Estabilidade temporária e o anacronismo das OJs 365 e 369 da SBDI-1 do TST

AutorFabio A. Rapp Porto
Ocupação do AutorAdvogado. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela Unisal. Extensão em Direito Civil, Contratos e Processo Civil pela EPD
Páginas38-50

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Ver nota 1

1. Introdução

O trabalho tem por objetivo apresentar ao leitor uma forma diferente de olhar o mesmo instituto, neste caso, sob a perspectiva dos direitos fundamentais. Publicamos um artigo denominado "Jus-Humanismo Normativo - um novo olhar do observador" que - embora a temática seja outra -, acreditamos ter o mesmo embrião, isto é, lançar novo olhar aos mesmos institutos do direito, a fim de tentar alocá-lo em uma nova perspectiva do direito, com o fito de atender melhor aos anseios da sociedade.

Nessa toada, apontamos o anacronismo das OJs ns. 365 e 369 da SBDI-1, pois deixa à míngua seus representantes, ainda que estes não tenham formalmente alçado ao posto de representantes, mas, inexoravelmente, alcançaram faticamente.

Em meus estudos, sejam eles acadêmicos ou da vida prática, a inquietação era diuturna, no tocante aos Tribunais Superiores tentarem a todo custo encontrar posicionamento dominante e vinculante aos assuntos que permeiam a sociedade.

Assim, sempre me vi na obrigação de partilhar com os colegas de labuta acadêmica as minhas inquietações, com o fim de, por intermédio de ponderações e reflexões, encontrarmos um caminho seguro, sem o cabresto que o Judiciário a todo tempo tenta nos colocar por meio de suas orientações de jurisprudência.

Dessarte, iremos observar esses velhos institutos sob o prisma dos direitos fundamentais, pois alguns ainda não creem que exista eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, em especial nas relações de direito coletivo e, por específico, nas relações sindicais, objeto do nosso trabalho.

Ressalto que, pelos escritos e pela minha eloquência, aquecida pela minha juventude, certamente não obteria êxito na defesa deste meu trabalho. Por essa razão, irei furtar dos valiosos ensinamentos do Prof. Renato Rua de Almeida, em que,

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além de afirmar a possibilidade da eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, sempre nos faz ponderar e rever concepções preestabelecidas de velhos institutos, com o objetivo de evoluirmos jurídica e espiritualmente. Outrossim, ensina-nos o Ilmo. Prof. Dr. Renato Rua de Almeida:

Não apenas dos direitos trabalhistas específicos, seja dos direitos individuais, seja dos direitos coletivos, mas também os direitos de cidadania dos trabalhadores, como os direitos de personalidade.

Os direitos de personalidade estão relacionados à inviolabilidade da vida privada dos trabalhadores, hoje traduzidas pela liberdade de expressão e opinião, da integridade física e moral, reserva da intimidade da vida privada (a questão da revista), proteção de dados pessoais, controle do uso pelo empregador dos meios de vigilância à distância, com finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, direito à confidencialidade de mensagens e de acesso à informação, com a garantia da utilização do correio eletrônico (Internet), embora possa o empregado estabelecer regras de utilização desses meios.

(...)

A eficácia dos direitos fundamentais específicos e inespecíficos dos trabalhadores nas relações de trabalho é exigência de uma dogmática do Direito do Trabalho, justamente quando se vive uma certa relativização do princípio protetor ou do "favor laboratoris", num momento em que os pressupostos tradicionais do Direito do Trabalho modificaram-se com a mudança dos fatos socioeconômicos, sobretudo a figura da hipossuficiência do trabalhador, hoje compreendendo tipos variados como o alto empregado e o diretor empregado, e também em razão do porte econômico das empresas, que no Brasil 99,3% é representado por micro e pequenas empresas, reclamando uma legislação trabalhista diferenciada2.

Como visto, após essa majestosa lição do Prof. Renato Rua de Almeida torna-se mais fácil a minha missão, no caso, de defender que as referidas OJs se encontram anacrônicas e merecem ser repensadas, principalmente sob a ótica dos direitos fundamentais, como bem observa o Professor Renato "(...) A eficácia dos direitos fundamentais específicos e inespecíficos dos trabalhadores nas relações de trabalho é exigência de uma nova dogmática do Direito do Trabalho"; portanto, após este conselho sábio, façamos o exercício de encontrarmos nova dogmática a estas duas OJs, que envolvem assuntos de extraordinária grandeza, como por exemplo: representatividade, proteção ao emprego, eficácia do sistema sindical, bem como das funções sindicais, bem-estar dos integrantes dos sindicatos na consecução dos seus

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trabalhos. Alerto que este singelo trabalho não tem pretensão de esgotar o tema, mas trazer a discussão à tona.

2. Estabilidade temporária

Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, necessário fazermos alguns apontamentos sobre a estabilidade temporária, que protege aqueles que representam e defendem os interesses coletivos da categoria.

A estabilidade é uma fórmula de proteção aos trabalhadores contra a despedida imotivada; no caso em tela, estamos diante da estabilidade temporária ou provisória, direcionada aos trabalhadores eleitos para o cargo de dirigentes sindicais.

Essa proteção - denominada garantia provisória de emprego -, aplicada aos eleitos representantes sindicais, talvez seja a mais importante de todas as garantias, pois protege os trabalhadores eleitos contra a dispensa unilateral e sem justo motivo do empregador.

Os representantes necessitam de tal proteção, uma vez que formulam pleitos para a solução de interesses divergentes, tanto de natureza individual como coletiva, postulados que podem, conforme as circunstâncias, se transformar em disputas, na maior parte solucionadas de forma consensual e, em outras, gerando conflitos.

Com essa exposição exacerbada por parte dos representantes, importante se faz a concessão de proteções, como, por exemplo, a garantia temporária de que não irão ser dispensados sem que haja justo motivo, visto que com essa exposição eles ficam em posição de total vulnerabilidade, podendo sofrer perseguições e represálias dos patrões.

Essa garantia não tem só o cunho de proteção contra a despedida arbitrária, mas de assegurar uma atuação destemida e eficaz dos representantes, a fim de atingirem os objetivos perseguidos pela classe.

Fica evidente a importância da existência dessa proteção aos representantes sindicais; contudo, a positivação dessa garantia no sistema jurídico brasileiro só ocorreu na década de 60, pelo art. 25 da Lei n. 5.107/66 e, posteriormente, de modo mais claro e abrangente, pelo Decreto-lei n. 229/67 e por dispositivos legais substituintes. Cabe destacar que antes da positivação apontada acima, a redação do art. 543 da CLT:

apenas previa que o exercente de cargo de administração sindical ou representação profissional não poderia, por motivo de serviço, ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido sem causa justificada, a juízo do Ministério do Trabalho da época, para lugar ou mister que lhe dificultasse ou tornasse impossível o desempenho da comissão ou do mandato3.

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Observa-se que a última modificação legislativa referente à estabilidade do dirigente sindical foi introduzida pela Lei n. 7.543/86, conforme consta do § 3º do art. 543 da CLT:

Art. 543. O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais. (...) § 3º. Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação.

Inobstante, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi introduzido o assunto no Texto Maior pelo art. 8º, VIII, com a seguinte redação:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

O prof. Luciano Martinez faz um apontamento interessante no tocante aos dois dispositivos em questão, pois ao fazermos um comparativo entre o § 3º do art. 543 da CLT e o inciso VIII do art. 8º da CF e verificamos que o legislador constitucional fez desaparecer a estabilidade que antes se outorgava a quem ocupava cargo de direção ou representação de associação profissional. O motivo pelo qual isso ocorreu foi que a associação profissional deixou de ser etapa obrigatória para a construção de uma entidade sindical e, portanto, seria incoerente conceder estabilidade a um indivíduo que não possui representatividade, nem mesmo representação.

Outro ponto interessante observado pelo Dr. Luciano Martinez refere-se ao fato de a CF/88 empregar a expressão "empregados sindicalizados" para indicar aqueles que podem se candidatar a cargo de direção sindical, não fazendo distinção entre associados e não associados, contrapondo, certamente, o § 3º do art. 543 da CLT que contém a...

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