Espécies tributárias no direito comparado Brasil – Espanha

AutorAndré Portella
CargoDoutor em Direito Financeiro e Tributário (Universidad Complutense de Madrid) e Professor da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica de Salvador.
Páginas6-37

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1. Introdução

O estudo comparado do Direito tem como finalidade o aprofundamen-to, a ampliação e consolidação do conhecimento acerca dos distintos institutos jurídicos existentes. Serve, sobretudo, para analisar as implicações que as diferenças entre os distintos ordenamentos provocam no seio da sociedade. Paradigmas criados com base num determinado sistema normativo, e muitas vezes erigidos a princípios ou teorias gerais, podem ver-se afetados na medida em que seus postulados, entendidos até então como gerais e absolutos, mostram-se relativizados dentro de outras realidades jurídico-positivas. Em Direito Tributário, dentre os temas cujas diferenças de tratamento legal, doutrinário e jurisprudencial nos distintos países possuem maior importância encontra-se o da definição das espécies tributárias contempladas, bem como dos critérios utilizados para determinação de cada categoria e suas respectivas distinções.

O presente estudo tem como finalidade examinar as diferenças exis-tentes entre as espécies tributárias nos ordenamentos brasileiro e espanhol. Não se trata, desde logo, de um estudo que pretenda esgotar todos os pontos de interseção existentes entre os dois sistemas de normas, nem tampouco tem a pretensão de entrar em particularidades relativas a pro-Page 7blemas internos da legislação de cada país, mas confrontar aspectos-chave relativos aos mesmos. Considerar-se-á como cada um dos países procede à classificação das espécies tributárias. Será considerado o estudo de cada uma das categorias tributárias identificadas para analisar quais são as prin-cipais diferenças entre os sistemas de impostos, taxas, contribuições ou quaisquer tributos que possam existir em cada um dos Ordenamentos de Brasil e Espanha.

2. As classes de tributos
2.1. Sistemas de classificação

Toda classificação implica certa arbitrariedade. Em maior ou menor medida os parâmetros são eleitos por aquele que procede à classificação, de acordo com os objetivos metodológicos a que se propõe, de forma que não são as classificações corretas ou incorretas, válidas ou inválidas. São simplesmente úteis ou inúteis, dependendo da função que lhes possa ser atribuída pelo sujeito cognoscente, para efeito de verificação e identifica-ção das espécies analisadas1.

Em que pese a tais considerações, são dois os sistemas principais de classificação existentes nos textos legais e adotados pela doutrina em torno à temática das espécies tributárias. O primeiro é aquele que se restringe a verificar o componente material do fato gerador da norma tributária (com ou sem a análise da respectiva base de cálculo), e o segundo é aquele que além da análise do fato gerador considera a finalidade do tributo. Ao pri-meiro, denomina-se critério material, e ao segundo, critério ou sistema teleológico de classificação dos tributos.

O critério material é aquele que parte da análise da materialidade do fato gerador da norma tributária. Interessa para aqueles que se utilizam deste critério a observação da ação eleita pelo legislador como aquela que reúne os critérios necessários e suficientes para desencadear a obrigação de pagar o tributo. A análise do fato que faz nascer a obrigação de pagar o tri-buto (comprar, vender, auferir renda, realizar serviço público) é o que inte-ressa para aqueles que adotam o critério material como base para classificar os tributos. Neste caso, “repele-se qualquer indagação quanto ao ulteriorPage 8destino que possa o poder público dar ao produto da arrecadação2. Para Ataliba, é a “materialidade do conceito do fato, descrito hipoteticamente no fato gerador que fornece o critério para a classificação das espécies tributárias. Conforme, pois, à consistência do aspecto material do fato gerador, será possível reconhecer as espécies de tributos”3.

Segundo os defensores deste critério de classificação, haveria dois gran-des grupos de tributos: aqueles cujo fato gerador é realizado pelo próprio Ente público, e aqueles cujo fato gerador não possui relação com uma atuação estatal específica. Nestes termos, esclarece o mesmo professor aci-ma mencionado que “examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes – quanto ao fato gerador – verificamos que, em todos os casos, seu aspecto material consiste numa atividade do poder público (…) ou consiste num fato, acontecimento ou ocorrência absolutamente indiferente a qualquer atividade estatal”4.

Por outro lado, o critério teleológico de classificação leva em conside-ração a finalidade a ser dada a determinado tributo. Os defensores deste critério não deixam de considerar em maior ou menor medida o aspecto material de cada uma das espécies tributárias, todavia o destino que terá a receita dos mesmos é erigido à condição de fundamento para a criação de gravames5. Assim, enquanto para a doutrina da materialidade o fato de auferir renda poderia ocasionar a criação somente de uma classe de tributo – o imposto sobre a renda –, para os que adotam a postura teleológica se poderia, com fundamento naquele mesmo fato, criar o imposto sobre a renda e tantos outros quantos fossem as finalidades a serem financiadas pelo Estado.

Pode-se notar, desde logo, que a implicação de maior relevo entre o sistema material e o sistema teleológico está em que o primeiro é muito maisPage 9restrito quanto à possibilidade de criação de exações. Por isso é que se o ordenamento positivo de um determinado país adota o sistema teleológico de classificação de tributos é conveniente que, a bem da defesa dos in-teresses econômicos dos particulares, contemplem-se princípios jurídicos que restrinjam a possibilidade de gravar infinitamente uma única riqueza, para de alguma forma, senão impedir, ao menos limitar os reflexos do bis in idem6.

Pode-se dizer também que com base no critério teleológico é possível chegar a um maior número de classes tributárias. Enquanto que no sistema material chega-se a uma classificação bipartíte7 ou, como máximo, tripartite – considerando apenas os impostos e as taxas ou estes e as contribuições de melhoria –, no sistema teleológico o número de espécies tributárias a que se chega é sempre superior –, uma vez que é considerada como sui generis os empréstimos compulsórios, e as contribuições especiais, já que distintas são as finalidades dos respectivos recursos arrecadados.

Conforme registrado, Ataliba8 parte da idéia de que a materialidade que se expressa no fato gerador pode ser de dois tipos: i) uma atividade nãovinculada à atuação do Estado – Entes Públicos de modo geral –; ou, ao contrário, ii) uma atividade vinculada à atuação estatal. No primeiro caso está-se referindo àqueles tributos que contemplam como aspecto material da sua hipótese de incidência realidades tais como auferir renda, produzir, circular mercadoria, prestar serviço, etc. Tais atividades não têm qualquer relação com a atuação estatal, sendo sempre desempenhada pelos particulares, daí ser-lhes atribuída a denominação tributos não-vinculados.

Por tributos vinculados deve-se entender aqueles que têm como fun-damento de incidência atividades desempenhadas pelo Estado. Seriam atividades tais como a emissão de documentos, a prestação do serviço jurisdicional por parte do Estado, os serviços de inspeção e fiscalização, as atividades derivadas de autorizações públicas para o exercício de uma determinada profissão, entre outras9.

Com relação às espécies tributárias propriamente ditas, seriam não-vinculadas à atuação estatal, os imposto; enquanto que os tributos vinculadosPage 10estariam divididos em taxas e contribuições de melhoria (contribuciones especiales, na Espanha)10. Outros institutos como os empréstimos compulsórios, contemplados no artigo 148 da Constituição Federal, ou as contri-buições especiais11 do artigo 149 do mesmo Estatuto, não perderiam sua natureza tributária, mas se subsumiriam as três classes citadas – de impos-tos, taxas ou contribuições de melhoria a depender do aspecto material contemplado em seus respectivos fatos geradores.

Assim, o que interessaria na análise de um empréstimo compulsório, por exemplo, seria saber quê atividade estaria sendo contemplada como aquela que desencadearia o dever de pagamento. O fato de que o produto da arrecadação do empréstimo seja devolvido ao contribuinte seria, nesta linha, apenas um mero elemento acidental insuficiente para caracterizar a natureza da exação12. Portanto, se a materialidade do fato gerador do empréstimo contemplasse uma atividade vinculada à atuação estatal, estarse-ia diante de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria, enquanto que se a atividade fosse não-vinculada à dita atuação estar-se-ia diante de um imposto13.

Para os defensores do sistema teleológico de classificação de tributos, o critério material não é de todo irrelevante. Para eles, subsiste a classificação em taxas, contribuições e impostos tendo em vista a atividade ou situação contemplada no fato gerador dos mesmos. Sem embargo, a finalidade quePage 11pode ser atribuída a cada um desses tributos deixa de ser um dado puramente acidental para erigir-se à condição de elemento caracterizador da natureza jurídica de um tributo14. Institutos como os empréstimos com-pulsórios ou as contribuições sociais passam a serem considerados tributos sui generis pelo simples fato de que ambos têm finalidades específicas que os diferenciam das demais classes tributárias. Assim, deve-se dizer que o critério teleológico está, em realidade, baseado num sistema misto de aná- lise no qual importa tanto a materialidade do fato gerador de um tributo, quanto à finalidade que venha a ser atribuída ao mesmo.

Nesse sentido, Marques, defendendo uma classificação teleológica das categorias...

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