Entre ética e técnica: a pessoa e a racionalidade do direito

AutorBruno Amaro Lacerda - Rafael José de Castro
CargoDoutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil (2007) - Graduando em Direito pela UFJF
Páginas9-24
9
DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n2p9
Entre ética e técnica: a pessoa e a
racionalidade do direito
BETWEEN ETHICS AND TECHNICS: THE PERSON
AND THE LEGAL RATIONALITY
* Bruno Amaro Lacerda
** Rafael Jose de Castro
Resumo: Na Modernidade, a razão técnica sobrepujou a razão
ética e, com a pretensão de universalizar o saber e conferir-lhe
cientificidade, transpôs o centro unificador do pensamento do
plano metafísico para o plano lógico-instrumental. No campo
da razão jurídica, essa mudança pôs à prova os fundamentos do
Direito e os modos de sua compreensão e aplicação. Este artigo
investiga se o Direito pode prescindir da razão ética ou se, ao
contrário, ambas as racionalidades podem coexistir em torno de
um mesmo propósito humano. Para tanto, elaboramos uma teoria
da pessoa, na crença de que a questão só pode ser adequadamente
resolvida a partir da dimensão constitutiva e suficiente do
Direito.
Palavras-chave: Pessoa; Valor; Justiça; Razão.
Abstract: In modernity, the technical reason overcame the ethical
reason, and, with the intention to universalize knowledge and
make it scientific, changed the unifying center of thought of the
metaphysical plane to the logical-instrumental plane. In the
field of legal reason, this change threatened the foundations of
Law and their understanding and application. This paper
investigates whether the Law can dispense ethical reason or if,
on the contrary, both rationalities can coexist around the same
human purpose. To this end, we developed a theory of the
person, in the belief that the question can only be adequately
resolved through the constitutive and sufficient dimension of
Law.
Keywords: Person; Value; Justice; Reason.
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.18, n.2, p.9-24, dez.2014 | DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n2p9
* Doutorado em Direito pela
Universidade Federal de
Minas Gerais, Brasil (2007).
Professor Adjunto II da
Universidade Federal de Juiz
de Fora, Brasil. E-mail:
brunoalacerda@ig.com.br
** Graduando em Direito pela
UFJF. Bolsista de Iniciação
Científica - Programa de
Apoio ao Recém-Doutor da
Propesq-UFJF (2012-2013).
E-mail: rafael.jcastro
@hotmail.com
10
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.18, n.2, p.9-24, dez.2014 | DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n2p9
BRUNO AMARO LACERDA E RAFAEL JOSE DE CASTRO
INTRODUÇÃO
O avançar da técnica, no último século, trouxe elementos adicionais para
os debates nas ciências humanas e sociais. E o Direito, que almeja regular a
vida humana coexistencial, não ficou imune a isso. Por um lado, surgiram as
agruras dos limites à liberdade humana no uso das novas tecnologias; por outro,
os possíveis benefícios que algumas técnicas poderiam trazer para o Direito,
especialmente em seu aspecto procedimental.
Mas também podemos indagar sobre as transformações do modo de
pensar o Direito em uma sociedade marcada pelo primado da técnica. Há
séculos afirma-se que sua função é a realização de um valor, a justiça, embora
os juristas nem sempre tenham concordado sobre o seu significado. Valor
elementar da convivência, a justiça foi (ou está sendo) afetada pela racionalidade
técnica? Esta racionalidade convive ou pretende substituir a racionalidade ética
na qual o Direito tradicionalmente se apoia? Estas são questões complexas,
mas das quais não podemos nos esquivar. A busca por algumas respostas é o
objetivo principal desta investigação.
1 A PESSOA E A TÉCNICA
Segundo Ortega y Gasset, a vida humana não é um mero produto da
razão. Não se restringe à res cogitans cartesiana, pois viver é estar no mundo
e com ele interagir constantemente. Isso não significa que o homem e o mundo
perfaçam uma unicidade, já que é perfeitamente distinguível a presença do
sujeito – a vida humana – daquela realidade que a ele se apresenta
circunstancialmente. São, assim, dois extremos que se somam: o homem que
vive e o mundo que o circunda. A realidade mundana surge como alheia ao
próprio ser e a ele se revela como uma utilidade (um “ser para”) ou dificuldade
(um “ser contra”), pois, não sendo sujeito da vida humana, o mundo se põe
como objeto desta.
A vida humana, em seu sentido biográfico, consiste em um processo de
futurição, que transcende o momento presente e lança-se em direção ao futuro,
pois “o que chamam de vida não é senão o afã de realizar um determinado
projeto ou programa de existência” (ORTEGA Y GASSET, 1991, p. 30). Dessa
forma, “a vida é futuriça, antecipação de si mesma a partir do presente e,
portanto, primariamente é uma realidade imaginária, ou melhor, imaginativa”
(MARÍAS, 1971, p. 214). Enquanto o mundo circunstancial (as coisas) se revela

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT