O estatuto profissional dos arquitetos brasileiros

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas219-251

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Um bom arquiteto, hoje em dia, deve ser um generalista, muito versado em distribuição de espaço, em técnicas de construção e sistemas elétricos e mecânicos, mas também deve entender bem de finanças, bens imobiliários, comportamento humano e conduta social. Ademais, é um artista, com direito a expressar seus dogmas estéticos.

Mário Salvadori,

Por que os edifícios ficam de pé

I Introdução

Todas as profissões liberais extraem suas competências privativas da Constituição Federal. Trata-se de regra derivada da liberdade de trabalho. O art. 5º/XIII da Constituição de 1988 diz: ”é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atentidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A cláusula final tem origem remota na Constituição Imperial de 1824, que dispunha: “Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria e comércio, pode ser proibido uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e à saúde dos Cidadãos (art. 179/XXIV). Portanto, a liberdade de trabalho pode ser contida ou restringida pela lei ordinária ao estabelecer certas qualificações específicas ou “condições de capacidade”, como dizia a Constituição anterior, para o exercício de algumas

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delas. Os profissionais liberais sujeitam-se a um regime restritivo porque exercem atividades com potencial dano social e que “assentam numa necessária tensão dialética entre capacidade e liberdade, e entre liberdade e responsabilidade”1. Assim, as leis exigem prévia formação universitária. É o caso da lei do CAU que contempla expressamente, no art. 6º/II, a necessidade de diploma de graduação em Arquitetura e Urbanismo, além do registro na corporação profissional.

O Brasil já conheceu três diplomas legais disciplinando, em termos nacionais, o exercício da profissão de arquiteto. O primeiro deles foi o Decreto federal nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, baixado pelo Chefe do Governo Provisório da República Federativa do Brasil e que regulava o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor (este depois substituído pelo agrônomo). A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB fora criada em 1930, no mesmo processo histórico de institucionalização do país. Mas é certo que havia, antes disso, algumas leis estaduais regulamentadoras da profissão de arquiteto. Em São Paulo, por exemplo, era a Lei nº 2.022, de 27 de dezembro de 1924, que, dentre outras hipóteses, permitia o exercício da profissão àqueles que contassem mais de cinco anos de prática “no território do Estado”, mesmo sem diploma. Por isso, chamavam-se “práticos”2. O registro dos profissionais realizava-se na Secretaria da Agricultura que publicaria, semestralmente, a relação dos profissionais habili-

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tados (art. 2º). Estas leis estaduais já reuniam, em estranha “simbiose”, engenheiros e arquitetos3.

O segundo diploma foi a Lei nº 5194, de 24 de dezembro de 1966, que “regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo” e ainda vigora para os engenheiros, agrônomos, agrimensores, geólogos, geógrafos, etc. O sistema CREAs/ CONFEA agigantou-se de tal forma, com o avanço da tecnologia (= conhecimento científico transformado em produto) que hoje somam várias dezenas as profissões ou habilitações por ele fiscalizadas. Escapando desse sistema, o terceiro diploma é a chamada “lei do CAU”, abaixo reproduzida, Lei nº 12.378, de 31 de dezembro de 2010 que regula apenas o exercício da Arquitetura e Urbanismo.

A autonomia corporativa dos arquitetos era longamente aguar-dada porque sempre reivindicada. Houve tentativas anteriores de criação de uma entidade fiscalizadora própria em 1958, 1994 e 2007. Este último projeto, aprovado pelo Congresso Nacional, foi vetado pelo Presidente da República no dia 31 de dezembro de 2007 em razão de inconstitucionalidade formal derivada de vício de iniciativa. Ocorre que o projeto era de autoria do senador José Sarney enquanto a Constituição Federal determina que entidades autárquicas só podem ser criadas por lei de iniciativa do Executivo, por se tratar de estrutura da Administração Pública. Porém, ao vetar, o Presidente assumiu o compromisso de encaminhar outro projeto, formalizado pela Casa Civil, que veio a ser convertido na lei do final de 2010.4

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Em 2011, o CAU encontra-se em processo de organização e instalação (v. www.cau.org.br). Apenas os arts. 56 e 57 desta lei estão vigentes e eficazes. São normas de transição permitindo eleições para os conselhos estaduais e federal e alguma receita para viabilizar o primeiro processo eleitoral e a posterior instalação dos órgãos de fiscalização (v. art. 68). Os demais dispositivos, embora vigentes, só ganharão eficicácia quando forem instalados em definitivo os conselhos que poderão, então, passar exercer a fiscalização do exercício profissional da Arquitetura no Brasil.

Um dos principais temas da lei consiste na delimitação dos campos competenciais de engenheiros e arquitetos, que antes conviviam numa mesma corporação. O art. 3º/§§ 4º e 5º prevê a edição de resolução conjunta CAU-BR/CONFEA e ainda, decisão arbitral ou judicial, caso não haja acordo a respeito. De modo surpreendente, a lei não decidiu o assunto – tal como deveria, sendo marco decisório democrático (função pacificadora do Direito) – e delegou-o para instâncias outras, o que será causa de muitas polêmicas e grande insegurança. Porém, enquanto continuar o impasse deve-se aplicar a regra que garanta ao profissional, na dicção legal, “a maior margem de atuação”.

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II A lei do CAU/BR - Lei nº 12.378/104

Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/ BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Âmbito de abrangência5

Art. 1º O exercício da profissão de arquiteto e urbanista passa a ser regulado por esta Lei.

Atribuições de Arquitetos e Urbanistas

Art. 2º As atividades e atribuições do arquiteto e urbanista consistem em6:

I – supervisão, coordenação, gestão e orientação técnica;

II – coleta de dados, estudo, planejamento, projeto e especificação;

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III – estudo de viabilidade técnica e ambiental;

IV – assistência técnica, assessoria e consultoria;

V – direção de obras e de serviço técnico;

VI – vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo, parecer técnico, auditoria e arbitragem;

VII – desempenho de cargo e função técnica;

VIII – treinamento, ensino, pesquisa e extensão universitária;

IX – desenvolvimento, análise, experimentação, ensaio, padronização, mensuração e controle de qualidade;

X – elaboração de orçamento;

XI – produção e divulgação técnica especializada; e
XII – execução, fiscalização e condução de obra, instalação e serviço técnico.

Parágrafo único. As atividades de que trata este artigo aplicam-se aos seguintes campos de atuação no setor:
I – da Arquitetura e Urbanismo, concepção e execução de projetos; II – da Arquitetura de Interiores, concepção e execução de projetos de ambientes;

III – da Arquitetura Paisagística, concepção e execução de projetos para espaços externos, livres e abertos, privados ou públicos, como parques e praças, considerados isoladamente ou em sistemas, dentro de várias escalas, inclusive a territorial;

IV – do Patrimônio Histórico Cultural e Artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, restauro, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades;

V – do Planejamento Urbano e Regional, planejamento físico-territorial, planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional fundamentados nos sistemas de infraestrutura, saneamento básico e ambiental, sistema viário, sinalização, tráfego e trânsito

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urbano e rural, acessibilidade, gestão territorial e ambiental, parcelamento do solo, loteamento, desmembramento, remembramento, arruamento, planejamento urbano, plano diretor, traçado de cidades, desenho urbano, sistema viário, tráfego e trânsito urbano e rural, inventário urbano e regional, assentamentos humanos e requalificação em áreas urbanas e rurais;

VI – da Topografia, elaboração e interpretação de levantamentos topográficos cadastrais para a realização de projetos de arquitetura, de urbanismo e de paisagismo, foto-interpretação, leitura, interpretação e análise de dados e informações topográficas e sensoriamento remoto;

VII – da Tecnologia e resistência dos materiais, dos elementos e produtos de construção, patologias e recuperações;

VIII – dos sistemas construtivos e estruturais, estruturas, desenvolvimento de estruturas e aplicação tecnológica de estruturas;

IX – de instalações e equipamentos referentes à arquitetura e urbanismo;

X – do Conforto Ambiental, técnicas referentes ao estabelecimento de condições climáticas, acústicas, lumínicas e ergonômicas, para a concepção, organização e construção dos espaços;

XI – do Meio Ambiente, Estudo e Avaliação dos Impactos Ambientais, Licenciamento Ambiental, Utilização Racional dos Recursos Disponíveis e Desenvolvimento Sustentável.

Art. 3º Os campos da atuação profissional para o exercício da arquitetura e urbanismo são definidos a partir das diretrizes curriculares nacionais que dispõem sobre a formação do profissional arquiteto e urbanista nas quais os núcleos de conhecimentos de fundamentação e de conhecimentos profissionais caracterizam a unidade de atuação profissional7.

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§ 1º O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR especificará, atentando para o disposto no caput, as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas8.

§ 2º Serão consideradas privativas de profissional especializado...

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