Estabilização de procedimentos decisórios em casos envolvendo a liberdade de expressão no STF: um estudo sobre os efeitos associados à má operacionalização da regra da proporcionalidade

AutorJohann Meerbaum
Páginas131-253
Resumo
A partir do estudo de nove julgados, o presente trabalho analisa o rigor meto-
dológico dos ministros do STF na aplicação da regra da proporcionalidade em
casos que envolvem o princípio da liberdade de expressão. Paralelamente, o
estudo busca averiguar se os ministros desenvolvem outros roteiros argumen-
tativos estáveis aptos a criar parâmetros claros para decisões futuras. Na etapa
propositiva do trabalho, sugerimos que a ausência de estabilização de proce-
dimentos decisórios tende a gerar um desincentivo àqueles que procuram se
engajar em atos discursivos.
Palavras-chave
Regra da proporcionalidade — estabilização de procedimentos decisórios —
chilling effect.
1. Considerações introdutórias
i. Palavras místicas1
Quando uma palavra designa um procedimento, ela, a palavra, não carrega em
     -
signado. Igualmente, quando um ministro evoca a palavra “proporcionalidade”,
referindo-se a um procedimento de aplicação de princípios jurídicos a casos
concretos, a sua voz não conduz de imediato à ação de efetiva operacionaliza-
ção do procedimento referido.
ii. Legitimidade das reivindicações ou ganhos condicionais
Um procedimento impõe um modo de agir, um comportamento. Em geral, a
conformação às regras de um procedimento assegura ganhos e benefícios
àqueles que se esforçam em segui-las corretamente. Sendo assim, engajar-
-se em um procedimento significa ambicionar as vantagens que resultam da
consecução de suas imposições. Contudo, a reivindicação legítima de tais
ESTABILIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DECISÓRIOS EM
CASOS ENVOLVENDO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO
STF: UM ESTUDO SOBRE OS EFEITOS ASSOCIADOS À MÁ
OPERACIONALIZAÇÃO DA REGRA DA PROPORCIONALIDADE
JOHANN MEERBAUM
132 COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2017
vantagens requer que o modo de agir se ajuste às exigências previamente
estabelecidas.
iii. Proporcionalidade como um procedimento
Segundo Robert Alexy, princípios são mandamentos de otimização.2Consequen-
temente, qualquer restrição ao âmbito de proteção de um princípio deve ser
precedida de um procedimento argumentativo capaz de garantir que o seu con-
teúdo normativo seja realizado “na maior medida do possível”.3 Os instrumentos
metodológicos que compõem a estrutura da regra da proporcionalidade criam

principiológicos. Os exames da adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito suprimem intervenções negativas que possam ser evitadas “sem
custo” para outros princípios. Por isso, aplicar a regra da proporcionalidade sig-

iv. Ganhos associados à proporcionalidade: correção e segurança
A correção (ou legitimidade) dos resultados associados à operacionalização
da proporcionalidade decorre da própria racionalidade do procedimento e
       4 Resultados
que garantem um grau de satisfação ótima no cumprimento dos princípios
     5
Na teoria dos princípios, fundamentabilidade se traduz na aplicação da regra
da proporcionalidade.
Normativamente, a proporcionalidade funciona como uma solução aos
problemas de incertezas relacionados à aplicação de princípios jurídicos a ca-
sos concretos. A apresentação de pontos referenciais auxilia o exercício do
controle intersubjetivo da correção de decisões jurídicas, assim como a racio-
nalização da autointerpretação dos participantes dessa práxis jurídica. Con-
tudo, só podemos reivindicar legitimamente os ganhos de racionalidade as-
sociados à proporcionalidade se o modo de agir do tomador de decisão se
conformar às exigências estabelecidas pelo roteiro argumentativo imposto
pelo próprio procedimento.
v. Hipótese 1
    
ministros do STF não operacionalizam corretamente a regra da proporcionalidade.
vi: cisão entre o ser e o dever ser
O sucesso da proporcionalidade se sujeita ao atendimento do rigor me-
todológico intrínseco à estrutura desse procedimento. Decisões que não
ESTABILIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DECISÓRIOS 133
formulam explicitamente os juízos envolvidos no processo de balancea-
mento acabam por não satisfazer as condições restritivas impostas pela
proporcionalidade. Contra a pretensão metodológica de Alexy, poder-se-ia
alegar que a transposição perfeita das regras da racionalidade prática ge-
ral aos discursos jurídicos é impossível. Contudo, disso não resulta que a
argumentação jurídica não deva ser auxiliada pelas teorias procedimentais
de correção prática, como, por exemplo, a regra da proporcionalidade. A
despeito da distância entre o real e o ideal, entre o ser e o dever ser, a teo-
ria do discurso racional funciona como uma ideia regulativa prescrevendo
critérios para a verificação da correção da fundamentação jurídica e das
decisões que lhe seguem.
Se por um lado nenhum homem nunca esteve e nunca estará inserido em
uma conjuntura na qual o discurso ideal seja possível, por outro lado, e caso a
teoria do discurso racional esteja realmente correta, abdicar por completo as
regras de racionalidade discursiva, alargando ainda mais as rupturas irrepará-
veis entre o racional e o irracional, pode resultar na frustração de compromis-
sos caros a qualquer sistema jurídico democrático.
vii. Roteiros argumentativos estáveis
O presente trabalho se preocupa com a frustração de um dos compromissos
que reputamos importante ao Direito, isto é, a segurança jurídica. Acreditamos
que quando a proporcionalidade é operada de forma discricionária, à margem
das regras impostas por sua própria estrutura, ela conduz à incerteza jurídica e
ao subjetivismo. A incerteza jurídica pode gerar receios e desincentivos àque-
les que pretendem se engajar em atos discursivos.
Se de fato existe um vínculo entre segurança jurídica e a estabilização
de procedimentos decisórios, nada mais natural que exijamos dos operadores
do Direito o esforço em tornar o mais transparente possível a fronteira entre
o uso e o abuso. Por isso, consideramos que ausência de rigor metodológico
na operacionalização da proporcionalidade pode ser superada por meio da
criação de outros roteiros argumentativos estáveis. Entretanto, procedimen-
tos igualmente aptos a criar pontos de referências às decisões judiciais futuras
também devem ser operacionalizados concretamente, de forma que a mera
 
exigências estruturais.
viii. Hipótese 2
A insegurança jurídica causada pela instabilidade dos procedimentos decisó-
rios em decisões envolvendo a liberdade de expressão pode gerar uma espécie
de autocensura discursiva (chilling effect).

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