A Evolução do Conceito de Justiça e o Justo da Decisão Judicial

AutorRicardo Pereira Junior
CargoGraduado em Direito pela Universidade de São Paulo/USP (1990)
Páginas63-79
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Revista Logos | Edição 1/2015
A Evolução do Conceito de Justiça
e o Justo da Decisão Judicial
Ricardo Pereira Junior
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo/USP (1990), realizou cursos
de especialização sobre o Sistema Legal Americano, na Universidade de Loyola de
Nova Orleans, e de Administração Judicial, no Institute of Advanced Legal Studies
na Universidade de Londres, é Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade
de São Paulo/USP (2010). Foi professor de Direito Civil e Direito Processual Civil,
e Coordenador do Curso de Direito, perante a UNIP de São José dos Campos, e
professor convidado da GV Law. Atualmente, é professor de pós-graduação na
FAAP de São José dos Campos, da Escola Paulista da Magistratura, da Escola
Superior de Advocacia da OAB e da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus,
é também Juiz Instrutor do Conselho Nacional de Justiça, além de ser Coordenador
da Área de Formas Alternativas de Solução de Conflitos e Justiça Restaurativa da
Escola Paulista da Magistratura. Ingressou no Judiciário em 1988, trabalhando em
cargos internos até a aprovação em concurso para a magistratura, em 1992. Após
experiências em comarcas de complexidade diversas, foi Juiz Diretor do Fórum de
São José dos Campos, no biênio de 1999 a 2000. Atualmente, é Juiz Titular da 12ª
Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, foi nomeado Juiz Coor-
denador da Central dos Oficiais de Justiça do Fórum João Mendes Jr., é membro
do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Resolução de Conflitos do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo. Também foi nomeado Juiz Coordenador do Centro
Judiciário de Solução de Litígios e Cidadania da Capital.
O senso de justiça, a conferir legitimidade aos direitos neles concebidos, passa
necessariamente pela análise do ambiente em que o conceito definidor de justiça é
geral. O conteúdo do justo sempre sofreu alta volatilidade de conceitos, por se inserir em
contextos culturais, deontológicos e teleológicos específicos, conforme o seu articulador,
o público a que se destina e o contexto de comunicação em que se insere. Nesse sentido,
afirma-se que a justiça, em seu senso próprio, é o princípio de coordenação entre os seres
subjetivos (1960, Del Vecchio, La Justice, pág.7). Sua conclusão, ante a mutabilidade
dos conceitos que envolvem o tema, não pode ser tomada como regra final, definitiva,
sempre estando sujeita a uma reanálise crítica quando da corrosão dos discursos que a
fundamentaram pela evolução da sociedade.
Desta forma, conforme o tempo se projeta, os conceitos de justiça vêm a se somar
ou sobrepor. Os conceitos de justiça não se revogam. Ao contrário, complementam-se,
aperfeiçoam-se e quase sempre se contradizem e se autolimitam. Ao exemplo de um
palimpsesto, os diferentes valores e discursos que sugerem critérios de justiça vão se
sobrepondo em desenhos cada vez mais complexos e intrincados, sempre correndo
atrás de uma crescente diferenciação de valores que a sociedade moderna apresenta
em fartura.
Optar-se por um conceito fixo de Justiça é engessar a elasticidade do próprio
Direito, cuja principal preocupação e pacificar a sociedade através da solução dos
conflitos humanos. De fato, como se verá, é contínuo o retrabalho do conceito do justo
e do legítimo. A adoção de um critério de justiça que exclui ou desconsidera os demais
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elimina a validade propositiva de outros, e ao invés de afirmar a força deste critério,
somente contribui para sua corrosão mais rápida. Assim, quanto mais aberta, dentro de
um sistema jurídico, a possibilidade de introdução de novos conceitos de definição do
justo, mais fácil permitir-se a convivência de valores a induzir a respeito recíproco no
ambiente social.
Ao lado da necessidade de relativização dos critérios de justiça para que se permita
o surgimento do novo para a recalibração do sistema jurídico, há também a valorização
da liberdade individual na fixação de valores, e a consequente subjetivação dos conceitos
admissíveis da justiça. Cria-se o dilema entre a justiça de cada um e a justiça ideal da
sociedade política. Tal problema, se exacerbado na modernidade, desde cedo já surge no
pensamento dos juristas, apontando a contradição entre a força organizadora do gerador
das normas, no sentido de instauração de uma ordem, e a liberdade humana, apta a criar
novos padrões que fatalmente levarão à evolução do corpo social e induzir o progresso.
Importante, assim, a análise dos principais conceitos de justiça surgidos no
desenvolvimento histórico do mundo ocidental, para compreensão dos ideais que
levaram à composição da multiplicidade de vetores que tentam direcionar a noção de
justiça atual. Ainda, a colocação de vetores maiores que sirvam como parâmetros gerais
de direcionamento do sistema em caso de choque de valores, ou mesmo em situação de
sua inexistência.
1. Da Evolução Histórica do Conceito do Justo
Da Grécia antiga, vem a primeira concepção de Justiça, que traz o caráter
retributivo-punitivo do justo. A justiça era encarada por Themis, personificação do
pensamento reflexivo e conselheira de prudência dos homens. De sua união com Júpiter,
surge Dike, deusa dos julgamentos, que decide litígios, e se, maltratada pelos homens,
refugia-se nos céus. Assume significação de vingança inexorável corporificada na pena.
É a ideia de justiça como uma proporção e uma ordem, da qual se extrai uma harmonia
determinada (Del Vecchio, pags. 10 e 11).
Platão admite a existência de uma ordem harmônica, seguindo já a tradição
mitológica. Ocorre que tal ordem não mais depende dos deuses. Ao contrário, é vinculada
à natureza, em que cada qual tem o que lhe cabe. Segundo Platão, a justiça será
alcançada quando o homem:
“... em todas estas circunstâncias chame justo e honesto ao que nele produz e
mantém nesta bela ordem e chame prudência à ciência que produz ações de tal natureza;
que, ao contrário, chame injusta à ação que nele destrói esta ordem, e ignorância à
opinião que a tal ação preside” (2001, pág. 169).

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