Estupro de vulnerável diante do estatuto da pessoa com deficiência

AutorEduardo Luiz Santos Cabette - Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette
CargoDelegado de Polícia - Bacharel em Direito pela UNISAL
Páginas213-240
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XIII – n. 15 – Maio 2018
Estupro de vulnerável diante do estatuto da pessoa
com deciência
Eduardo Luiz Santos Cabette1
Delegado de Polícia
Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette2
Bacharel em Direito pela UNISAL
Resumo: Este trabalho tem por objetivo o estudo do crime
de estupro de vulnerável, mais especicamente a hipótese
de vulnerabilidade por enfermidade mental, diante das
novas normas de capacidade civil apresentadas pelo Estatuto
da Pessoa com Deciência. O intuito é obter o máximo de
segurança e proteção ao deciente, sem tolher sua autonomia
possível.
Introdução
O   “  ”, previsto no artigo 217-A do
Código Penal brasileiro, propõe-se a tutelar a dignidade e a liberdade
sexual de pessoas que não têm o necessário discernimento para o con-
sentimento em atos dessa natureza. Dentre os chamados “vulneráveis”,
destacam-se as pessoas com deciência mental.
Ocorre que, com o surgimento do denominado Estatuto da Pessoa
com Deciência (Lei 13.146/15), os decientes, inclusive mentais, dei-
xaram, na seara civil, de ser incluídos entre os absolutamente incapazes.
Essa alteração legal pode remeter a questionamentos sobre sua even-
tual repercussão no campo penal, mais especicamente no que se re-
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Eduardo Luiz Santos Cabette e Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette
fere ao ilícito de “estupro de vulnerável”. Ao menos em tese, é possível
questionar a efetiva condição de vulnerabilidade desses decientes e a
legitimidade da repressão penal contra qualquer pessoa que com eles
mantenha alguma relação de caráter sexual consentida, ou seja, sem
violência ou grave ameaça.
Há uma necessária intersecção entre o direito civil e o direito penal
que deve ser tratada com base na interdisciplinariedade e mesmo na
transdisciplinaridade, para se chegar a uma conclusão razoável, sem
que o enfermo mental sem discernimento seja prejudicado, perden-
do a proteção legal que, necessariamente, lhe deve ser conferida, mas
também reconhecendo a autonomia e a liberdade inerentes às pessoas
com deciência, mesmo mental, detentoras de capacidade decisória su-
ciente para dar ou não seu consentimento em atos de natureza sexual.
O tormentoso binômio liberdade/segurança será o desao permanente
nas linhas que se seguem.
Capacidade civil do enfermo mental e estupro de
vulnerável: entre a segurança e a autonomia
Seja no estudo das inovações da capacidade civil dos enfermos men-
tais, seja na investigação do tema do “estupro de vulnerável” na seara
penal, é possível perceber que a doença mental, por si só, desde sempre,
não tem o condão de conferir a seu portador incapacidade para os atos
da vida civil nem vulnerabilidade como vítima criminal ou mesmo de
ensejar a ultrapassada “presunção de violência” nos crimes sexuais.
Ademais, a alteração promovida no campo civil não necessaria-
mente tem efeitos transcendentes para o âmbito criminal. Isso consi-
derando o fato de que os critérios para aferição de capacidade em cada
uma das searas em destaque são diversos.
A primeira questão a ser respondida é se invariavelmente uma mu-
dança sobre a capacidade civil precisa exercer alterações na esfera pe-
nal. E a resposta é negativa. Os campos civil e penal são independentes,
e os critérios de aferição da capacidade civil e da capacidade penal são
completamente diferentes.
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