A concessão de uso especial para fins de moradia na ordem jurídica brasileira: A Medida Provisória 2.220 a partir de uma análise constitucional

AutorFernanda Fábregas Ferreira
Páginas9-65
A concessão de uso especial para fins de moradia
na ordem jurídica brasileira:
A Medida Provisória 2.220 a partir de uma análise constitucional
FERNANDA FÁBREGAS FERREIRA
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da posse dos bens
públicos a partir de uma perspectiva constitucional, principalmente com o ad-
vento do neoconstitucionalismo e do reconhecimento da real efetividade das
normas constitucionais. Dentro desta perspectiva, os direitos sociais são relidos
e se convertem em direitos subjetivos com tutela jurisdicional especí ca.
A posse foi escolhida como objeto deste estudo, pois seu reconhecimento
concretiza o direito à moradia presente no artigo 6º da Constituição Federal.
O tema, relacionado estritamente aos bens públicos, se justi ca pela objeção,
por parte do Poder Judiciário, à tutela possessória nos mesmos, principalmente
pela impossibilidade de usucapião, disposta no art.183, § 3º da Carta Superior.
Neste diapasão, insta avaliar o instrumento que surgiu para dispor sobre
a concessão de uso especial de que trata o art. 183, § 1º da Magna Carta e
garantir a posse utilizada para moradia nos bens públicos. O ano de 2001 foi
marcado, então, pelo surgimento da concessão de uso especial para  ns de mo-
radia (Medida Provisória 2.220). A partir da criação deste instituto, a posse nos
bens públicos passou a ser revista sob o viés da função social da propriedade,
antes sobrelevada nos litígios envolvendo os referidos bens e aplicada apenas aos
bens particulares.
Para comprovação da referida tese, foi analisada a jurisprudência referente
à ocupação dos bens públicos para  ns de moradia até a edição de Medida
Provisória 2.220 e também a partir do surgimento deste instrumento. Iremos
demonstrar que os acórdãos, que antes não adentravam na discussão sobre se
o ocupante estava exercendo ou não função social no bem público, passam a
apresentar este tipo de debate, principalmente a partir de 2001, quando em
matéria de defesa é utilizada a referida Medida Provisória.
Apesar do progresso atingido com a criação da concessão de uso especial
para  ns de moradia, a Medida Provisória 2.220 apresenta um regresso, ao esti-
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pular uma limitação temporal para aquisição do direito à concessão. Assim, este
trabalho se propõe a explicitar os argumentos contrários à delimitação imposta
pela Medida.
Oportuno destacar que não foram objeto desta análise as formas de aqui-
sição e perda da posse, bem como seus efeitos e o estudo das políticas públicas.
Da mesma forma, a propriedade em geral não foi analisada.
Para melhor compreensão do tipo de abordagem adotada no presente estu-
do, o primeiro item será destinado à exposição do novo panorama constitucio-
nal, o chamado neocontitucionalismo. A partir de então, será possível concluir
que, principalmente com o advento deste panorama, a Constituição indica os
parâmetros para a elaboração das normas infraconstitucionais, que devem estar
adequadas às suas disposições e princípios. Em face, então, dessa nova perspec-
tiva, os direitos sociais deixam de ser simples promessas para se quali carem
como direito subjetivo do indivíduo.
No item dois iremos contextualizar o surgimento da Medida Provisória
2.220, expondo a situação urbana no Brasil, bem como a evolução da legisla-
ção acerca do tema. Ainda nesta análise, discutiremos o papel do Direito na
aplicação da legislação urbanística, a partir da compreensão da e cácia social
das normas.
Posteriormente, no item três, será feita uma abordagem em torno das prin-
cipais teorias acerca da posse, sendo elas a teoria de Savigny e a teoria de Ihe-
ring, para então observar a relação feita pelos autores entre posse e propriedade.
Iremos veri car que os autores, assim como o nosso Código Civil, vinculam a
posse à propriedade, afastando a compreensão de que ela merece proteção por
si só.
Tendo em vista o impacto de ambas as teorias, será defendido que a posse
é informada pela realidade social, assim é nela que se encontra a função social
e não especi camente na propriedade. Ainda neste item, apontaremos a noção
de bem público propriamente dito, expondo brevemente sobre as suas classi-
cações, a abordagem da impossibilidade da prescrição aquisitiva dos mesmos
— estando inclusive a matéria sumulada pelo Supremo Tribunal Federal — até
se chegar à concessão de uso especial para  ns de moradia.
O item quatro é destinado especi camente ao estudo da Medida Provi-
sória 2.220, principalmente no que se refere aos requisitos necessários para
a obtenção da concessão de uso especial para  ns de moradia, bem como à
modalidade coletiva da concessão. Veri car -se -á que o novo instrumento é
um passo importante para a concretização do direito fundamental à moradia.
Ainda sobre o tema, será apontada a justi cativa dada por parcela da doutrina
A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA 11
para a inconstitucionalidade formal da MP 2.220 e o porquê desta alegação
não prosperar.
No item cinco será destacado um caso do Núcleo de Terras e Habitação da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, referente à ocupação de bem
público por diversas famílias, que ainda não foi julgado. Após a pesquisa de
jurisprudência, analisaremos a chance de provimento do mesmo.
Veri cadas as conclusões acerca da jurisprudência, será possível analisar
que o caso tem chances de ser provido devido ao amplo debate que se iniciou
sobre a função social também nos bens públicos, principalmente com o adven-
to da MP 2.220.
Por  m, exporemos os argumentos necessários para a não delimitação tem-
poral imposta pela Medida Provisória, que garante o direito à concessão apenas
ao possuidor que atingir os requisitos “até 30 de junho de 2001”.
O primeiro argumento a ser utilizado é a observância à força normativa
da Constituição. A partir deste princípio, toda a interpretação deve atribuir a
máxima e cácia às normas constitucionais. Então, no intuito de congregar o
maior reconhecimento ao direito à moradia, é imprescindível o reconhecimen-
to da concessão de uso especial para  ns de moradia a todos os possuidores que
completarem todos os requisitos, independentemente de qualquer data. Neste
sentido, consideraremos que a delimitação temporal é uma norma não escrita
e não deve ser aplicada.
O segundo fundamento será pautado no respeito aos tratados internacio-
nais de Direitos Humanos adotados pelo Brasil. Para tanto, utilizaremos como
fundamento o art. 5º, § 2º da Constituição Federal, que garante a observância
de todos os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte. Então, para garantia de diversos tratados que serão expostos, faz -se neces-
sária a compreensão de que a delimitação temporal não pode ser considerada.
Posteriormente, utilizaremos o princípio da igualdade, consagrado no ca-
put do art. 5º da CF/88, como fundamento para a não observância da data. O
referido princípio será abordado a partir da igualdade formal e da igualdade
material, e, como será visto, a limitação imposta viola as duas noções de igual-
dade.
Finalmente, e apenas para garantir a observância dos fundamentos já utili-
zados, apontaremos o princípio da supremacia da Constituição, dispondo que
esta prevalece sobre qualquer norma infraconstitucional, então qualquer lei in-
compatível com a Carta Superior não poderá subsistir.
Ao  nal, apresentaremos a conclusão deste trabalho, com as questões e
re exões arroladas, reforçando a importância do papel da Medida Provisória

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