Estabilidade e garantia no emprego

AutorJames Magno Araújo Farias
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região/MA; Presidente (2016/2017); Corregedor Regional (2014/2015)
Páginas47-79

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Verifica-se que a Constituição Federal de 1988 adotou, ainda que tardiamente81, um modelo de Bem Estar Social para o Brasil; isso

pode ser constatado pela simples leitura dos art.s 1º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 170, por exemplo. A Constituição dividiu os Direitos e garantias fundamentais em "Direitos e Deveres individuais e coletivos, direitos sociais, da Nacionalidade e dos Direitos políticos e dos partidos políticos".

No que pertine aos direitos sociais, há uma classificação, a partir do art. 6º da CF, em Educação, Saúde, Trabalho, Associação Sindical, Direito de Greve, Lazer, Segurança, Previdência Social, Assistência aos desamparados, Proteção à maternidade e à infância. Dentre esses direitos sociais Constitucionais destaca-se o Trabalho. A PEC 47/2003 tenta incluir a alimentação também como um direito social.

A Constituição Federal de 1988 menciona o trabalho logo no art. 1º, quando trata dos Princípios Fundamentais, ao incluí-lo entre os Fundamentos Constitucionais no inciso IV, como "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa", logo após a "dignidade da pessoa humana". Depois, volta a falar do trabalho no art. 5º, inciso XIII, ao dizer que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Mais à frente, no art. 186, a Constituição Federal diz que a função social da propriedade rural deve atender, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, alguns requisitos, dentre os quais a "observância das disposições que regulam as relações de trabalho" (inciso III).

A maior crítica feita à analítica Constituição Federal de 1988 foi quanto a seu suposto detalhismo, consistente na preocupação de levar ao texto constitucional várias das disposições já previstas na legislação infraconstitucional. Por inferência, criticou-se, qualquer assunto, por envolver matéria constitucional, poderia ser submetido à Suprema Corte; tal fato conduziu a radicalizações,

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como a adoção de Súmulas de efeito vinculante. No entanto, a normatização minuciosa pode ser entendida como uma virtude, pois a preocupação em elevar a norma comum ao nível constitucional é fruto da liberdade pós-ditadura, ou seja, do desejo de garantir um mínimo de direitos aos brasileiros.82

A história prova que, mesmo em regimes autoritários, os governantes fingem reconhecer direitos básicos e indispensáveis, como o de acesso à justiça, liberdade de opinião, religião, contraditório e ampla defesa.83 Ou seja, o direito de ter algum direito está na lei, mesmo na Constituição, apenas não é cumprido pelo Estado e por seus órgãos de poder. Essa separação entre norma e realidade ou entre eficácia normativa e sua distância da aplicação na vida quotidiana, resgata a ideia conceitual lassaliana de "Constituição escrita" e "Constituição real". Com algum exercício visionário, pode-se perceber que os grupos de interesses que estiveram presentes na elaboração da Constituição brasileira são os mesmos que impedem a regulamentação complementar de pontos controversos. 84

Uma rápida visão dos direitos sociais dos trabalhadores previstos na Constituição Federal de 1988 revela que além da estabilidade ainda há vários outros direitos não regulamentados. É o exemplo do "piso salarial proporcional à extensão e complexidade do trabalho", da "proteção legal do salário, sendo crime sua retenção dolosa", do "adicional para atividades penosas", da "redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (prevalecem as disposições da CLT e legislação esparsa, CIPA’s), da "assistência a filhos e dependentes em creches e pré-escolas até seis anos de idade", da "proteção em face da automação", do "seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador", "proteção do mercado de trabalho da mulher" e da "proibição de diferença entre trabalho manual, técnico ou intelectual ou entre os respectivos profissionais"

Há notórios defeitos crônicos envolvendo a Carta constitucional, em seus vinte anos de vigência, como a inércia na edição de várias leis complementares, como no caso da proibição da dispensa abusiva que substituiu a estabilidade decenal, ou na falta de regulamentação do direito de greve dosservidores públicos; lembre-se, sobretudo, da facilidade com que se alterou o corpo constitucional, com mais de meia centena de emendas.

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O inciso I do art. 7º, da Constituição Federal, é um dos pontos centrais de estudo deste trabalho, mesmo não tendo sido ainda complementado pela norma constitucional, segundo sua exigência literal. A proteção da relação de emprego faz-se necessária, pois no mundo pós-moderno tudo é fruto do trabalho humano, no sentido homo faber arendtiano, um trabalho que deve ser dignificado.

Estabilidade e Garantia no emprego são termos que não se confundem, pois a garantia no emprego absorve a estabilidade, que, sendo mais restrita, diz respeito ao direito do empregado de permanecer no emprego até que surja algum fato antijurídico que possibilite a rescisão de seu contrato.

A garantia no emprego, por sua vez, está relacionada com todas as políticas públicas e privadas relativas às condições de trabalho, implicando não apenas a preservação do emprego, mas também sua melhoria.

No atual modelo econômico, a estabilidade no emprego tornou-se sinônimo de um sonho quase utópico, qual seja, o da permanência no emprego por tempo realmente longo e indeterminado. Prevalece no Brasil o sistema de liberdade de contratação e dispensa de trabalhadores pela empresa, segundo o qual um empregado pode ter seu contrato rescindido sem justa causa, desde que previamente avisado disso, no mínimo com trinta dias de antecedência, e que tenha sua rescisão de contrato formalizada, com assistência sindical ou do Ministério Público. Isso se chama sistema de instabilidade no emprego e é consequência do amplo poder diretivo do empregador.

Pode-se, prima facie, conceituar estabilidade como o direito que o trabalhador adquire por lei ou contrato de não ter, sem motivo, rescindido seu contrato de trabalho. A permissão rescisória decorre da prática de alguma falta grave no emprego ou, por ato de livre vontade, próprio e expresso do trabalhador, quando pede para sair do emprego. A falta grave é, então, o mencionado fato antijurídico que possibilita a rescisão de seu contrato por parte do empregador. A estabilidade dá ao empregado o direito de não ter desfeito seu contrato de trabalho por ato unilateral do empregador, a não ser mediante falta pessoal, por mútuo consenso ou sentença constitutiva do juiz.85

Orlando Gomes e Elson Gottschalk dizem que:

"A estabilidade tem natureza jurídica sui generis, o que não pode ser analisada senão em relação a cada uma das partes do contrato de trabalho. No que diz respeito à obrigação do empregador, possui os caracteres próprios do contrato por tempo determinado, cujo termo final é a cessação da vida

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profissional do empregado. Portanto, do ponto de vista do empregador, a estabilidade seria um contrato a termo final, segundo a fórmula: certus an et incertus quando. A estabilidade vincula somente o empregador, garantindo o empregado contra as incertezas geradas pela precariedade da relação de emprego por tempo indeterminado". 86

Américo Plá Rodriguez87 denomina a estabilidade de "princípio da continuidade da relação de emprego", posto que se "mantém no tempo, ao que continua". Classifica a estabilidade em absoluta e relativa. Segundo ele, a estabilidade absoluta "se caracteriza por asegurar la reincorporación efectiva del trabajador sin que el empleador pueda negar este reingreso". E a estabilidade relativa "se configura en los restantes casos en que existe protección contra el despido pero ella no llega a asegurar la reincorporación efectiva del trabajador" .

Efetivamente deve ser distinguida a estabilidade propriamente dita, prevista na CLT, de outras figuras que a doutrina denominou ‘estabili-dade provisória’, como a estabilidade de membro de diretoria sindical ou de associação profissional, estabilidade da gestante, estabilidade do membro da CIPA, todas de caráter provisório, com previsão nos art.s 165, 543 da CLT e 25 da Lei n. 5.107/66 e Enunciado n. 142, do TST. 88

Sérgio Torres Teixeira adota a classificação de dois sistemas de estabilidade, denominados estabilidade própria e estabilidade imprópria. Segundo o autor, a estabilidade imprópria está caracterizada pelas "medidas inibitórias do direito de despedir"89.

Como exemplo do sistema de estabilidade imprópria há o aviso prévio (previsto no art. 7º, XXI da Constituição Federal e no art. 487 da Consolidação das Leis do Trabalho), a indenização compensatória, devida ao empregado por conta de ruptura contratual, a multa fundiária do FGTS (até 1988 era de 10%, depois 40% e em 2001 passou a 50% sobre os valores depositados).

Sérgio Torres Teixeira ensina ainda que:

"Corresponde o sistema de Estabilidade imprópria na prática a um complexo de instrumentos frágeis, insuficientes, que se limitam a dificultar (sem impedir) a dispensa sem justa causa, para em seguida cuidar apenas das consequências pecuniárias decorrentes da resilição...

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