Aplicação do direito da concorrência na União Européia e o Protocolo de Fortaleza para o MERCOSUL

AutorMartha Asunción Enríquez Prado
Páginas117-138

Martha Asunción Enríquez Prado. Professora de Direito Internacional e Comunitário, na graduação e pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Doutora pela PUC/SP. Pós/doutora pela Universidade Complutense de Madri.

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1 Introdução

A nova realidade exige a adequação de condutas dos agentes econômicos de países em desenvolvimento, para enfrentar o desafio do comércio global, porque a abertura à concorrência de setores, antes controlada pelo poder público, o desenvolvimento de novas tecnologias e a liberalização do comércio internacional representam um caminho sem retorno.

Este artigo mostra a experiência da União Européia na aplicação de normas de defesa da concorrência e a necessidade de blocos econômicos, como o MERCOSUL, se aparelharem de normas e instituições supranacionais para a integração efetiva entre os Estados-Membros.

A União Européia estabeleceu uma importante política econômica de livre mercado, liberalizando mercados, tradicionalmente monopolísticos, como alguns serviços públicos, em desvantagem de concorrer com países e setores da iniciativa privada, que oferecem melhores produtos, a preços competitivos e com benefícios diretos para os consumidores.

Acertou a UE ao incorporar normas de defesa da concorrência, no tratado de fundação, inibindo assim, a formação de estruturas e poder de mercado em mãos de uma ou mais empresas, e abusando do poder de mercado. Todavia, dispor de normas não é suficiente, indispensáveis são os órgãos supranacionais que apliquem sanções para um resultado efetivo.

O Tratado de Asunción ao criar o MERCOSUL não incorporou norma expressa de defesa da concorrência, mas a omissão supriu o Protocolo de Defesa da Concorrência ou Protocolo de Fortaleza, já recepcionado pelos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros. Entretanto, o momento exige mudanças, é preciso repensar estratégias para evitar condutas contrárias à concorrência, criar uma cultura de livre concorrência e prevenção que tutele a concorrência, garantir às empresas um clima de livre concorrência, possibilitar que o consumidor, como beneficiário e destinatário final, adquira produtos e serviços a preços mais baixos, de maior variedade, qualidade e inovação.

Compara-se o tratamento que a defesa da concorrência merece na UniãoPage 119 Européia e no MERCOSUL e conclui-se que o sistema de solução de conflitos, pela Arbitragem, não se trata da melhor opção para a aplicação das normas de defesa da concorrência no bloco.

2 Defesa da concorrência na União Européia

Todo sistema econômico de mercado aberto funciona bem quando nele se inserem normas de livre concorrência. Na União Européia – UE, as normas de defesa da concorrência se consolidam nos princípios do direito comunitário que permeiam todo o Tratado da União Européia – TCE. São três as principais áreas de atividade da política de livre concorrência (artigos 81 a 89 do TCE) em que a UE atua:

  1. acordos e práticas contrários à concorrência;

  2. setores regulados ou monopolísticos e;

  3. ajudas estatais1.

Contudo, aplicar normas da concorrência não é tarefa fácil, pressupõe eliminar os obstáculos à livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais, para garantir uma livre concorrência, oferecer segurança jurídica e estabilidade, necessárias para a expansão econômica e equilíbrio dos intercâmbios comerciais no bloco e, consolidar a integração.

O órgão que faz cumprir as normas comunitárias na UE é a Comissão, que junto às demais instituições2 e Estados-Membros trabalham aplicando a política de concorrência comunitária. O intuito é combater condutas que falseiam ou restringem a livre concorrência, a exemplo dos acordos “horizontais”3 entre empresas que segmentam mercados nacionais ou inter-regionais, ou das relações “verticais”4 entre produtores e distribuidores, dificultando o processo de integração.

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2. 1 Objetivo das Normas de Concorrência

As normas comunitárias de concorrência têm como principal objetivo criar condições necessárias para o bom funcionamento do regime de livre concorrência e livre iniciativa, inibindo formas diretas ou indiretas de discriminação ou de proteção nacional, seja de ordem legal, privada ou por parte do Estado-Membro que imponham condições aos concorrentes.

Na UE, aplica-se o parágrafo 1º do artigo 81 do TCE5, aos acordos celebrados entre empresas de Estados-Membros, que afetam os intercâmbios comerciais intracomunitários ou limitam a concorrência, porque tais condutas modificam as estruturas de concorrência, dificultando cumprir com os objetivos do mercado único, sendo um perigo à liberdade dos intercâmbios intracomunitários6. O objetivo é eliminar qualquer intervenção artificial no mercado, seja decorrente do Estado ou de âmbito privado, e o TCE proíbe no artigo 827.

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3 Normas comunitárias de defesa da concorrência

As normas originárias de defesa da concorrência na UE garantem um mercado aberto, e a livre concorrência é condição essencial para cumprir o objetivo de criar o mercado interno, previsto no artigo 2º do TCE8. A livre concorrência ocupa lugar preponderante no processo de integração, junto às liberdades de circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais9.

Nos artigos 81 a 89 do TCE proíbem-se condutas contrárias à livre concorrência que a limitam ou restringem-na, por serem incompatíveis com o Mercado Comum. Veda-se a exploração abusiva de posição dominante por uma ou mais empresas e, a Comissão (órgão fiscalizador do cumprimento das normas comunitárias), por meio de suas Decisões, também auxilia no combate aos acordos e associações de empresas, porque tais acordos ou práticas colusórias limitam, impedem, restringem ou falseiam a concorrência e afetam o comércio entre os Estados-Membros.

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A complexa tarefa de identificar condutas restritivas à concorrência foi aplainada pela jurisprudência dos Tribunais da UE (TPI e TJCE) e, das Decisões da Comissão, ao entender que tanto acordos horizontais fixando preços, repartindo mercados ou comercializando por regras preestabelecidas; como acordos verticais que proíbem exportar ou restringem a liberdade do comprador no comércio de bens, infringem “per se” o parágrafo 1, do artigo 81 do TCE. Desses acordos excluem-se apenas alguns casos pela regra de “minimis10.

Na UE criou-se um regime de normas comunitárias de fiscalização, dirigidas às empresas dos Estados-Membros, proibindo adotar medidas prejudiciais à concorrência no mercado comum e nos intercâmbios intracomunitários11. O Conselho estabelece normas processuais específicas para aplicar o Tratado em matéria de concorrência, conforme o artigo 83 do TCE12 e adota Regulamentos e Diretivas que aplicam os artigos 81 e 89 do TCE.

O Conselho, ainda conta com a colaboração da Comissão e dos Tribunais TJCE e TPI para efetivar a aplicação uniforme das normas. Salienta-se que a competência e os poderes conferidos à Comissão, no artigo 85 do TCE,13 a convertem em guardiã e encarregada do controle estrito e vigilância das medidas ou práticas prejudiciais à concorrência.

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4 Fontes do direito da concorrência na União Européia

O direito da concorrência na UE auxilia-se fundamentalmente das seguintes fontes:

  1. Tratado (TCE) que originou a UE, no vértice da hierarquia do ordenamento jurídico comunitário. Constitui o direito originário14 (artigos 81 a 89 sobre defesa da concorrência);

  2. Regulamentos do Conselho15 e da Comissão (sobre concentração de empresas de dimensão comunitária, categorias de acordos e outros). Constituem o direito derivado16;

  3. Decisões da Comissão (dirigidas individualmente a empresas ou instituições da UE, sobre práticas de acordos, etc), também constituem direito derivado;

  4. Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias – TJCE, do Tribunal de Primeira Instância - TPI e dos tribunais nacionais dos Estados-Membros;

  5. Prática administrativa da Comissão17 e dos órgãos nacionais de defesa da concorrência;

  6. Princípios do direito comunitário (primazia, efeito direto, subsidiariedade);

  7. Doutrina especializada.

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Além das fontes mencionadas, as autoridades de órgãos administrativos, tribunais de defesa da concorrência e órgãos jurisdicionais obtêm informações necessárias da Comissão, e no âmbito processual, os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados-Membros contam com o Procedimento Prejudicial, previsto no artigo 234 do TCE18, que permite ao juiz nacional submeter o caso perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias–TJCE, que decidirá o acórdão interpretativo e vinculante para ambas as partes.

O juiz nacional dispõe do procedimento, previamente tramitado na Comissão, que lhe permite avaliar a posição da Comissão no mesmo assunto19, podendo o juiz confirmar a opinião da Comissão ou expor a questão ao TJCE para sua interpretação, em caráter prejudicial e, não havendo dúvidas quanto à aplicabilidade ou inaplicabilidade das disposições comunitárias20, o juiz nacional deve dar andamento ao processo e decidir sem interrupção.

A Comissão e o TJCE elaboraram, também, orientações gerais destinadas a facilitar a tarefa dos tribunais, mas não interferem na independência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

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5 Normas aplicáveis às empresas

A proibição nos artigos 81 e 82 do TCE têm como destino todas as empresas: grandes, médias e pequenas, privadas e...

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