Estimativa da idade em odontologia legal

AutorAlana de Cássia Silva Azevedo/Ademir Franco
Páginas55-77

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1. Introdução

O processo de identificação humana em Odontologia Legal é fundamentado na comparação de informações ante-mortem (AM) e post-mortem (PM)1. As informações AM são coletadas por meio do contato com familiares de potenciais vítimas (pessoas desaparecidas), enquanto as informações PM são coletadas por meio do exame cadavérico. Essas informações podem se apresentar de diversas formas, como radiografias, tomografias, fotografias, modelos de gesso, odonto-gramas, dentre outras2.

Contudo, em muitos casos os dados AM podem não ser obtidos. Essa situação se caracteriza tanto pelo fato de a vítima nunca ter sido submetida a tratamentos odontológicos, quanto pela negligência do cirurgião-dentista no que se refere ao arquivamento de documentos clínicos. A ausência dos dados AM gera demanda de perícias antropológicas, nas quais um perfil biológico da vítima é reconstruído3. Este perfil incluirá informações acerca da idade, sexo, estatura e ancestralidade, que poderão auxiliar no processo de identificação4.

Apesar de sua evidente aplicação para o processo de identificação humana, a estimativa de idade também contribui para a esfera criminal no que concerne a imputabilidade penal — quando o suspeito, pela ausência de documentos legais, alega ser mais jovem almejando uma pena mais branda5; assim como a caracterização de crimes sexuais — quando se deseja saber a idade de vítimas jovens para estabelecer ou não vulnerabilidade. Vale-se incluir, ainda, a imigração ilegal, a qual é considerada crime em alguns países, como no Itália6. Neste contexto, requerentes de asilo são examinados e com base em critérios de aplicabilidade, como a idade estimada, viverão ou não como refugiados. Em paralelo, a estimativa de idade pode também respaldar diversas maneiras a esfera cível como, por exemplo, para a adoção.

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Diante da necessidade de conhecer a idade de um indivíduo para posicioná-lo sobre uma determinada escala de tempo. É importante compreender as diferentes idades que podem ser atribuídas a uma mesma pessoa de acordo com diferentes parâmetros. A idade cronológica ou real é aquela medida pelo calendário, é dada pelo número de meses e anos calculados a partir da data de nascimento. A idade óssea é determinada ao examinar os estágios de desenvol-vimento do esqueleto, os quais ocorrem em fases limitadas da vida. A idade dental é definida por referência a cada etapa de desenvolvimento das dentições, decídua e permanente, e as mudanças dentais degenerativas ao longo da vida que são passíveis de mensuração78.

Faz-se importante ressaltar que assim como descrito por sua etimologia, a "estimativa" de idade consiste em um processo que não determina com exatidão a idade cronológica, mas fornece um intervalo etário (quantificado em médias e desvios padrão) compatível com as características dentais e/ou ósseas examinadas no periciando. Três mecanismos biológicos fazem dos dentes estruturas confiáveis para embasar o processo de estimativa de idade. Primeiro, por sua capacidade em resistir a alterações físico-químicas de ordem ambiental, tornando-se disponíveis para exame pericial mesmo em corpos putrefeitos, carbonizados e esqueletizados9. Segundo, por sofrerem menor influência por fatores intrínsecos como distúrbios metabólicos e endocrinológicos comparados os ossos do corpo humano10. Terceiro, por compilarem as vantagens previamente descritas, expressando-as em intervalos etários consideravelmente reduzidos quando comparados novamente às estruturas esqueléticas — especialmente em indivíduos mais jovens, os quais disponibilizam uma quantidade maior de informações relacionadas a idade. Para a prática pericial, quanto menor o intervalo etário fornecido pelo método, mais preciso é o mesmo se comprovado o seu potencial para correlacionar as idades estimada e cronológica.

2. Classificação dos métodos de estimativa de IDADE

A critério organizacional e didático, os métodos para estimativa de idade são classificáveis, divididos e conceituados quanto a modalidade pela qual as informações dentais relacionadas à idade são registradas e examinadas pelo perito. É possível descrever quatro (04) categorias para os métodos de estimativa de idade:

• clínico (visual): Observação da sequência de erupção dentária e das evidências de alterações nos dentes (exemplos: atrito, alteração de cor) para estimativa da idade;

• radiográfico: Radiografias dos dentes podem ser utilizadas para determinar o estágio de desenvolvimento dentário ou avaliar alguma

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condição das estruturas internas do dente. Os métodos radiográficos são amplamente utilizados;

• histológico: Os métodos que exigem preparação dos tecidos dentais para exame microscópico detalhado e que, por conseguinte, conseguem estimar com maior acurácia o estágio de desenvolvimento do dente analisado. Técnicas histológicas são mais apropriadas para casos de pós-mortem;

• químico e físico: A análise química e física de tecidos dentais para determinar as alterações nos níveis iônicos nestes tecidos com o avançar da idade.

3. Características dentárias e os métodos para estimativa de IDADE

Uma série de métodos baseados em estabelecer uma correlação entre a idade do indivíduo e algum parâmetro significativo da estrutura dentária tem sido proposta para estimar a idade em adultos.

A acurácia, precisão, princípios ético-legais e adequação da técnica ao caso devem sempre ser considerados no momento da escolha da técnica a ser aplicada. A acurácia do método é definida pela proximidade da idade estimada com a idade cronológica, já a precisão é um indicador da reprodutibilidade do método. É de extrema importância à adoção da técnica adequada e que apresente resultados confiáveis e suficientemente acurados para que esta tenha valor e seja admitida no âmbito legal11.

O odontolegista antes de aplicar o método de estimativa da idade, quando possível for, deve realizar uma inspeção da cavidade oral e das condições dentárias, pois esta é uma etapa que complementa os métodos científicos1213. Schmeling et al.14 (2007) recomendam que a aplicação das técnicas de estimativa da idade deve ser realizada por pessoas com formação especializada e experiência forense, uma vez que estas dominam os variados métodos e sabem escolher o mais adequado para cada situação.

3. 1 Desenvolvimento dental

Dentre as diversas características dentais que viabilizam a estimativa de idade, o desenvolvimento dental possivelmente figura entre as mais utilizadas. Os motivos que popularizam a estimativa de idade pelo desenvolvimento dental incluem a praticidade das técnicas a serem aplicadas; o baixo custo dos materiais e procedimentos necessários; e sua acurácia comprovada por estudos de validação internacional.

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Em Odontologia, o primeiro contato com a estimativa de idade ocorre, possivelmente, quando do estudo da cronologia da erupção de dentes decíduos e permanentes em disciplinas como a Anatomia Dental, Odontopediatria e Ortodontia. Apesar de útil para o entendimento do fenômeno biomecânico da formação de dentição humana, o estudo da cronologia da erupção se mostra pouco efetivo quando à luz da Odontologia Legal. Isto se dá pelo fato de que a cronologia da erupção dental é sujeita a muitas alterações individuais, seja por fatores sistêmicos complexos relacionados ao crescimento e desenvolvimento humano ou até mesmo pela retenção de dentes decíduos e pela erupção tardia de seus respectivos sucessores permanentes15.

Uma vez detectada a necessidade pelo acesso a informações etárias alternativas, o processo de mineralização (calcificação dental) foi investigado objetivando resultados mais satisfatórios para a estimativa de idade. O ano de 1973 foi demarcado pelo desenvolvimento da técnica que viria a ser aquela mais amplamente estudada na literatura científica médico-odontológica. Com uma amostra de 2.928 crianças Franco-Canadesas de idades entre 2 e 20 anos, Demirjian et al.16 classificaram o desenvolvimento dos 7 dentes permanentes inferiores do lado esquerdo, do incisivo central ao segundo molar, em 8 estágios (de A-H) utilizando radiografias panorâmicas (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição dos estágios propostos por Demirjian et al.16 (1973).

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Descrição traduzida e adaptada da versão original. Para visualização dos estágios e aplicação da técnica, recomenda-se a leitura do trabalho original publicado por Demirjian et al.16 (1973) assim como sua citação em trabalhos periciais e acadêmicos.

Uma vez efetuado o registro dos estágios de desenvolvimento de cada um dos dentes, o perito deve converter estes estágios individualmente em valores estatisticamente calculados e propostos por Demirjian et al.16 (1973), por meio de consulta a tabelas elaborados com pesos diferentes para o sexo masculino e feminino (Tabela 2).

Tabela 2. Valores calculados individualmente para cada dente com base nos estágios de desenvolvimento e no sexo do periciando, como proposto por Demirjian et al.16 (1973).

Estágio 0 não apresenta calcificação. Tabela traduzida e adaptada da versão original. Para a aplicação da técnica, recomenda-se a leitura do trabalho original publicado por Demirjian et al.16 (1973) assim como sua citação em trabalhos periciais e acadêmicos.

Após a conversão de cada um dos estágios em valores individuais, deve-se somar todos os 7 valores obtidos...

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