Jurisdição constitucional no direito estrangeiro e no brasil em perspectiva (e prospectiva) comparada

AutorWillis Santiago Guerra Filho
CargoProfessor Titular do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Páginas1-15

Professor Titular do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professor colaborador dos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade Candido Mendes (Rio de Janeiro) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (SP).

Professor da Pós-Graduação lato sensu em Direito Constitucional e da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, SP. Doutor em Ciência do Direito (Universidade de Bielefeld, Alemanha), Livre-Docente em Filosofia do Direito (Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará - UFC), Pós- Doutorado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ).

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Em memória do Prof. Calmon de Passos

Com o advento da Constituição de 1988 no Brasil, o controle de constitucionalidade assumiu sensíveis modificações em nosso direito, em relação ao que era definido pela Constituição de 1967/69, passando do sistema de controle de constitucionalidade predominantemente difuso ou incidental, de inspiração norte-americana, a um sistema misto, que tem por referência, igualmente, o modelo concentrado de controle, de origem européia.

O maior avanço que se faria no País, portanto, a fim de garantir justiça aos seus cidadãos e a própria cidadania, seria a transformação do Supremo Tribunal Federal em uma verdadeira Page 2

Corte Constitucional, nos moldes daquela que se vem implantando pelo mundo a fora, a partir do segundo pós-guerra, na esteira daquela instituída ainda no período de entre-guerras, na Áustria, por influência daquele que viria a ser seu primeiro presidente, o "jurista do século" (vinte, bem entendido), Hans Kelsen. Isso porque o órgão que delibera em última instância sobre a constitucionalidade de normas e atos, normativos ou não, exerce necessariamente um poder político, promovendo uma espécie de "legislação negativa", como ensina o mesmo Autor. Então, um poder político, com o compromisso de implementar a ordem jurídica, em um Estado Democrático de Direito, tendo como principais tarefas a manutenção da harmonia entre os poderes estatais e a efetivação dos direitos fundamentais, deverá necessariamente ser investido e exercido de acordo com os parâmetros consagrados para tal investidura e exercício. Isso significa, concretamente, que os membros de uma Corte Constitucional devem ter MANDATO, obtido através de ELEIÇÕES, mas eleições INDIRETAS, pois sua investidura pressupõe um debate que não pode (ainda, pelo menos) ser travada diretamente pelo titular da soberania. Seguindo o padrão de outros poderes da República, o mandato poderia ser de quatro ou até oito anos e a eleição bem pode se dar através do voto dos membros do Congresso Nacional, mas através de maioria qualificada, com o mesmo quorum que se exige para uma alteração da Constituição, já que um juiz constitucional há de ser visto como uma espécie de "Emenda Constitucional Viva" -de suas deliberações resulta o entendimento que prevalece sobre o sentido do texto constitucional. Detecto na permanência do Supremo tribunal Federal com a composição e estrutura que tinha no período autoritário e ditatorial, anterior ao regime democrático, o maior entrave institucional para o aprofundamento da democracia entre nós. Juízes nomeados por generais-presidentes continuaram exercendo o cargo, mantendo praticamente intacto o entendimento jurídico - aliás, de grande qualificação técnica, diga-se de passagem, nem se considere estarmos aqui fazendo algum reparo à pessoa ou ao jurista de nenhum desses ou qualquer outro dos Ministros - e a orientação ideológica que então possuíam, como é de se esperar, mas dificultando, assim, a transformação postulada na Constituição de 1988. Avessos às inovações ali instituídas, tornaram praticamente inócuo o mandado de injunção e permaneceram inertes diante do uso indiscriminado das medidas provisórias, para citar dois exemplos paradigmáticos. Os ministros investidos pelos governos civis o foram por critérios de conveniência desses governos, e lá permanecem e permanecerão a implementar as concepções Page 3 jurídicas e políticas que lhes é própria, mesmo se estas vierem a ser rejeitadas pelo voto popular, ou até, como no caso do primeiro desses presidentes, no atual período de nossa história republicana, por meio de impeachment.

É certo que uma série de inovações foram feitas, em matéria de jurisdição constitucional no País, introduzindo ou regulamentando novos instrumentos para suscitar o seu exercício, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade e, de último, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, mas sempre com um sentido de concentrar, cada vez mais, a legitimidade para este exercício entre representantes do Estado, que freqüentemente são representantes dos governos, retirando, assim, tal legitimidade de seu titular originário: o Povo Brasileiro. Ficamos, assim, desprovidos de acesso à justiça constitucional para defesa, direta ou indireta, de nossos direitos fundamentais e das instituições democráticas. Nosso sistema de controle da constitucionalidade, portanto, demonstra-se altamente defeituoso, e não penso que se corrija tais defeitos de maneira personalista, atentando para a qualificação dos que compõem o STF, pois o problema é estrutural, uma vez que enquanto poder político que inevitavelmente é, em uma república, deve se dar a investidura por meio de eleições, sendo exercido por tempo determinado e com responsabilidade passível de ser cobrada pelos meios próprios.

Até agora, a atenção da doutrina constitucional pátria dirigiu-se mais para o que se pode denominar o exercício da jurisdição constitucional pelo STF no âmbito de processos objetivos, ou seja, aquele que tutelam a ordem jurídica objetiva. Mais importante, porém, do ponto de vista da garantia dos direitos fundamentais - que, afinal, em um Estado Democrático de Direito, é a tarefa maior -, são aqueles processos subjetivos, assim denominados por ensejarem a tutela direta e imediata de situações jurídicas subjetivas, inclusive aquelas que se configuram em direitos fundamentais - e tais processo, por sua vez, são resultado do exercício de ações constitucionais que são, elas próprias, garantias fundamentais e instrumentos de participação popular no Direito Constitucional. Nesse aspecto, as possibilidades oferecidas ao estudioso do direito comparado pela ordem constitucional brasileira são ainda mais promissoras.

Especial atenção merece, assim, o problema do estabelecimento de formas de participação suficientemente intensiva e extensa de representantes dos mais diversos pontos de vista a respeito da questão a ser decidida no âmbito das ações constitucionais. Page 4

Isso significa, então, que o procedimento com as garantias do "devido processo legal" (due process of law), i. e., do amplo debate, da publicidade, da igualdade das partes etc., se torna instrumento do exercício não só da função jurisdicional, como tem sido até agora, mas sim das demais funções do Estado também, donde se falar em "jurisdicionalização" dos processos legislativo e administrativo (CAPPELLETTI) e "judicialização" do próprio ordenamento jurídico como um todo. Esse é um fenômeno próprio do Direito na sociedade em seu atual estágio evolutivamente mais avançado, em direção à sua mundialização, que ainda está a merecer a devida atenção, extraindo conseqüências para uma re-orientação do pensamento jurídico, no sentido de uma maior preocupação com o "caminho" de realização do Direito, com o processo de sua concretização, já que a previsão abstrata de como resolver situações inusitadas e da complexidade daquelas que se apresentam a nós contemporaneamente, em normas com o caráter de regras de Direito material, se mostra bastante deficiente.

A "procedimentalização" (Prozeduralisierung) do Direito, de que nos fala RUDOLF WIETHÖLTER (cf. "Entwicklung des Rechtsbegriffes". In: Jahrbuch für Rechtssoziologie, Opladen: Bertelsmann, n. 8, 1982), portanto, como escrevi em outra oportunidade, "se mostra como a resposta adequada ao desafio principal do Estado Democrático de Direito, de atender a exigências sociais garantindo a participação coletiva e...

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