Ser revolucionária e escritora durante os últimos governos ditatoriais no cone sul - o gênero nas letras

AutorAna Brancher
CargoDoutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - Brasil
Páginas168-189
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n1p168
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
SER REVOLUCIONÁRIA E ESCRITORA DURANTE OS ÚLTIMOS GOVERNOS
DITATORIAIS NO CONE SUL O GÊNERO NAS LETRAS
Ana Brancher1
Resumo:
Examinamos múltiplas condições vivenciadas pelas escritoras num campo de
trabalho preponderantemente masculino, seus conflitos e problemas por serem
vigiadas e censuradas pelos governos ditatoriais. Ao mesmo tempo, aquele foi um
período de ampla divulgação das teorias feministas e do acentuado reconhecimento
internacional da literatura latino-americana. Investigamos a trajetória e obra de
algumas escritoras do Cone Sul que sofreram reveses em decorrência das ditaduras
civil-militares a partir de seus romances escritos na época ou escritos posteriormente
tendo as ditaduras como temática, alguns testemunhos e entrevistas.
Palavras-chave: escritoras. Ditadura militar. Cone Sul.
Em 27 de março de 2012, o Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, em
Buenos Aires, inaugurou uma mostra fotográfica de autoria de Paula Luttringer. A
fotógrafa, nascida na Ciudad de La Plata em 1955, era estudante de Botânica
quando, em 1977, ficou cerca de cinco meses presa em um centro clandestino de
detenção conhecido como Sheraton por ser militante montonera; pouco depois de
ser libertada, ela saiu da Argentina para onde retornou somente em 1992. A
exposição, intitulada El Lamento de los Muros Cosas desenterradas, apresentava
dois movimentos: num, uma série de fotos em preto e branco de ângulos/olhares da
autora sobre os muros dos centros clandestinos de detenção dialoga com
fragmentos de textos de mulheres sequestradas e presas naquelas centros; noutro,
uma série de objetos bolinha de tênis, restos de um blusão, meia-calça, um sapato
roto encontrados durante posteriores escavações nos locais de prisão ecoam,
poderíamos entender, restos de um cotidiano no cárcere. Um texto que dialogava
com uma foto dizia: “(...) las mayores dificultades que tuve para resolver fueron de
1 Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, SC, Brasil. Este texto é parte dos estudos realizados durante Estágio Sênior na
Universidad Buenos Aires com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior CAPES. E-mail: ana.brancher@ufsc.br
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.10, n.1, p. 168-189, Jan./Jul. 2013
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las relaciones sexuales...a me costó mucho volver a recibir una caricia, sentirla
como caricia y no como manoseo” (FOLDER, 2012).
A violação sexual foi uma das torturas que aparece em quase todos os
testemunhos, relatos, depoimentos de ex-presas políticas e exiladas (BOCCANERA,
s/d). E quase tão duro quanto a violação naquele momento parece ser hoje, para
algumas mulheres, o fato de prestar depoimentos nos tribunais que julgam os
torturadores. Nesse sentido, é importante lembrar o caso argentino: A Lei 23.492,
chamada de Punto Final, promulgada em 1986, declarou a prescrição de ações
penais contra os imputados como autores penalmente responsáveis de haver
cometido desaparição forçada de pessoas, detenções ilegais, torturas, assassinatos.
A Lei n.º 23.521 chamada de Obediencia Debida, de 1987, presumia a atuação em
virtude da denominada "obediência devida", conceito militar segundo o qual os
subordinados se limitam e são obrigados a obedecer a ordens emanadas de seus
superiores. A Lei 25.779, sancionada em 2003, declarou a nulidade das leis Punto
Final e Obediencia Debida. Atualmente, ex-presidentes, militares, torturadores estão
sendo julgados pelos tribunais argentinos por suas arbitrariedades durante a
ditadura militar de 1976 1983. No Uruguai, em 1986, a Lei no. 15.848 concedia
anistia aos militares e agentes “da ordem” durante a ditadura civil militar de 1973
1985; porém em 2011 foi aprovada a Lei no. 18.831 que considerou imprescritíveis
os delitos de lesa humanidade, e, em fevereiro de 2013, a Corte Suprema do
Uruguai declarou a inconstitucionalidade da Lei 18.831. No Brasil, somente em 2011
foi sancionada, pela presidenta da República, a lei que institui a Comissão Nacional
da Verdade, instalada oficialmente em 16 de maio de 2012, com o objetivo de
investigar as violações dos direitos humanos durante a ditadura militar de 1964
1985.
A reabertura de processos judiciais por crimes cometidos durante o período
de terrorismo de Estado tem colocado em evidência a violência perpetrada contra as
mulheres e que provoca traumas ainda hoje, em alguns casos passados quase 40
anos, difíceis de serem superados:
[...] volver a los tribunales a “ratificar todo eso e contarlo. Apesar del tiempo
transcurrido, de la asistencia recibida y de la “explicación teórico-política
que hoy pueden hacer sobre esos hechos, volver sobre la experiencia es
algo que aun les doele (MEMORIA ABIERTA, 2012, p. 88).

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