A 'Europa' não é um espaço solidário

AutorAntónio José Avelãs Nunes
Páginas95-117
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VI
A ‘EUROPA’ NÃO É UM ESPAÇO
SOLIDÁRIO
6.1. Como todos concordaremos, uma comunidade identitária
no plano político tem de caraterizar-se por um elevado grau de solidarie-
dade, tanto no plano interno como no plano externo. E a UE está lon-
ge de corresponder a esta exigência fundamental.
No plano externo, essa falta de solidariedade tem-se manifestado
em momentos dramáticos, como foi o da invasão do Iraque, tendo sido
notórias as posições extremadas entre os opositores e os apoiantes da
estratégia imperial da América fundamentalista de Bush.77
77 Pouco antes acontecera algo de semelhante a propósito da ex-Iugoslávia, onde o conflito
de interesses entre potências imperialistas europeias deu origem à 1ª Guerra Mundial, a
guerra que pôs fim às guerras, como se dizia (e desejava) no fim dela. Muitos analistas atribuem
à Alemanha a responsabilidade política de ter estimulado os nacionalismos na região,
encorajando a separação da Croácia e da Eslovênia da Federação Iugoslava e reconhecendo
a independência da Croácia unilateralmente e quase de surpresa, à margem da Comunidade
Europeia e contra o consenso das restantes potências europeias. O resultado foi o que se
viu: uma guerra fratricida no coração da Europa e a intervenção militar dos EUA, sob a
capa da OTAN, à margem do direito internacional, numa pura imposição da lei do mais
forte. O ex-Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, não escondeu aos seus
concidadãos que apoiar a intervenção no Kosovo “foi uma das coisas mais difíceis da
minha vida”, porque “não há guerras santas”, porque “a guerra é sempre uma coisa
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ANTÓNIO JOSÉ AVELÃS NUNES
No plano interno, o défice de solidariedade revela-se, entre outros
domínios, na incapacidade:
• de levar a sério o objetivo da coesão econômica e social (a que a UE
afeta menos de 1/3 das verbas do seu orçamento, percentagem que
ganha significado se lembrarmos que a PAC absorve 47%);
de avançar para um mínimo de harmonização em matéria de
políticas sociais (neste âmbito, as deliberações continuam a ser
tomadas por unanimidade);
de estabelecer um mínimo de harmonização fiscal, nomeada-
mente no que toca ao imposto sobre as sociedades, à tributação
dos rendimentos do capital e das mais-valias;
de pôr de pé uma política concertada de promoção do pleno
emprego, de combate ao desemprego e de proteção social aos
desempregados;
de dotar a União de um orçamento suficiente para ter efeitos re-
distributivos relevantes e para financiar políticas capazes de enfren-
tar os efeitos dos chamados choques externos ou choques assimétricos.
A ausência de solidariedade interna está bem patente, como digo
atrás, no abandono (Tratado de Amesterdão, 1986) do objetivo da harmo-
nização no sentido do progresso, indispensável para se honrar a tão procla-
mada solidariedade europeia e para se construir a Europa como entidade
política. Este aggiornamento de 1986 veio apenas pôr o texto dos Tratados
de acordo com a realidade, e veio também mostrar que esta ‘Europa’ é
um projeto negador da solidariedade europeia e que, enquanto entidade po-
lítica, está ao serviço deste mesmo projeto. Os avanços no sentido de
mais Europa têm significado sempre menos solidariedade entre os povos e
os estados europeus.
horrível”. Dividida, não solidária, a União Europeia não tem sido capaz de honrar
plenamente uma das suas promessas originárias mais meritórias (a de evitar guerras fratricidas
na Europa) e não tem sido capaz de impor aos EUA o respeito pelo Direito Internacional,
abrindo caminho a “novos abusos, novas injustiças e novas desigualdades”. Como a
realidade atual continua a evidenciar.

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