Democratização da União Européia: o problema da constitucionalização na supranacionalidade

AutorManoel Pedro Ribas de Lima
CargoMestrando em Direitos Fundamentais e Democracia, UniBrasil
Páginas1-23

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1. Introdução

Este trabalho investiga1 as possibilidades de democratização da União Européia. Este processo de dará por uma Constituição, a maior instituição que se poderia pensar para tanto. Tal discussão é levantada em razão da urgência do problema da globalização, onde um processo de regionalização, isto é, um movimento de cooperação econômica entre Estados, acaba formando uma estrutura decisória acima dos governos. Essa estrutura supranacional acompanha as tensões entre a democracia e o constitucionalismo, dando azo à questão de legitimidade. A escolha da União Européia para ser objeto deste estudo possui duas razões. Primeiro, a história política moderna é eurocentrica2. Segundo, a União Européia é o modelo de regionalismo por excelência.

Aqui há a busca de entendimento não do que significa a supranacionalidade ou sua constitucionalização, mas que quer dizer a própria discussão. Para isto, há o enfrentamento de diferentes perspectivas sobre o direito constitucional comunitário. Para tanto, iniciar-se-á o trabalho com a análise história da União Européia, verificando suas razões e seus passos até a atualidade. Em seguida, será analisada a estrutura institucional da União, buscando entender seu alcance atual em termos democráticos. A fim de compreender todo o acontecer que é a regionalização, na terceira parte verá o processo histórico sofrido pelo Estado nacional, sua origem e sua crise, e a supranacionalidade, saída encontrada para sua sobrevivência. Por fim, serão analisadas diferentes estruturas para a relação, quanto à questão da legitimidade, entre direito público interno e direito internacional público para poder vislumbrar a possibilidade de uma Constituição [democrática] para uma esfera supranacional.

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2. História da União Européia

A União Européia surgiu da reestruturação promovida pela política européia do pós-guerra. Através de tratados que não traziam normas imperativas, mas criavam instituições autônomas, a formação da União foi motivada por três razões: a manutenção paz, a promoção da democracia com um viés liberal e Constituição de um mercado comum3. Sua gênese é encontrada no discurso de Churchill em Zurique, em 1946, no qual ele sustentava a formação de uma família européia4. Desta forma, em 1950 foi assinado o tratado de Paris, que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), tratado o qual foi seguido pelo Tratado de Roma, de 1957, que originou a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia da Energia Atômica (CEEA). Todavia, vemos que a regionalização, como este fenômeno é chamado por Falk, foi e é, na realidade, o meio de participação mais eficaz para os países europeus num nível global, acumulando capital e mantendo o equilíbrio econômico com as grandes potências5. Enfim, a formação da União Européia representa a busca de seus Estados-membros por evitar a marginalização no mercado globalizado.

Com aqueles dois tratados acima citados, chamados de tratados fundadores, nasceu o direito comunitário – um ordenamento autônomo, com validade jurídicointernacional incontroversa, baseado na voluntariedade e na intergovernabilidade6. O Tratado de Paris, com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, caducou em 2002. Já o Tratado de Roma, que, através de uma convenção anexa, instituiu o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, o Parlamento Europeu e o Comitê Econômico e Social, permanece até hoje graças a um Tratado de Fusão dos executivos, ocorrido em 1965, de onde surgiram o Conselho e a Comissão.

Dos tratados que se seguiram, um dos mais relevantes foi o Ato Único Europeu, de 1987, que fortaleceu a estrutura institucional, com a afirmação da primazia do Conselho Europeu para dirigir a política de segurança (isto é, a política externa), e a criação de um Tribunal de Primeira Instância.

Em 1992 foi assinado o Tratado de Maastricht, também chamado de Tratado da União Européia, que serviu, na realidade, para revisar todos os tratados anteriores a fimPage 4 de assegurar a estabilidade da União frente à desintegração, a partir de 1989, do leste europeu7. Seu papel deu-se na objetivação do mercado comum europeu, que levou a criação, em 2002, do Euro, uma moeda única para a Europa (sendo transferindo as competências sobre finanças dos Estados para o Banco Central Europeu). Este tratado aprofundou a identidade européia através de um conceito de cidadania européia8, com fundamento no princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. Ele também consolidou o acquis communautaire; e, por fim, catalisou o processo de integração com a relevância dada ao Tribunal de Contas.

Posteriormente, foi aprovado, em 1997, o Tratado de Amsterdã, que alterou o tratado anterior visando reforçar o fundamento democrático, de direitos fundamentais e do Estado de direito9. E o último tratado relevante para a história da União Européia foi o Tratado de Nice, datada de 2000 e com entrada em vigor em 2002, que trouxe a disciplina jurídica de cooperação reforçada (já prevista no Tratado de Amsterdã), o alargamento institucional, com o processo de co-decisão entre o Parlamento Europeu e o Conselho, deixando para a Comissão a função executiva.

A grande discussão atual gira em torno de uma Constituição para a União Européia, visando o desenvolvimento institucional e a criação de uma Grundnorm. O problema a ser enfrentado é a questão de legitimidade, problema o qual se revela na ausência de um povo europeu para necessidade de validez prévia para uma Constituição.

Houve uma convenção promovia pelo Conselho para discutir e elaborar a Constituição em 2003. O projeto foi entregue em 2004 no conselho de Roma, entretanto, frente a não ratificação da França e da Holanda, a discussão sobre uma potencial Constituição para a União Européia encontra-se postergada até o final do ano de 2007. Neste período aguarda-se a redação de um Tratado Reformador, como ficou acordado na Conferencia Intergovernamental de 23 de Junho de 2007, a fim de que este tratado seja ratificado antes das eleições para o Parlamento Europeu, em 200910.

No ínterim da formação dos tratados decorrentes dos fundares, a União Européia, como desde 1992 ficou nomeada a antiga Comunidade Econômica Européia, obteve a adesão de diversos países europeus, que hoje totalizam vinte e sete. Atenta-se, como se falou até aqui, existem instituições e não órgãos da União Européia. Ora, isto acontece porque a União ainda não é reconhecidamente uma entidade em si. DestaPage 5 forma, a União Européia não pode ser vista como uma federação. De fato, ela é constituída pelo conjunto e pela cooperação de instituições autônomas, às quais são delegadas poderes pelos Estados-membros por aqueles tratados.

O que se percebe quanto a questão estrutural da União Européia, inicialmente dada pelo Tratado de Roma, é que ela foi progressivamente tornando-se insuficiente dado o crescimento do bloco11. A comunidade estendeu-se a outros países, o que implicou maior envolvimento dos cidadãos na integração européia. Tendo que enfrentar o alargamento e o aprofundamento, o processo decisório ficou embaraçado. As modificações em direção a uma forma democrática não foram felizes. Historicamente, focando-se especialmente sobre a estrutura institucional, vê-se que o Ato Único Europeu institucionalizou o Conselho Europeu (art. 2 AUE), reforçou os poderes do Parlamento Europeu no processo decisório através a cooperação entre Conselho e Parlamento; cooperação garantida pela exigência de pareceres, reposição da regra de votação por maioria qualificada no Conselho, e pelo reconhecendo a competência de execução da Comissão (art. 10 AUE). O Tratado de Maastricht, seguindo o espírito do Tratado de Roma, fortaleceu o Parlamento Europeu com o procedimento de co-decisão, como também o aumento no número de caso em que se exige votação por maioria qualificada. O Tratado de Amsterdã, após a não aprovação do CIG 96, adiou as modificações institucionais necessárias. O Tratado de Nice promoveu uma grande reforma institucional, o que era necessária para a continuidade da União. Mas o que se percebe é a formação de uma estrutura supranacional sem Constituição, que, de fato, ainda possui raízes em um modelo westfaliano de direito internacional público. Essa contradição gerou o grande debate sobre o déficit democrático da União Européia12.

3. A estrutura institucional da União Européia na sua representação popular

Antes de entrar no debate sobre a necessidade e a possibilidade de uma Constituição, a qual, segundo muitos, seria a solução para aquela contradição, é interessante observar a estrutura institucional da União Européia, que se baseia em cinco principais instituições. Inicialmente, com o caráter político, destacam-se o Parlamento Europeu, o Conselho (no qual aparece também o Conselho Europeu) e aPage 6 Comissão (formando o chamado triângulo institucional). As outras duas instituições são o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas.

O Parlamento, integrado por 736 eurodeputados (representantes eleitos por cinco anos pelo sufrágio universal com partidos políticos), participa na feitura dos atos normativos europeus, conjuntamente com o Conselho, pelo poder consultivo e pela função de controle democrático. Os fundamentos jurídicos do Parlamento estão nos artigos 189 a 201 do Tratado da União Européia, tratado que reforçou o Parlamento. Percebe-se que, ainda sendo a instituição mais próxima dos cidadãos europeus, encontra-se na mesma altura que o Conselho no procedimento decisório; mesmo detendo a competência para eleger o Presidente da Comissão, é limitado pelas indicações proposta pelo Conselho; e, o...

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