O esvaziamento da culpa para dissolução do casamento

AutorPaulo Hermano Soares Ribeiro - Edson Pires da Fonseca
Ocupação do AutorProfessor de Direito Civil das Faculdades Pitágoras de Montes Claros, MG e da FADISA - MG. Tabelião de Notas. Advogado licenciado. - Professor de Direito Constitucional e Teoria do Direito na FADISA e na FAVAG - MG
Páginas215-221

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A investigação e condenação de um dos cônjuges como culpado aparente pela dissolução do casamento orientou durante muito tempo o processo de separação na legislação brasileira. De outro lado, outro cônjuge desempenhava o papel de inocente aparente. As acusações trocadas tinham o desiderato de identificar o maior culpado no fim de uma relação que já era morta, sob pena de, não havendo transgressor, a separação se mostrar inviável.

A pessoa, em estado de sofrimento, devia comparecer em juízo, trazendo consigo os restos do amor28, para expor sua dor e as razões que entendia possuir, confrontando com a dor a as razões do outro, ambos nus aos olhos reprovadores do Estado-juiz, cujo dever funcional não permitia respeitar a intimidade ou dignidade dos protagonistas do casamento fracassado.

Embora para o desquite, e depois para a separação, a culpa sempre foi tida como elemento determinante, no que se refere ao divórcio,

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a exigência de prova de culpa perdurou por pouco mais de dez (10) anos em nosso ordenamento. A redação original do caput do art. 40 da Lei 6.515/77 estabelecia que "no caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos" poderia ser promovida ação de divórcio, na qual se deveria provar "o decurso do tempo da separação e a sua causa." No § 1º do mesmo art. 40, o legislador determinava que o divórcio com base no art. 40, só poderia "ser fundado nas mesmas causas previstas nos artigos 4º e 5º e seus parágrafos." Tais causas consubstanciavam as condutas desonrosas, atos que importassem em grave violação dos deveres do casamento e tornassem insuportável a vida em comum, a ruptura da vida em comum e a doença mental grave manifestada após o casamento.

Foi a Lei 7.841 de 17 de outubro de 1989 que deixou de exigir prova de culpa na modalidade do divórcio direto ao revogar o § 1º do art. 40 da Lei n. 6.515/1.977. Subsistiu, no entanto, a exigência de prova da culpa para a separação.

5.1 - Desde que foi regulamentada a dissolução da sociedade conjugal no ordenamento jurídico brasileiro - primeiro como desquite, depois como separação judicial - que a atribuição de culpa de um em desfavor do outro foi fincada no meio do caminho, como requisito para procedência da ação litigiosa.

E muitas foram as vozes levantadas contra esta desarrazoada exigência. João Baptista Villela já alertada que,"vício seríssimo da lei é o de ainda se estruturar sobre o velho e decadente princípio da culpa", evidenciando a atraso que a Lei 6.515/77, neste particular, chancelava:

De um lado, não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível. Depois, haverá algo de mais presunçoso que se crer capaz de fazê-lo? Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse

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sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre envolta da obscuridade que, em maior ou menor grau, impregna todas as ações humanas.29

Além de inócuo, perseguir o culpado é um exercício de incoerência. Na crítica de Maria Berenice Dias o ordenamento deve trilhar o caminho de sistemas que admitem a dissolução sem identificar o responsável pelo fim do casamento "seja porque é difícil atribuir a apenas um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevida a intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas".30Carlos Roberto Gonçalves, argumenta a incoerência do sistema que exige prova da culpa mas facilita "a dissolução do casamento mediante a simples prova de um ano ininterrupto de separação de fato, sem qualquer indagação sobre a culpa". E permite "o divórcio direto com o preenchimento de um único pressuposto: o transcurso do prazo de dois (2) anos ininterruptos de separação de fato".31Para Rolf Madaleno, "já de longa data tem se mostrado débil e inútil o esforço processual que pesquisa a gênese culposa da falência conjugal", porque" todo o "superado culto à causa culposa de final de casamento só tem servido para aumentar amarguras, tristezas e humilhações":

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