Estabilidade e garantias de emprego. Indenizações rescisórias - FGTS

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1377-1419

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I Introdução

O presente capítulo examinará quatro institutos importantes do Direito do Trabalho, todos inter-relacionados ao contexto do término do contrato empregatício.

Há, de um lado, as estabilidades no emprego, cujo mais tradicional exemplo surgiu dos primórdios da legislação trabalhista no Brasil, ainda antes de 1930, incorporando-se, em 1943, à Consolidação das Leis do Trabalho: era a estabilidade adquirida pelo obreiro aos 10 anos de serviço para o respectivo empregador.

Com a revogação (não recepção) da estabilidade celetista pela Constituição de 1988, esta despontou responsável pelo estabelecimento de dois outros importantes exemplos de estabilidade empregatícias no Direito brasileiro: a do art. 19 do ADCT constitucional e a do art. 41 da Constituição.

Neste capítulo será feito o exame também das possibilidades e limites para a concessão de estabilidades pelo regulamento da própria entidade empregadora.

De outro lado, há as garantias provisórias de emprego, também chamadas estabilidades provisórias ou temporárias. Tais situações especiais advêm do período anterior à nova Constituição, embora tenham ganhado maior relevância e diversificação após seu advento.

O terceiro instituto importante relacionado ao contexto do término do contrato empregatício são as indenizações por tempo de serviço e demais indenizações rescisórias.

A mais tradicional de tais figuras é a indenização por tempo de serviço, prevista no antigo texto da CLT: própria aos contratos de duração indeterminada de mais de um ano de extensão, calculada à base de um mês remuneratório por ano ou fração igual ou superior a seis meses, era paga nas rupturas que não resultassem de motivos provocados pelo próprio trabalhador. Se o empregado alcançasse dez anos de serviço, sua proteção jurídica passava a ser qualitativamente maior, uma vez que conquistava a estabilidade no emprego, segundo a Consolidação. Contudo, também esta indenização celetista foi revogada (não recepcionada) pela Constituição de 1988.

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Existem, porém, outras indenizações rescisórias a serem examinadas no Direito do Trabalho brasileiro. Embora sem a magnitude da velha indenização celetista, cumprem papel ainda significativo nas situações de término do contrato de trabalho.

Há, por fim, o instituto do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Criado pela Lei n. 5.107, de 1966, e hoje regulado pela Lei n. 8.036, de 1990, a figura, de certo modo, poderia também ser enquadrada no grupo das indenizações por tempo de serviço e rescisórias, uma vez que, ao menos em parte, aproxima-se desses institutos trabalhistas. Contudo, na verdade, o FGTS é instituto significativamente mais complexo, mantendo-se, hoje, como patrimônio do empregado mesmo em rupturas por justa causa operária ou pedido de demissão pelo obreiro (embora, nestes casos, o trabalhador não possa sacar, na rescisão, o Fundo). A par disso, o instituto transborda as restritas fronteiras do Direito do Trabalho, uma vez que não se limita, inclusive, a uma natureza estritamente trabalhista. Por tais razões, deve ser examinado em separado, ao final do presente capítulo.

Registre-se, por fim, que o advento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, no Direito brasileiro, na década de 1960, é que iniciou o debacle do sistema celetista de indenização por tempo de serviço e estabilidade decenal no emprego. Por essa razão, antes deste capítulo adentrar no exame dos quatro institutos acima especificados, analisará, no item II, à frente, esse processo de eclipsamento do modelo da CLT e afirmação do modelo do FGTS.

II As antigas estabilidade e indenização celetistas e o regime do FGTS

O Direito do Trabalho brasileiro, no que toca aos princípios da continuidade da relação de emprego e da inserção do trabalhador na empresa, desde sua origem, mesmo na fase denominada de manifestações incipientes e esparsas, buscou criar mecanismos de afirmação de tais princípios, valorizando a permanência do vínculo empregatício e a mais profunda inserção do obreiro na vida e dinâmica empresariais.

Nesta linha, ainda na década de 1920, por meio da Lei Previdenciária
n. 4.682, de 24.1.1923 (Lei Elói Chaves), que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, foi garantida “estabilidade, depois de 10 anos de serviços, aos empregados daquela categoria profissional”1. Segundo Russomano, alguns “anos depois, essa norma foi ampliada, de molde a atingir aos empregados de todas as empresas ferroviárias (Decreto n. 5.109,

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de 20 de dezembro de 1926), e, logo no ano imediato, os portuários, nas mesmas condições, foram amparados pela estabilidade”2.

No período pós-1930, denominado de institucionalização do Direito do Trabalho, o sistema estabilitário ampliou-se e sofisticou-se. Pela Lei n. 62, de
5.1.1935, a estabilidade deixou de “ligar-se à previdência, passando a constar de diploma legal relativo ao contrato de trabalho”3, generalizando-se para o mercado laborativo urbano. Viria a constar, logo em seguida, da Carta de 1937, do corpo da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, e, finalmente, da Constituição de 1946, que a estendeu também aos trabalhadores rurais (art. 157, XII)4.

Juntamente com a estabilidade decenal, previu-se a indenização por tempo de serviço, em seguida ao cômputo do primeiro ano contratual, verba que seria calculada por ano ou fração igual ou superior a seis meses (arts. 477, caput, e 478, caput, Decreto-lei n. 5.452, de 1.5.1943 — CLT). Enquanto a indenização celetista criava óbice econômico significativo e crescente às dispensas sem justa causa, a estabilidade adquirida aos dez anos aprofundava esse obstáculo, transmutando-o de seu estrito caráter econômico para outro, essencialmente jurídico. A partir desse instante, a dispensa do empregado seria possível apenas por meio de inquérito judicial apuratório de falta grave do obreiro.

1. Antigo Modelo Jurídico Celetista

Como visto, o modelo celetista clássico impunha forte contingenciamento à vontade empresarial quanto à ruptura desmotivada do contrato de emprego. Previa esse modelo a combinação de duas sistemáticas: em primeiro lugar, a presença de indenizações crescentes em virtude do tempo de serviço, em situações de dispensas desmotivadas anteriores a dez anos (antigos artigos 477 e 478, caput, CLT, hoje tacitamente revogados); em segundo lugar, a presença da estabilidade no emprego, após dez anos de serviço junto ao mesmo empregador — prazo que fora jurisprudencialmente reduzido para efetivos nove anos de serviço (art. 492, CLT; antigo Enunciado n. 26, TST).

É claro que o velho modelo não impedia, do ponto de vista estritamente jurídico, o exercício unilateral, pelo empregador, da faculdade de rompimento injustificado de contratos inferiores a dez anos (ou nove anos, segundo a jurisprudência). Mas estabelecia significativo óbice de caráter econômico-

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-financeiro, consubstanciado na crescente indenização por tempo de serviço, calculada à base da maior remuneração obreira por ano contratual ou fração igual ou superior a seis meses (caput dos arts. 477 e 478, CLT). Ainda que fosse viável, juridicamente, o exercício potestativo da prerrogativa de rompimento unilateral do contrato (antes de dez anos — ou nove, segundo a jurisprudência), tal exercício era, do ponto de vista econômico, fortemente restringido.

Adquirida a estabilidade, entretanto, surgia obstáculo jurídico intransponível, contra o qual não poderia prevalecer o simples ato desmotivado do empregador visando a ruptura do pacto empregatício (arts. 492 a 500, CLT). Não havia, desse modo, na época, possibilidade jurídica para a denúncia vazia do contrato, a contar do décimo ano de labor na empresa (ou até menos, nono ano, conforme a jurisprudência dominante: Enunciado 26, TST).

Conforme já exposto, o sistema celetista tradicional traduzia enfático elogio aos princípios da continuidade da relação de emprego e da integração do trabalhador na vida e na dinâmica da empresa, uma vez que implementava forte contingenciamento ao exercício potestativo da vontade empresarial nas rupturas de contratos trabalhistas. Observe-se que a Constituição de 1946 acolhia inteiramente esse sistema e o elogio que representava, ao fixar como direito dos trabalhadores “estabilidade na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e condições que a lei estatuir” (art. 157, XII, CF/46)5.

2. O FGTS e a Liberalização do Mercado de Trabalho

O sistema estabilitário celetista sempre sofreu críticas, que denunciavam sua rigidez, tida como impermeável e excessiva. Werneck Vianna aponta que pesquisa “dirigida pela Universidade de Harvard, no início dos anos 60, com o propósito de conhecer as opiniões dos empresários brasileiros face ao Estado, verificou que a maioria dos entrevistados se mostrava insatisfeita com esse instituto. Perguntados sobre se existia em suas empresas diretriz de pessoal destinada a limitar o número de casos de...

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