A ética como critério para mediação de conflitos entre sistemas jurídicos na contemporaneidade

AutorJosemar Sidinei Soares
CargoDoutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Programa de Pós- Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí ? UNIVALI
Páginas140-163
Direito, Estado e Sociedade n.39 p. 140 a 163 jul/dez 2011
A Ética como critério para mediação
de conitos entre sistemas jurídicos na
contemporaneidade
Josemar Sidinei Soares*
1. Introdução
O cenário pós-moderno tem vivenciado diversos conf‌litos entre insti-
tuições e indivíduos, entre indivíduos de vários Estados, entre instituições
nacionais, internacionais e transnacionais, e entre os próprios Estados1.
Estes conf‌litos2 ou contradições interferem de forma direta e indireta na
vida em sociedade em todo o mundo3.
* Doutor em Filosof‌ia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Programa de Pós-
Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
E-mail: jsoares@univali.br.
1 Os conf‌litos entre instituições, entre Estados e entre indivíduos possuem raízes últimas na questão da
intersubjetividade entre as pessoas. Cada sujeito possui uma determinada identidade, de conteúdo ontológico,
o qual permite a autorrealização. Contudo, esta identidade entra em conf‌lito com as demais pessoas quando
surgem as relações intersubjetivas. Quando o Eu relaciona-se com o Outro pode viver harmonicamente, mas
também pode querer dominá-lo, suprimi-lo. E não necessariamente o prejuízo pode ser violento, pois pode
ocorrer o caso de dois indivíduos alienarem-se a si mesmos para tornarem-se um só. Tal problemática é ainda
mais evidente na atualidade com a crescente massif‌icação, sobretudo entre os jovens. Não é notório que
cada vez mais se suprime a própria identidade para se tornar igual ao outro? Este estudo pode ser realizado
de modo bastante profundo na obra de Vaz (1995). Porém, a dialética do reconhecimento e do senhor e do
servo, na Fenomenologia do Espírito de Hegel (2008) já identif‌icava tal problemática.
2 Estes conf‌litos são das mais diversas naturezas: culturais, sociais, políticos, econômicos, jurídicos, etc.
O problema do racismo que envolve o processo de imigração tanto na América Latina como na Europa, por
exemplo, é um problema de ordem cultural e social. A questão de empresas transnacionais que se f‌ixam em
países onde podem aproveitar mão de obra mais barata é um problema de ordem social, política e jurídica,
sobretudo. Essas empresas não visam a economia de nenhuma nação, mas o próprio enriquecimento. A
dif‌iculdade de integração entre os países em blocos comunitários é outro problema, cultural, político e
jurídico. E poderíamos inclusive mencionar a antiga disputa entre árabes e palestinos, ou entre ocidentais e
orientais, questão sobretudo cultural. São várias as problemáticas que as relações internacionais e o direito
internacional sentem dif‌iculdade em enfrentar.
3 Este fato introduz a participação cada vez maior dos novos atores e dos atores emergentes no cenário
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A Ética como critério para mediação de
conf‌litos entre sistemas jurídicos na contemporaneidade
A origem dos conf‌litos está, entre outros fatores, no crescente processo
de globalização, que aproxima e obriga o envolvimento entre os Estados
nacionais e seus respectivos cidadãos, revelando várias diferenças. Hoje a
sociedade latino-americana vive em constante contato com a norte-ameri-
cana, com a europeia, com a africana, a árabe, chinesa, japonesa, e assim
por diante. Porém cada Estado é resultado de certa história, com certos
valores, de certa cultura jurídica. Com a globalização esses valores entram
em choque. Exemplo disso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU, ratif‌icada e aceita pela maior parte dos países, e que logo em seus
Artigos I e II af‌irma categoricamente a igualdade entre todas as pessoas,
bem como a ausência de distinção em direitos e dignidade no que concer-
ne a sexo, religião, cor, língua, entre outras especif‌icidades. Porém, como
nos deparamos com a questão islâmica então? É sabido que na cultura ára-
be a mulher ainda é vista em um patamar de inferioridade se comparado
ao homem4.
E aqui tocamos uma questão essencialmente jurídica. Extrapolando-
-a, encontraremos inf‌inidades de outras contradições, como o tratamento
conferido a estrangeiros em tantos países. Como se vê, a globalização apro-
ximou a todos, mas isso não signif‌ica que as pessoas, instituições e nações
estejam relacionando-se sempre de modo adequado.
Também os sistemas jurídicos nacionais revelam diferenças decorren-
tes da formação histórica dos povos. Para muitos Estados a base histórica
de governo é a mesma, como por exemplo, o direito romano-germânico
aplicado no Brasil, também aplicado em Portugal, ainda que assim existam
elementos característicos a cada Estado que interferem nas relações sociais.
Esta contradição se torna mais preocupante quando as bases de direito são
diferentes e muitas vezes com valores contraditórios. Atualmente, os três
internacional. Até décadas atrás o Estado era visto como o único ou o soberano ator, e as relações internacionais
eram, sobretudo, as relações entre potências. Contudo, a emergência de empresas transnacionais, que com
suas atividades repercutem efeitos econômicos em várias partes do globo, movimentos de organizações
não-governamentais, bem como de tantas outras variáveis, nas quais se incluem tanto indivíduos notáveis
como a ameaça terrorista, se vê que o cenário internacional está cada vez mais complexo no que se refere
ao protagonismo de atores. Esta modif‌icação ampla nas relações internacionais pode ser observada na obra
de Giovanni Olsson (2009). Para um estudo do cenário anterior, vigente até a Guerra Fria, buscar as obras
de clássicos das teorias das relações internacionais, como Hans Morgenthau (2003), Martin Wight (1978)
e Edward Carr (2001).
4 Não obstante este cenário vem sendo modif‌icado, conforme se constata no artigo de Khalil ‘Athamina,
que revela inclusive progressos em relação à tolerância entre muçulmanos e não-muçulmanos, além da
crescente abertura ao mundo feminino dentro da cultura islâmica. ATHAMINA, 2007.

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