O que esperar da justiça criminal?

AutorRômulo de Andrade Moreira
CargoProcurador de justiça do MPBA
Páginas10-12
10 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
TRIBUNA LIVRE
Rômulo de Andrade MoreiraPROCURADOR DE JUSTIÇA DO MPBA
EM UM PAÍS TÃO DESIGUAL, O QUE ESPERAR DA JUSTIÇA CRIMINAL?1
Segundo recente pesquisa
do Instituto Brasileiro de
Geograf‌ia e Estatística
(), as desigualdades
social e econômica no Brasil
f‌izeram com que apenas 2,7%
das famílias acumulassem 20%
do total da riqueza. A coleta
da pesquisa foi realizada nas
áreas urbana e rural de todo o
país entre junho de 2017 e julho
de 2018. As famílias brasileiras
tiveram uma renda média de
R$ 5.426,70. O estudo trouxe
informações sobre composição
orçamentária doméstica e con-
dições sociais da população, in-
cluindo a percepção subjetiva
da qualidade de vida, apontan-
do ainda que no período anali-
sado apenas 1,8 milhão de famí-
lias com renda superior a dez
salários-mínimos receberam
19,9% de todo o valor de rendi-
mentos, seja em salários ou va-
riações patrimoniais. A renda
média foi de R$ 40,4 mil entre
essas famílias. Para mostrar a
desigualdade de renda no país,
a pesquisa fez uma simulação
para constatar que “se apenas
os valores recebidos por este
grupo fossem repartidos igual-
mente por todas as famílias
brasileiras, o valor médio men-
sal cairia para R$ 2.942,66, o que
equivale a pouco mais da meta-
de da média global”2.
A pesquisa revelou também
que as despesas de consumo
– alimentação, habitação e
transporte – comprometeram
72,2% dos gastos das famílias
brasileiras, mostrando que,
nas últimas décadas, os gastos
com alimentação foram caindo
em relação a outras despesas
que cresceram, como habita-
ção e transporte.
Esses números foram anali-
sados sob os mais variados as-
pectos, especialmente econô-
mico e social. Todas as análises
– ou quase todas – foram crite-
riosas e trouxeram conclusões
fundamentais para compre-
ender o Brasil atual e avaliar
as perspectivas do país. Nada
obstante, a menos que tenha
sido publicado até a data em
que foi escrito este texto, se-
quer se ouviu qualquer exame,
crítica ou interpretação acer-
ca da pesquisa, a partir de um
ponto de vista jurídico e, mais
especialmente, relacionando-a
com o sistema de Justiça cri-
minal.
Ademais, também não se
teve conhecimento de algum
estudo comparativo entre
pesquisa do  e o Atlas da
Violência 2019, divulgado um
pouco antes pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Apli-
cada e pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. Neste,
mostrou-se que, em 2017, hou-
ve 65.602 homicídios, equiva-
lendo, aproximadamente, a 31,6
mortes para cada cem mil ha-
bitantes, tratando-se “do maior
nível histórico de letalidade
violenta intencional no país”.
Esses números tornam-se ain-
da mais dramáticos quando se
leva em conta “que a violência
letal acomete principalmente
a população jovem”, sendo que
mais da metade (cerca de 59,1%)
“do total de óbitos de homens
entre 15 a 19 anos são ocasio-
nados por homicídio”. E ainda
mais assustadora foi a consta-
tação de que “a morte prema-
tura de jovens (15 a 29 anos) por
homicídio é um fenômeno que
tem crescido no Brasil desde a
década de 1980”, dando-se “exa-
tamente no momento em que
o país passa pela maior transi-
ção demográf‌ica de sua histó-
ria, rumo ao envelhecimento, o
que impõe maior gravidade ao
fenômeno”.
Nesta segunda pesquisa,
mereceu destaque, e não po-
deria ser de outra maneira,
a violência contra os negros,
revelando “a continuidade do
processo de aprofundamento
da desigualdade racial nos in-
dicadores de violência letal no
Brasil, já apontado em outras
edições”. Assim, em 2017, 75,5%
Em 2017, houve 65.602
homicídios, equivalendo,
aproximadamente, a 31,6
mortes para cada cem mil
habitantes, o maior da
história do país
Rev-Bonijuris_662.indb 10 15/01/2020 15:09:40

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