O Estatuto de Defesa do Torcedor

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada e sócia do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados / Advogado e sócio do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados
Páginas131-149

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1. Introdução

m 15 de maio de 2003 foi promulgada a Lei n. 10.671, conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT),

E que foi editada no intuito de proteger os interesses do “consumidor dos esportes”,251 impondo que as instituições responsáveis pelo desporto no país se estruturem de maneira organizada, transparente, segura e justa, viabilizando a todos o direito constitucional ao esporte.

Em 2010 foram implementadas diversas alterações ao EDT com a promulgação da Lei n. 12.299, sendo mantida, todavia, sua essência de primar pela segurança do torcedor, como demonstra todo capítulo dedicado à criminalização de condutas, em clara tentativa de se reduzir a violência no desporto.

O EDT foi objeto de questionamento judicial pela ADI n. 2.937/DF, que alegava a inconstitucionalidade de alguns artigos da norma. O Supremo Tribunal Federal (STF), entretanto, declarou a Lei Federal n. 10.671/2003 constitucional:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Arts. 8º, I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, parágrafo único, 32, caput, e §§ 1º e 2º, 33, parágrafo único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da Lei Federal
n. 10.671/2003. Estatuto de Defesa do Torcedor. Esporte. Alegação de incompetência legislativa da União, ofensa à autonomia das entidades desportivas, e de lesão a direitos e garantias individuais. Vulneração dos arts. 5º, incs. X, XVII, XVIII, LIV, LV e LVII, e § 2º, 18, caput, 24, inc. IX e § 1º, e 217, inc. I, da CF. Não ocorrência. Normas de caráter geral, que impõem limitações válidas à autonomia relativa das entidades de desporto, sem lesionar direitos e garantias individuais. Ação julgada improcedente. São constitucionais as normas constantes dos arts. 8º, I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, parágrafo único, 32, caput e §§ 1º e 2º, 33, parágrafo único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da Lei federal n. 10.671/2003, denominada Estatuto de Defesa do Torcedor.252

O primeiro capítulo, que trata das disposições gerais, recebeu em 2010 o art. 1º-A, que passou a estabelecer que:

Art. 1º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.

Com a necessidade visível não só de combater, mas de prevenir a violência presente nos espetáculos esportivos, o legislador definiu que a responsabilidade pela prevenção da violência ficaria a cargo não só dos organizadores do evento, mas também daqueles que estão relacionados diretamente ao desporto e ao espetáculo esportivo em si: poder público, confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas, associações de torcedores e seus dirigentes.

O art. 2º, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor (CDC), define quem pretende amparar, o torcedor, “que é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.”

Diferentemente do que alguns imaginam, portanto, o Estatuto é aplicado ao torcedor de qualquer modalidade esportiva e não só do futebol. O parágrafo único do citado artigo traz a presunção relativa (juris tantum) dos elementos caracterizadores do torcedor, o que é importante na definição ou resolução de situações concretas.

Dando continuidade à definição de torcedor, o art. 2º-A passou a definir torcida organizada e os requisitos de cadastro de seus membros:

Art. 2º-A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.

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Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:

I – nome completo;

II – fotografia;

III – filiação;

IV – número do registro civil;

V – número do CPF;

VI – data de nascimento;

VII – estado civil;

VIII – profissão;

IX – endereço completo; e

X – escolaridade.

A manutenção desses cadastros atualizados é de fundamental importância para a responsabilização por atos de violência, bem como por eventos danosos relacionados ao espetáculo esportivo.

O art. 3º equipara a entidade responsável pela organização da competição à figura do fornecedor definido na Lei n.
8.078/90253 e prescreve, em suma, que para todos os efeitos da lei, a entidade que organizar a competição (confederação ou federação, em regra) e o clube que tiver o mando de jogo respondem objetivamente pelos danos causados ao torcedor por defeito relativo à prestação do serviço, informação insuficiente ou inadequada sobre o uso e risco deste serviço.

2. Transparência na organização

O Capítulo II do EDT versa a respeito da transparência na organização das competições esportivas, o que reflete a preocupação do legislador em garantir a suficiência e adequação das informações prestadas ao torcedor pelo serviço que irá usufruir, sob pena de se caracterizar o defeito na prestação deste e, consequentemente, a condenação dos responsáveis, nos termos do já citado art. 3º.

Outra garantia assegurada é a publicidade quanto a alguns aspectos das competições, o que se reflete no § 1º

do art. 5º, que prevê que as entidades organizadoras da competição devem divulgar em seu sítio na internet algumas informações básicas:

Art. 5º

(...)

§ 1º As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio da entidade responsável pela organização do evento:

I – a íntegra do regulamento da competição;

II – as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário;

III – o nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição de que trata o art. 6º;

IV – os borderôs completos das partidas;

V – a escalação dos árbitros imediatamente após sua definição; e

VI – a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local.

Além da divulgação via internet, tanto os borderôs (espécie de boletim financeiro) quanto a escala dos árbitros deverão ser afixados “ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo”.

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Outro importante item do mesmo dispositivo é a obrigação dos Magistrados em comunicar às entidades de administração do desporto sobre “decisão judicial ou aceitação de proposta de transação penal ou suspensão do processo que implique o impedimento do torcedor de frequentar estádios desportivos”, evitando que aqueles torcedores identificados, punidos e impedidos de ir ao estádios compareçam ao local sem permissão.

O art. 6º discorre sobre o ouvidor, figura equivalente à de um ombudsman;254 ou seja, aquela pessoa que ouve as reclamações e sugestões dos torcedores (consumidores) para levá-las aos responsáveis por analisá-las, implementando assim mudanças com o objetivo de aprimorar a organização da competição.

A lei não estabelece requisitos para ocupar o cargo — qualquer pessoa maior e capaz pode exercê-lo —, geralmente há remuneração, com quantia estabelecida no regulamento competição, que fixa um valor a ser pago por partida.

O mesmo artigo assegura ao torcedor “o amplo acesso ao Ouvidor da Competição, mediante comunicação postal ou mensagem eletrônica” e o direito a receber desse ouvidor, “as respostas às sugestões, propostas e reclamações, que encaminhou, no prazo de trinta dias”. Para tais respostas, o ouvidor deverá utilizar “prioritariamente, o mesmo meio de comunicação utilizado pelo torcedor para o encaminhamento de sua mensagem.” Por fim, o dispositivo prevê que o site da internet da entidade de organização da competição que divulgar as informações como regulamentos, tabelas e outros, deverá divulgar também as manifestações e propostas desse ouvidor.

O art. 7º estabelece o direito do torcedor da divulgação, durante a partida, pela entidade responsável pela organização da competição, da renda obtida em decorrência da venda de ingressos e do número de espectadores pagantes e não pagantes. Fato é, porém, que antes mesmo da existência desta norma já era praxe as entidades de administração do futebol divulgarem essas informações.

O art. 8º, último do capítulo II, versa sobre um calendário anual de eventos oficiais esportivos:

Art. 8º As competições de atletas profissionais de que participem entidades integrantes da organização desportiva do País deverão ser promovidas de acordo com calendário anual de eventos oficiais que:

I – garanta às entidades de prática desportiva participação em competições durante pelo menos dez meses do ano;

II – adote, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, sistema de disputa em que as equipes participantes conheçam, previamente ao seu início, a quantidade de partidas que disputarão, bem como seus adversários.

Sendo o estatuto aplicável a qualquer modalidade profissional, o mencionado dispositivo não é razoável quanto à garantia de participação em competições por no mínimo dez meses ao ano. O número é possível quanto ao futebol, porém, em razão da realidade financeira e estrutural das competições de outras modalidades, o seu cumprimento não é razoável.

3. Regulamento da competição

O art...

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