Ser estudante de direito no século XXI

AutorAndré Rubião
CargoDoutor em Ciência Política Universidade Paris
Páginas91-108
Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.12, n.26, p. 91-108, jan./abr. 2017
SER ESTUDANTE DE DIREITO NO SÉCULO XXI
BEING A STUDENT OF LAW IN THE 21ST CENTURY
André Rubião
1
Resumo: Este artigo analisa o estudo do Direito no Brasil numa
perspectiva pedagógica e traz uma reflexão, do ponto de vista institucional,
sobre o papel do ensino superior na c ontemporaneidade. Para tanto, expõe-se
uma breve genealogia do ensino j urídico no Brasil e no exterior, em
comparação com os “modelos de universidade” constituídos ao longo da
história, tais como a “multiversity norte-americana”, o “movimento de
Córdoba” e os modelos “humboldtiano” e “newmaniano”. Além disso, sob um
viés crítico-metodológico, analisa-se o tripé ensino-pesquisa-extensão,
traçando-se um balanço e uma projeção indutiva dos principais desafios e
oportunidades para os estudantes de Direito no século XXI. Conclui-se que a
formação acadêmica jurídica não pode ficar alheia à reflexão sobre a função
institucional do ensino superior.
Palavras-chave: Ensino jurídico; Pesquisa; Extensão; Universidade;
História da educação.
Abstract: This article analyzes the study of law in Brazil within a
pedagogical perspective and brings a reflection from an institutional point of
view on the role of h igher education in contemporary times. Therefore, it
exposes a brief genealogy of legal education in Brazil and abroad, compared to
the "universitys models" made throughout history, such as "American
multiversity", the "Cordoba movement" and " Humboldtian" and "Newmanian"
models. In addition, under a critical-methodological bias, it analyzes the
teaching-research-extension tripod, drawing up a balance sheet and an
inductive projection of the main challenges and opportunities for law students
in the XXI century. The conclusion is that the legal a cademic education cannot
remain oblivious to the reflection on the institutional role of higher education.
Keywords: Legal education; Research; Extension; University;
Education history.
Sumário: 1. Introdução: A escolha diante de um “eterno retorno”; 2.
Ser estudante universitário ao longo dos séculos 3. Breve histórico das
faculdades de Direito no Brasil 4. O jurista inserido na “sociedade em rede”; 5.
Conclusão: A justiça nas veredas do estudante; 6. Referências bibliográficas.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS - A ESCOLHA DIANTE DE UM “ETERNO
RETORNO”
As leis são belas, meu querido...
Machado de Assis2
1 Doutor em Ciência Política (Universidade Paris 8), mestre em Filosofia do Direito (Universidade Paris
2), professor na Faculdade de Direito Milton Campos.E-mail: andrerubiao@hotmail.com.
2 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas; Dom Casmurro. São Paulo: Abril
Cultural, 1982, p. 210.
92
Direitos Culturais, Santo Ângelo, v.12, n.26, p. 91-108, jan./abr. 2017
Essas palavras do agregado José Dias, aconselhando Bentinho a estudar
Direito, continuam na ordem do dia. O universo jurídico é fascinante e, muito além
da época do romance de Machado de Assis, quando prevalecia a “cultura do
bacharelismo”, hoje o mundo do Direito se apresenta aberto a diversas
oportunidades.
Vivemos numa “sociedade em rede”, nos diz o sociólogo Manuel Castells,
em que a complexidade e a pluralidade são co nceitos intransponíveis.
3 Nesse
contexto o Direito surge de forma múltipla, fazendo uma releitura e expandindo se us
campos de atuação, que vão desde uma vocação para a cultura geral e p ara a
formação do gentleman (conforme a tradição inglesa do século XIX), passando pela
militância a favor da responsabilidade social (de origem latino-a mericana), até o
dinamismo profissional do jurista contemporâneo, inserido num mundo globalizado
(tal como prezam os teóricos da New Production of Knowledge).
Esses conceitos e tradições, que veremos mais adiante, revelam a amplitude
e a diversidade que envolvem o universo jurídico. Além disso, eles trazem à baila
perguntas inevitáveis Seria o Direito aquilo que eu quero estudar? Onde me
encaixar nessa série de possibilidades? , nas quais os estudantes acabam imergindo.
Mas ao contrário do mundo anglo -saxônico, onde há diversos projeto s e
publicações destinados à legal educa tion research, o conjunto dessa temática é
muitas vezes negligenciado pela literatura jurídica no Brasil. Este artigo busca então
mostrar a dinâmica q ue envolve o estudante de Direito no século XXI, numa
reflexão ao mesmo tempo pedagógica e institucional: partindo de uma abordag em
genealógica do ensino superior (2), passando pela análise crítica do estudo jurídico
no Brasil (3), até chegar a uma síntese das oportunidades abertas pelo Direito (4),
nosso principal objetivo é trazer uma visão panorâmica do curso, capaz de facilitar a
trajetória acadêmica e as escolhas profissionais dos discentes.
Ser estudante, poderia dizer Nietzsche, é um rito de passagem, quando as
pessoas precisam encarar a possibilidade de umeterno retorno”.4 De que maneira
então o Direito pode ser uma escolha de vida?
2. SER ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO AO LONGO DOS SÉC ULOS
Questionar de forma constante e frequente é a primeira chave para a
sabedoria... É por meio da dúvida que somos levados a inquirir; e pelo
inquérito nós percebemos a verdade.
Pedro Abelardo5
O filme Em nome de Deus (Stealing Heaven), do diretor Clive Donner,
narra a história verídica de um “amor proibido” entre Pedro Abelardo (eclesiástico,
professor de filosofia, que fizera voto de castidade) e Heloísa de Argenteuil ( uma
jovem estudante). Para além desse “romance herético”, o filme mostra algumas
cenas interessantes de quan do Abelardo, rompendo com o conservadorismo da
3 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
4 Nas palavras de Nietzsche: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la
ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada
pensamento e suspiro e tudo o que h á de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te
retornar”. NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 208.
5 ABELARDO, Pedro. Sic et Non, P rologus. In: SMALLEY, Beryl. Studies in Medieval Thought. The
Humbledon Press, 1981. P. 2.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT