Ética, meio ambiente e mineração

AutorOzanan Vicente Carrara
CargoDoutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Páginas121-142
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n3p121
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.3, p.121-142 Set.-Dez. 2016
ÉTICA, MEIO AMBIENTE E MINERAÇÃO
Ozanan Vicente Carrara
1
Resumo:
O artigo aborda as questões éticas trazidas pela mineração à luz das teorias éticas
de Hans Jonas e François Ost, dois nomes fundamentais da ética ambiental.
Pretende-se mostrar como alguns dos pressupostos éticos colocados pelos dois
autores estão ausentes nas políticas públicas de mineração implementadas pelo
Estado, clamando pelo uso dos mecanismos da democracia participativa no
processo de decisão, antes da implantação dos projetos de mineração, por maior
responsabilidade no uso de nossos recursos minerais, pelo respeito à diversificação
econômico-produtiva além de sugerir maior participação e informação da população
afetada nos projetos já implementados. Aplica as teorias da responsabilidade dos
dois filósofos à questão, mostrando como elas podem ajudar a iluminar as atuais
políticas públicas de mineração, atualmente ditadas quase exclusivamente pelos
interesses das empresas mineradoras, sem que os direitos dos cidadãos sejam
considerados ou sejam capazes de se fazer representar através das atuais
instituições da democracia representativa.
Palavras-chave: Ética. Mineração. Hans Jonas. François Ost.
1 INTRODUÇÃO
A recente tragédia de Mariana, causada pela intensa exploração minerária
em todo o estado de Minas Gerais, traz à tona algumas questões que demandam
respostas da ética ambiental ainda pouco desenvolvida no Brasil e ausente quase
completamente dos programas dos partidos políticos brasileiros perdidos em meio a
um neodesenvolvimentismo depredador do meio ambiente que vai se convertendo
num neo-extrativismo irresponsável cujas consequências se deixam ver por toda
parte. Muitas são as questões éticas envolvidas, com sérias implicações para a
ética ambiental, entre as quais destaco algumas como as que se seguem: o que tem
dito a reflexão da ética ambiental sobre os direitos próprios da natureza ou sobre
sua dignidade moral? Até que ponto uma tal reflexão questiona projetos de
empresas nacionais e estrangeiras que se apoderam de nossos recursos naturais,
explorando-os exaustivamente em detrimento dos interesses locais e da
1 Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil com período de pesquisa na Université de Strasbourg, França, como bolsista do
CNPq. Professor de Ética e Introdução à Filosofia nos cursos de Direito e Psicologia e Mestrado em
Tecnologia Ambiental na Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, RJ, Brasil E -mail:
ozanan.vc@uol.com.br
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sobrevivência de grupos étnicos e populações rurais tradicionais afetadas
tragicamente em seu modo de vida pela indústria da mineração? O Estado, atra vés
de seus três poderes e de seus organismos de representação, pode decidir sozinho
as políticas públicas de mineração, sem a participação direta da sociedade e de
seus movimentos que se tornam os porta-vozes da população atingida? Quem deve
decidir sobre um patrimônio que, como ensina Ost, herdamos das gerações que nos
precederam e sobre o qual temos direitos meramente como seus administradores ou
guardiães temporários? Que direito têm também as gerações futuras sobre esse
patrimônio? Eis algumas das questões para as quais procura-se uma resposta nas
teorias da ética ambiental, sobretudo aquelas do Princípio Responsabilidade de
Hans Jonas e aquelas da proposta ético-jurídica de François Ost.
2 HANS JONAS E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE PELO QUE É DE TODOS.
Um dos grandes nomes da ética ambiental é o filósofo alemão radicado nos
EUA, Hans Jonas. Seu legado filosófico inclui o livro O Princípio Responsabilidade
Uma ética para a civilização tecnológica. Nessa obra, o autor propõe uma ética de
defesa da vida considerada a vulnerabilidade em que a vida se encontra face às
ameaças causadas pelo poder técnico-científico. As teorias éticas tradicionais não
estão à altura dos novos desafios trazidos pela civilização industrial que coloca a
humanidade, pela primeira vez na história, diante da possibilidade concreta de sua
própria aniquilação como o demonstram a possibilidade de uma guerra nuclear e a
crise ecológica que coloca em risco toda a biosfera humana. Essa situação inusitada
coloca a humanidade diante de uma responsabilidade comum a ser assumida
coletivamente. Se as teorias éticas tradicionais se preocuparam com o mais próximo
no espaço e no tempo, trata-se agora de se preocupar não somente com as
gerações atuais, mas com as gerações futuras, estas fortemente ameaçadas pelo
alcance mundial e imprevisível da tecnologia. Chegou a hora de inverter o ideal
moderno de controle e submissão da natureza, buscando um outro tipo de relação
com a natureza em que esta não seja apenas vista como coisa sem vida ou como
propriedade cujos recursos podem ser explorados infinitamente. Uma política de
crescimento e desenvolvimento econômico deverá avaliar séria e previamente o
preço a pagar em termos de consequências ambientais e sociais. Diante da crise

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