Esclarecimentos sobre condomínio

AutorGisele Leite
CargoDoutora e mestre em Direito Professora da Fundação Getúlio Vargas e UniverCidade
Páginas19-23

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Na boa e dileta dicção do mestre Caio Mário da Silva Pereira, "dá-se o condomínio quando a mesma coisa pertencer a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes".

Evidenciamos que o poder de disposição sobre a coisa se materializa simultaneamente em várias pessoas, e se encontra reciprocamente limitado no exercício dos direitos concorrentes, compensando-se as vantagens e sacrifícios dos condôminos.

Encarado em seu aspecto objetivo, é mesmo a indivisão, correspondendo ao estado em que se encontra uma coisa sobre a qual várias pessoas têm direitos concorrentes. Já no aspecto subjetivo, traduz-se por ser comunhão. Comunhão pro diviso só existe de direito, não de fato, pois cada condômino se localiza numa parte certa e determinada da coisa. Exercem sobre um fatia ou fração concreta todos os atos de proprietário singular.

Comunhão pro indiviso é a que perdura de fato e de direito, permanecendo a coisa em estado de indivisão perante os condôminos, e estes não se localizam, per se, na coisa.

A comunhão voluntária é de origem negocial tal como a aquisição, doação e destinação em comum de bem para duas ou mais pessoas que podem usá-lo e fruí-lo. O casamento em regime de comunhão universal de bens a estabelece e provoca a conversão da propriedade individual de um dos cônjuges em condomínio.

Há na sistemática jurídica pátria diferenças marcantes entre o sistema de comunhão e o sistema de condomínio, embora em nosso direito de família sobrevivam resquícios do conceito de condomínio germânico, que prevê a comunhão universal dos bens existentes entre os cônjuges.

A comunhão legal divide-se didaticamente em comunhão forçada e comunhão fortuita. A forçada resultante de inevitável estado de indivisão dos bens, quer por imposição da ordem jurídica (exemplo: módulo rural) quer por cercas e muros.

Essa comunhão pode ser passageira ou perene. No primeiro caso a lei tem razões pragmáticas para defender o tempo todo sua extinção. Será permanente enquanto sobreviver à causa.

O artigo 1.314 do Código Civil (CC) disciplina as relações intestinas entre os condôminos, e ainda com terceiros. Perante terceiros, por mais ínfima e abstrata que seja a cota do condômino, este tem direito de ser respeitado.

Para prevenir conflitos entre os co-proprietários, ou perante estranhos, enumera Cristiano Chaves cinco formas de composição:

  1. Utilização do bem conforme sua destinação econômica, as decisões da maioria de certa forma cercearão e definirão qual sua destinação econômica; impossibilidade de condômino alterar sozinho a destinação natural ou convencional da coisa.

  2. Exercícios de todos os direitos compatíveis com a indivisão; cada condômino encontra em seu consorte o limite exato de seu direito de propriedade, vide o parágrafo único do art. 1.314 do CC que ressalta as limitações ao exercício do domínio;

  3. Direito de reivindicar a coisa, ou seja, de exercer a pretensão reivindicatória do bem contra terceiros que violam o dever genérico de não ofender ao direito subj etivo de propriedade. Poderá a referida ação ser intentada também contra outro condômino. Nenhum dos consortes poderá opor propriedade sobre a totalidade da coisa, pois esta se encontra fracionada.

  4. Direito de exercer as ações possessórias da mesma forma que qualquer possuidor está autorizado a ajuizá-las. A reintegração da posse mediante o esbulho, a manutenção da posse frente à turbação e o interdito proibitório em face da iminente agressão dirigida à posse (art. 1.210, CC).

    Para o manejar dos interditos possessórias não basta ter a titularidade do direito de propriedade, deverá mostrar que exerce a condição de possuidor. Defendem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que propriedade e posse estão em planos distintos.

  5. direito de alienar e gravar a parte ideal é um corolário do direito de dispor a coisa, pode ocorrer individualmente desde que incida em parte autônoma.

    O artigo 1.314 do CC permite ao condômino possa sozinho alhear sua parte indivisa sem o consentimento dos demais. Não há como os demais consortes impedirem a venda da fração ideal a terceiros.

    O artigo 504 do CC autoriza ao condômino a alienação de sua parte, apenas com o condicionante da concessão do direito de preferência aos demais condôminos, sob pena de ineficácia relativa, e não de nulidade. Assim, o condômino traído em seu direito de preferência terá 180 dias (prazo decadencial) para desconstituir a alienação mediante o exercício potestativo de depositar idêntico valor praticado àquela época e que fora pago por estranho. O referido procedimento seguirá a jurisdição voluntária, conforme o artigo 1.112-C do CPC.

    A norma em comento não opera distinção sobre a possibilidade de constituição de ônus reais em bens divisíveis ou indivisíveis, permitindo-se genericamente a constrição de bens que se encontrem em estado de indivisão.

    A indivisão é situação jurídica daqueles que possuem propriedade em comum de umbem, sem comportar divisão material de suas partes, seja por sua natureza, ou seja por causa da lei ou convenção das partes.

    O artigo 1.420, segundo parágrafo, do CC impede veemente que a coisa comum seja dada em garantia na sua totalidade sem o consentimento de todos, porém, permitePage 20 que cada consorte possa dar sua fração ideal em garantia, independentemente de sua natureza divisível ou não.

    As obrigações propter rem como, por exemplo, as despesas condominiais, devem ser rateados entre os condôminos. E, segundo o artigo 1.315, parágrafo único do CC, se não houver estipulação expressa entre condôminos, presume-se a igualdade das cotas abstratas. Inova tremendamente o artigo 1.316 do CC ao permitir a renúncia à propriedade por parte do condômino que queira eximir- se do pagamento dos débitos comuns.

    A abdicação da parte ideal é a saída indicada pelo legislador pátrio para o condômino que não desej e participar do rateio das despesas.

    Indispensável, no entanto, como em qualquer caso de renúncia que esta esteja devidamente formalizada em instrumento e registrado no ofício imobiliário, hipótese bastante similar da renúncia à herança. Condiciona-se, no entanto, que a eficácia da renúncia dependa do fato de um ou mais condôminos assumam as despesas condominiais.

    Mas, se nenhum dos demais condôminos assumir tais encargos, só restarão duas vias: a divisão amigável (por meio de escritura pública entre maiores e capazes), ou a divisão judicial (em caso de incapazes, ou falta de acordo dos capazes). Todavia, sendo indivisível o bem, procede-se à sua alienação, com a divisão proporcional do preço obtido.

    Outro busilis entre os condôminos ocorre se um deles assume isoladamente as dívidas, sem consentimento dos demais, mas em proveito da comunhão. Aí, para evitar o locupletamento indevido, o artigo 1.318 do CC permite ao proprietário que adiantou as despesas em benefício geral ajuizar a ação regressiva contra os demais condôminos que responderão à medida da extensão de suas respectivas cotas, ressarcindo-se ainda das obras como benfeitorias necessárias e...

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