridade em grau médio (20%), durante todo o contrato de trabalho, calculado sobre o salário mínimo, bem como seus reflexos em férias com 1/3, 13º salários, DSR, aviso prévio e FGTS com 40%, limitado pela prescrição reconhecida.

DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE (...) Desta forma, concluo pela existência de labor em condições perigosas pelo armazenamento de inflamáveis. Não recebia, contudo, tal adicional. Faz jus o reclamante ao recebimento do adicional de periculosidade, equivalente a 30% de seu salário base, durante todo o contrato de trabalho, bem como seus reflexos em férias com 1/3, 13º salários, DSR, horas extras, aviso prévio e FGTS com 40%, limitado pela prescrição reconhecida.

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DA CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS. Ao contrário do previsto na CLT, a qual determina que no caso de existência tanto de labor em condições perigosas quanto de labor em condições insalubres, deve o trabalhador optar por um deles apenas, a CF/88 promulgada posteriormente possui previsão de ambos os adicionais, para situações diversas, já que um remunera o RISCO da atividade e o outro a DETERIORAÇÃO DA SAÚDE decorrente da atividade, mas sem qualquer ressalva da necessidade de escolha pelo trabalhador por um dos adicionais, o que leva este juízo à conclusão de que a Carta Magna de 1988 não recepcionou a previsão consolidada de necessidade de escolha pelo trabalhador por um dos adicionais, sendo possível o deferimento de ambos.”

Como mencionamos acima, a r. sentença de primeiro grau acima transcrita foi confirmada no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que entendeu que “os pedidos relativos aos adicionais de insalubridade e periculosidade podem ser cumulados em reclamação trabalhista, e o deferimento de ambos não constitui qualquer irregularidade”, senão vejamos:

EMENTA: Adicionais de periculosidade e insalubridade. Opção desnecessária. Cumulação possível. O § 2º do art. 193, da CLT, determina que o empregado PODERÁ optar pelo adicional de periculosidade, que a ele seja mais favorável, não que estará obrigado a fazê-lo. A construção jurisprudencial que se fez a respeito foi, preponderantemente, no sentido de que a cumulação dos adicionais (insalubridade e periculosidade) não era possível. Essa leitura, porém, hoje não tem mais sentido. A evolução tecnológica permite concluir que os limites previstos pelas NRs estão ultrapassados e, da mesma forma, que nem toda a população tem a mesma resposta às exposições aos agentes agressivos. Temos, portanto, índices irreais e generalizações que não trazem segurança ao trabalhador que, por isso mesmo, perde a cada dia um pouco da saúde, sem remédio que não a troca desse bem por uma percentagem do pequeno salário mínimo (no caso da insalubridade), o qual, embora menos aviltante atualmente, ainda não é motivo de orgulho para os brasileiros. Nesse contexto, a percepção de que o trabalhador pode estar, como in casu, sujeito a dois diferentes males, simultaneamente, não pode receber da legislação — ou dos intérpretes desta — uma resposta alternativa. Concluir que a exposição a um risco inclui o outro, tendo em conta a distinção dos problemas que envolvem a periculosidade (onde o infortúnio pode redundar na morte imediata e cada minuto de exposição pode equivaler ao último da própria vida) e a insalubridade (onde o trabalhador troca a saúde por dinheiro, vivendo menos, mas com menos necessidades), não pode ser considerada uma resposta logicamente — não é preciso nem se chegar ao universo legal, portanto — adequada. Nos dias que correm, é insuperável a conclusão de que a ciência pode permitir a detecção de agentes insalubres anteriormente impensáveis e que estes podem conviver com situações de extrema periculosidade, não havendo nenhuma razão sincera e verdadeira para dizer-se que o trabalhador merece receber o salário condição — por qualquer dos argumentos que se entenda devida essa retribuição — quando exposto à insalubridade ou à periculosidade, mas o excluir de um dos benefícios quando exposto a ambos. Aliás: não é apenas ilógico, mas extremamente injusto, posto que aquele que está exposto a uma condição menos grave (exposto a um mal apenas) recebe o mesmo que aquele que está exposto às duas tormentas. Obviamente, não ignoro que se trata de mero paliativo, posto que a monetarização dessas ameaças à saúde, higiene e segurança dos obreiros é coisa que não resolve o problema. Todavia, se a exposição é inevitável, ou já ocorreu por negligência de quem possuía os meios para evitá-la, menos mal remunerar os riscos — todos eles — da forma e através dos remédios que a lei nos oferece, ainda que esta deixa a desejar, do que não os remunerar completamente.” 343

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Assim, pela ordem cronológica dos julgados, o deferimento da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade teve sua origem em sentença de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e recepcionada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) ao proferir o acórdão no processo n. TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384, cuja ementa transcrevemos:

EMENTA: RECURSO DE REVISTA. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. CONVENÇÕES NS. 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTEGRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no art. 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger. A regulamentação complementar prevista no citado preceito da Lei Maior deve se pautar pelos princípios e valores insculpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma. Outro fator que sustenta a inaplicabilidade do preceito celetista é a introdução no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais ns. 148 e 155, com status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal, como decidido pelo STF. A primeira consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho e a segunda determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”. Nesse contexto, não há mais espaço para a aplicação do art. 193, § 2º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento.344Infelizmente, como ressaltado acima, o entendimento da cumulatividade dos adicionais de...

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