V Concurso Nacional de Monografi a do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados - CESA

AutorFernanda Mayuni Kobayashi
Páginas299-316

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1. Introdução

Hodiernamente, a profissão do advogado tem exigido atuações pretensiosas e inovadoras de seus agentes, como forma de garantir a contínua adesão às mudanças da sociedade. Capacidade de renovação e flexibilidade, somada a muita criatividade, devem estar presentes no operador do Direito que, para além de mero executor das leis, passa a ser verdadeiro cocriador de direitos e deveres.

Nesse passe, é importante notar que de nada valem a tecnologia e a virtualidade de nossa Era se não acompanhadas de contínuo conhecimento do modo de agir e operar do próprio ser humano. Formação académica e especializações técnicas são relevantes, mas caráter e desenvolvimento humanista são também urgentes. A vantagem competitiva

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deve levar em conta a direção profissional e a pessoal, sob pena de qualquer intelectualidade vir a sucumbir face às carências emocionais e de personalidade.

O presente estudo não visa sobrepor, implícita ou explicitamente, os valores humanos às construções profissionais. O que se pretende demonstrar é que os advogados da atualidade não são medidos por qualidades isoladas, mas pelo repertório intelectual e humanístico acumulado durante toda a sua formação.

Ralph Waldo Emerson, intelectual americano influenciado por correntes iluministas e romancistas, é autor de interessante frase nesse sentido: "Quem você é fala tão alto que não consigo ouvir o que você está dizendo". No Século das grandes evoluções tecnológicas e científicas é imperativo ao profissional do Direito fazer-se visível e presente, ainda que para tanto seja necessário adquirir novas roupagens. Que sejam capazes de aliar a técnica às qualidades humanas, abandonando a lógica quando necessário, mas se atendo à ela quando preciso for. Em síntese, um profissional completo, cuja convicção e intensidade de agir sejam intangíveis a quaisquer mudanças que a sociedade possa enfrentar.

Para mais ampla compreensão acerca das premissas deste trabalho, acentuamos breves comentários à evolução do ensino jurídico no País, em que pese os atuais advogados ser reflexo justamente das tendências, positivas ou negativas, da formação acadêmica que lhe são concebidas no Brasil.

Em seguida, passaremos a analisar o enfoque circunflexo existente às qualidades humanas destes profissionais, o que leva à incompletude de sua atuação frente ao atual cenário da sociedade.

Momento subsequente, teremos considerações sobre algumas das formações adicionais que o advogado pós-moderno deve ter, como pressuposto de adaptação e de competência na realidade em que vivemos.

Por fim, uma análise sobre a formação multidisciplinar deste profissional, que cada vez mais deve privilegiar a flexibilidade em detrimento da acomodação, como forma de realizar, pessoal ou coletivamente, o objetivo maior da Justiça.

2. A evolução do ensino jurídico no Brasil: a função social do advogado e os defeitos do atual sistema educacional

Ao estudo das formações adicionais que o advogado deve ter, precede dimensionar a própria carreira da advocacia, as atuais demandas de tal profissão, bem como a evolução histórica do ensino jurídico no País.

Advogar, segundo Valdemir Barsalini,2 significa mais do que apenas defender os interesses do representado, emproteção a um direito privado. Compõe função necessária à própria justiça, na medida em que equilibra forças interinas do Poder Judiciário. Nesse sentido, é fundamental a noção da advocacia como exercício de uma função social, sendo o advogado não só aquele que age em nome da parte, mas aquele que atua no próprio interesse público da realização da justiça -"múnus público".

No contexto de lutas e reestruturações sociais em que vivemos, o valor social do advogado revela-se na própria construção eman-cipatória dos seres humanos, bem como na consolidação da cidadania. É possível dizer que os advogados constituem fonte primeira à evolução do Direito positivo, na medida em que movimentam a literalidade da lei por meio de novas teses que melhor atendam aos reclamos da sociedade. Conforme prevê o art. 133 da Constituição Federal, "o advogado é indispensável à administração da justiça",3 restando evidente o significado de sua presença na estrutura judiciária brasileira.

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Da análise sobre o papel do advogado, profissão esta amparada em nível constitucional, cabe agora delinear breves considerações sobre a evolução do ensino jurídico no Brasil, tema este amplamente estudado por Aurélio Wander Bastos em sua Tese de Doutorado.

No início do século XIX, tivemos o ensino jurídico voltado às elites intelectuais, com a formação marcada pelo caráter pre-dominantemente político. A partir de 1930, observa-se a tendência de os cursos jurídicos adaptarem os seus currículos ao pensamento industrialista e cientificista, fazendo integrar matérias relacionadas às atividades econômico-comerciais.

Com o Estado Militar dos anos 1970, tem início uma fase de positivismo formalista dos cursos de Direito, em que se prezava pela tecnicidade do ensino em detrimento do saber crítico. Foi o período em que se deu o crescimento dos cursos de duração reduzida e, consequentemente, a massificação dos ensinos jurídicos.

O século XIX e a primeira metade do século XX foram caracterizados, respectivamente, pelo bacharelismo e pelo juridicismo. A primeira corrente preconiza o ensino voltado à realidade política, não se limitando ao conhecimento teórico-positivista. A segunda, por sua vez, adota como marco a formulação teórica despreocupada com sua aplicabilidade à vida política. Ambas as orientações, contudo, trouxeram em sua formação a conquista do universalismo e do humanismo de direitos.

A transição entre tais posicionamentos ocorreu após a derrota de Rui Barbosa à Presidência, a partir da qual o bacharelismo cedeu lugar ao desenvolvimento científico e industrial do Direito, com a notável influência do neokantianismo de Hans Kelsen.

A nova sociedade do governo Juscelino Kubitschek, nos anos 1950, presenciou o crescimento dos cursos de ensino jurídico com viés normativista. O caráter técnico-formalista da educação jurídica sobrepôs-se ao juridi-cismo, suplantando os ideais humanistas que marcaram esta corrente.

As últimas duas décadas consolidaram uma nova geração de bacharéis em Direito. A linguagem dos profissionais advogados tornou-se mais coloquial, facilitando o acesso da população aos seus serviços e encerrando a elitização do curso, como houvera nos anos 1970.

Nas palavras de Eugenio Mussak,4 alçamos à Era do Conhecimento, em que estudar não mais consiste em atividade típica de um período certo da vida: trata-se de exercício continuado e acumulado do aprender. O assunto é de tamanha expressão na atualidade que já se fala em "universidades corporativas", ou seja, estruturas internas de educação nas empresas, as quais visam suprir eventuais lacunas da educação convencional brasileira. É o tempo do "trabalhador do conhecimento" (knowledge worker), cujos esforços não se limitam à captação de informações, mas se estendem à transformação destas em conhecimento competitivo.

Kevin Desmond, pesquisador britânico da evolução do conhecimento, ressalta uma estatística interessante, porém perturbadora. Segundo o estudioso: "(...) todo o conhecimento que a humanidade conseguiu produzir até o início do cristianismo foi multiplicado por 2 até a Revolução Industrial. Daí em diante o conhecimento voltou a dobrar, primeiro em 200 anos, depois em 50 e finalmente em 10 anos, até o surgimento dos primeiros computadores pessoais, no início dos anos 1980. Na penúltima década do século XX, o conhecimento foi multiplicado por 4 e na última, por 107".5

Se a proporção assim for correspondida, o conhecimento humano acumulado em todas

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as partes do mundo e de todos os campos do saber humano tende a dobrar a cada ano aproximadamente.

Embora constatável em todas as formações profissionais, a perecibilidade do conhecimento é tão mais evidente no curso de Direito, em que o próprio significado dos conceitos pode sofrer alterações diárias frente aos novos casos concretos. Nesse sentido, destaca-se o profissional advogado capaz de preservar a inquietude referente ao aprendizado e o primor pela educação continuada.

Em suma, podemos dizer que o advogado do século XXI deve adotar a prerrogativa do interesse constante por informação e conhecimento, sempre ciente da sua atuação na garantia da justiça social. Atendendo aos preceitos de Bauman,6 é fundamental manter o "desejo de se fazer diferente do que se é, de se refazer, e de continuar se refazendo". Chega-se à condição moderna: estar em movimento.

3. Formação humanística do advogado: uma crítica à formação técnica

Como mencionado anteriormente, o profissional do Direito voltado ao exercício da advocacia assume a responsabilidade de participar da sociedade de maneira efetiva, provendo respostas concretas às exigências que lhes são apresentadas. O que se observa, contudo, é a crescente perda do caráter humanista desse atendimento, que passa a ser exercido de forma mecânica, destituída da análise crítica e personalista outrora valorizada pelos operadores da Ciência Jurídica.

Embora a educação no Brasil seja tema de...

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