Estrangeiros e inclusão social: uma análise com fundamento na universalidade dos direitos humanos e as intenções constitucionais

AutorPietro de Jesús Lora Alarcón/Carlos Alberto Diniz
CargoColombiano, egresso da Universidad Libre de Colombia e da ESJAM de Havana- Cuba/Brasileiro, egresso da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP
Páginas44-61

Pietro de Jesús Lora Alarcón1

Carlos Alberto Diniz2

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Notas Preliminares

A leitura da Constituição Federal Brasileira de 1988, em especial de seu Preâmbulo e dos Princípios Fundamentais, deixa entrever que a opção do povo constituinte foi a de construir um Estado que prime pela defesa intransigente do princípio democrático, do pluralismo, do desenvolvimento e do progresso social, elementos que, para além de significados meramente formais, determinam a ampla compreensão e aplicação dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, ao tempo que possibilitam o rompimento com séculos de miséria e de desigualdades entre as pessoas e as regiões.

Destarte, iluminado por essa nova idéia de Estado, o Brasil iniciou um caminho no terreno da política externa, o da inserção na sociedade internacional, enquanto nação independente e soberana, sustentando a integração e cooperação entre os povos, com o intuito de fortalecer o direito à paz e ao desenvolvimento plural da Humanidade.

Contudo, essa trilha nas relações exteriores, como acontece em todo Estado, encontra-se regulada e determinada por fortes condicionantes internos. Um exame desses condicionantes implica reconhecer as prioridades, as iniciativas, os graus de compromisso de alguns setores e as dúvidas de outros, as incertezas da política econômica e até as constantes pressões da opinião pública.

Entretanto, é imperioso apreender que a motivação e a prática democrática de se acercar dos organismos internacionais para colaborar com uma visão progressista e humanista encontram alicerce popular. Esse convencimento não emana de uma consideração jurídico-formal, na qual se exporia que a relação do brasileiro com a universalidade do gênero humano, em termos de tolerância e respeito pela diversidade, verifica-se porque consignado no Diploma Constitucional. A verdade é que o respeito pela vida e o reconhecimento da diferença estão presentes na sociedade brasileira desde há muito, como valores próprios e constantemente reproduzidos, apesar dos períodos em que elites insensíveis desviaram o país e seu Governo da sua direção histórica.

Com essas premissas, que ressaltam uma aproximação entre a Constituição e as relações internacionais, o propósito do presente artigo consiste em oferecer uma breve análise dos valores consignados em 1988, particularmente daqueles que outorgam suporte à prática da inclusão social, focalizando o fenômeno migratório e a situação dos estrangeiros no Brasil, grupo humano inserido entre os setores denominados singelamente de minorias, procurando ligar a efetividade dos direitos fundamentais com as necessidades de incorporação de segmentos populacionais afastados tradicionalmente das possibilidades de participação nos destinos do Estado.

1 A inserção internacional do Brasil e o panorama constitucional
1. 1 Incorporando os direitos humanos e promovendo a integração regional

Percorrer os pontos mais interessantes da inserção internacional brasileira, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, implica detectar dois giros importantes: o primeiro, aquele referente à consolidação de um clima de recepção ao fenômeno da internacionalização dos direitos humanos, questão favorecida pelo amplo leque de direitos fundamentais expostos pelo constituinte no Título II do Diploma Constitucional e, ainda, pela cláusula de abertura, constante no artigo 5°, parágrafo 2°, na redação original, e hoje, também, após a promulgação da Emenda 45/2004, pelo parágrafo 3° do mesmo artigo; o segundo, o referente à criação de um cenário regional de cooperação, a caminho de uma Comunidade Latino-americana de Nações, com fundamento no parágrafo único do artigo da Constituição.

Quanto ao primeiro movimento, uma retrospectiva da história recente do Brasil permite visualizar seu caráter de membro fundador da Organização das Nações Unidas. Nesse espaço, a diplomacia brasileira foi protagonista, desde o início, da marcada tendência à internacionalização dos direitos humanos, sob o manto da universalidade.Tendência essa que representa a positivação - como assevera Celso Lafer - no plano internacional, pelo Direito Internacional Público, dessa categoria de direitos3 .

Destarte, com o intuito de incorporar os direitos humanos à legislação interna, o Estado brasileiro assinou vários tratados internacionais, dentre os quais dois instrumentos de singular importância: o

"Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos" e o "Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos,Page 45 Sociais e Culturais", ambos adotados pela ONU, através da Resolução 2.200-A (XXI) de 16.12. 1966, e aprovados internamente, conforme o processo estabelecido na Constituição Federal, pelo Decreto Legislativo n° 226 de 12 de dezembro de 1991, ratificados pelo Decreto 591 de 6 de julho de 1992, tendo depositado Carta de Adesão na Secretaria Geral da ONU em 24.01.1992.

Observe-se que o Brasil somente ratificou os Pactos após a promulgação da Constituição de 1988 e, praticamente, ad-portas de participar da Convenção de Viena de 1993. O mesmo pode-se manifestar em relação ao Pacto de San José de Costa Rica - Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, promulgado pelo Decreto nº. 678/92, e posterior aceitação da competência da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998.

Já no terreno da integração, e para apenas nos aproximarmos da importância do relacionamento internacional brasileiro, há que resgatar que o Brasil encabeça a proposta unificadora de maior envergadura no campo do desenvolvimento estratégico, a configuração do "Tratado para a Constituição do Mercado Comum - Mercosul", incorporado pelo Decreto nº. 350/91, e seu complemento, o "Protocolo para a Solução de Controvérsias - Mercosul", incorporado pelo Decreto nº. 922/93. Frise-se o contraponto do Mercosul ao projeto ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas), proposto pelos Estados Unidos, bem como as suas possibilidades de abertura a projetos que apresentam outros membros e sócios, como o caso da Venezuela, que propõe uma área comercial abrangente com fundamento nos princípios de unidade expostos por Bolívar.

Antes de prosseguir, deve-se afirmar que a orientação constitucional e os movimentos empreendidos pelo Estado brasileiro, expostos neste breve segmento, constituem os elementos centrais e decisivos para afixar uma política de Estado para a inclusão social, na perspectiva da efetividade plena dos direitos humanos, obrigando, no terreno da interpretação e aplicação do Direito, a uma visão do considerado razoável, apurado caso a caso, no tratamento do eventual conflito no qual esteja envolvida a pessoa humana estrangeira.

É claro que não se advoga pelo tratamento favorável ou diferenciado sem fundamento jurídico, mas pelo reconhecimento da dignidade humana, apelando-se, na situação concreta, a um sentido humanitário que não pode desaparecer por conta das imposições de um mundo dominado pelo critério mercadológico. Trata-se da elevação, no solo brasileiro, da universalidade como característica dos direitos humanos, que não pode ser relativizada gratuitamente em detrimento da vida.

1. 2 Raízes históricas da discriminação e a vulnerabilidade externa

A focalização dos movimentos mais recentes do Estado brasileiro no cenário internacional e seus impactos na seara jurídica obrigam a uma análise da continuidade histórica da participação brasileira no conjunto de contradições da sociedade de nações.

Para iniciar o percurso, há que lembrar que já no período imperial o Brasil começava sua procura por uma voz própria no contexto das relações internacionais, apesar do confronto permanente entre Estados além mar em uma etapa de transição, na qual algumas potências decaem rapidamente diante das novas estruturas hegemônicas do nascente capitalismo, bem como do surgimento dos Estados vizinhos, independentes do domínio espanhol.

Sobre o ponto, referindo-se à consolidação da soberania brasileira, Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno opinam que esta não pode ser concebida como efeito abrupto da Proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822, imediatamente aplicável ao exterior, pois:

[...] seu exercício estava condicionado interna e externamente e requeria toda habilidade para vir a conformar-se com os interesses da nação. Assim, pelo menos quatro variáveis, de natureza estrutural e histórica, iriam condicionar a elaboração e a execução da política externa brasileira nesse período inicial: o jogo das forças que compunham o sistema internacional no início do século XIX e os objetivos dos Estados dominantes, a inserção do continente americano nesse sistema, a herança colonial brasileira tanto socioeconômica quanto jurídico-política e, finalmente, o precoce enquadramento luso-brasileiro no sistema internacional vigente, por meio da 'aliança inglesa' 4.

Parece-nos que o entendimento dos professores contribui para explicar uma das dificuldades recorrentes da política externa brasileira. Estamos a falar da vulnerabilidade extrema perante as alianças e rompimentos do contexto internacional. Como se...

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