Considerações sobre as ofertas públicas para aquisição de ações (OPAs) estado atual da questão

AutorVera Helena De Mello Franco
Páginas16-57

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1. Antecedentes

O tema não é novo, mas mal não fazem - tendo em vista o número de OPAs em andamento e a meritória atuação da CVM no setor - algumas incursões pelo terreno. Também não é deletério lembrar algumas noções básicas, introdutórias ao tema. Destarte:

1. 1 Significado Noções preliminares
1.1. 1 O que significa a expressão "oferta pública para aquisição de ações "/OPA?

A OPA nada mais é que a operação em que se revela publicamente aos acio-nistas de uma companhia aberta a intenção de comprar parte ou todas as ações, por um determinado preço (no mais das vezes su-perior à cotação atual), com a finalidade de assumir ou reforçar o controle sobre a sociedade alvo da oferta.1

1.1. 2 Núcleo

No cerne da operação tem-se o valor intrínseco do controle, como um bem a ser

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valorado em si mesmo, posto que a cessão de controle não se confunde com aquela de ações, ainda que em montante significativo. A primeira traz em seu bojo o poder de determinar o destino da sociedade, dispondo sobre os bens e pessoas que integram a empresa.

Como afirmamos em outro trabalho, "a diferença não é somente quantitativa, mas igualmente qualitativa, quando se o identifica como forma de relação de dominação ou poder de disposição sobre bens alheios".2

Isto é, o que se valoriza é a possibilidade real de influir, mediante o exercício do voto, na modelagem das estratégias e decisões que se refletem no resultado social. Mais ainda, o fato de deter esse poder permite que o controlador extraia da sociedade vantagens pessoais, denominadas private benefits control. Vale dizer: a obtenção de benefícios extraordinários em decorrência do exercício deste poder, ainda quando o bloco de ações representativos do controle seja inferior a 50% das ações com direito a voto, o que nem sempre pode ser do melhor interesse para a companhia.3

E assim ocorre tendo em vista o mecanismo de dissociação entre poder "vs. " risco e propriedade da riqueza "vs. " seu controle, característico nas sociedades anônimas e que pode atingir níveis elevados nas companhias abertas com um grande volume de ações dispersas pelo mercado. Cria-se, assim, situação em que o controlador, embora com um investimento significativamente menor, pode dispor de 100% do capital social na ordenação do destino da companhia. Por outro lado, quando esta dispersão é muito elevada, há a possibilidade de um terceiro concentrar em suas mãos, mediante oferta pública, as ações dispersas, assumindo o controle da companhia.

Por tal razão, é justificável que seja avaliado de per si como um valor em si mesmo que ultrapassa aquele correspondente ao do montante acionário que lhe é substrato.

Todavia, impõe-se lembrar que este poder tem sua contrapartida, posto a posição de acionista controlador não ser semelhante àquela dos demais acionistas. Por cuidar-se de um poder-função que deve ser exercido no interesse alheio, a lei atribui ao controlador responsabilidade pessoal pelos atos que não se destinarem à satisfação destes interesses - prática qualificada. então. como de abuso de poder.

A par disto, a alteração do controle afeta o destino da companhia e, por esta via, igualmente a vida dos não-controlado-res, o que exige normas de tutela para sua transferência.

1. 2 Origem da disciplina

A constatação da existência de um mercado para este poder (aquisição de par-

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te substancial das ações) data dos anos 60 do século passado nos Estados Unidos e Inglaterra, embora a ciência da sua existência tenha origem nos anos 30 graças a Berle e Means, quando identificaram a dissociação entre controle e propriedade da riqueza e entre poder de controle e risco.4

Atribui-se a Manne a criação da expressão - market for corporate control -, denunciando a perspectiva de substituir uma administração ineficiente em companhias abertas, com o intuito de lucrar com isto. Admitia-se, inclusive, a possibilidade de uma tomada hostil (contra a vontade dos atuais controladores) como um meio pelo qual os acionistas dispersos poderiam exercer sua influência sobre a companhia, vendendo suas ações a um terceiro interessado. A presunção, então, era a de que isto levaria a uma gestão mais adequada da companhia-alvo, dada a possibilidade de substituir os administradores menos competentes e empregando de forma mais eficiente seu capital.5

Com esta visão, a tomada de controle surgia como uma forma de sanear o mercado, liberando-o das companhias ineficientes e facultando-lhes melhor performance.6

1. 3 Destino do prêmio Correntes

Paralelamente, as opiniões dos especialistas sobre a disciplina deste mercado eram divergentes, especialmente quanto ao destino do prêmio pago a mais ao controlador (quando fosse o caso), por ocasião da alienação do controle.

Para alguns, fundados no princípio da liberdade de mercado e na presunção de que a intenção do autor da oferta seria a de aprimorar a gestão, o que indiretamen-te elevaria o valor das ações, beneficiando acionistas e companhia (Manne, Posner; Fischel e Easterbrook),7 o valor pago a mais pertenceria integralmente ao controlador.

Atese foi rejeitada, sob o argumento de que nem sempre a intenção do proponente seria aprimorar a gestão, com benefícios para os minoritários. Sugeriu-se, então, de forma intermediária, que o prêmio fosse apropriado pelo controlador, desde que a oferta fosse precedida de ampla divulgação e comprovada a boa-fé do controlador (Coffee, Jenings e Marsh).8 Tal entendimento levava à análise de cada caso, de molde a afastar a possibilidade de prejuízos aos minoritários.

Como decorrência desta posição, a divulgação ampla (full and fair disclosu-re) das condições essenciais do negócio, mediante ofertas públicas, seria impositi-va, impondo-se, ademais, a regulação do procedimento da oferta.

Outros negavam a possibilidade de que o valor referente ao bloco de controle

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fosse apropriado exclusivamente pelo controlador. O entendimento aqui era o de que todo negócio de cessão de controle encerraria um prejuízo para os minoritários.

Paralelamente, em arrimo desta posição, aventou-se a idéia de que o controle, como ativo social (corporate asset), pertenceria à companhia (Berle e Means),9 circunstância que tornaria ilegal o pagamento exclusivamente ao controlador.

Conseqüência, destarte, seria sua divisão entre os minoritários, pois, independentemente do fato de o controle não fazer parte dos bens incorpóreos da companhia e de as ações integrarem o patrimônio dos acionistas, o certo é que, igualmente, não fazia parte do patrimônio do controlador. Esta e outras teses (Baynes e Andrews), todavia, não vingaram, afastando a imposição da repartição do preço pago pelo controle dentre os minoritários.

De qualquer forma, a proposta (repartição do preço pelos não-controlado-res), embora rejeitada nos Estados Unidos, posto a OPA, lá, não ser obrigatória, disseminou-se pela Europa e, ao que parece, influenciou a lei acionária brasileira de 1976.

1. 4 Evolução

O crescimento das tenders offers para aquisição do controle das companhias e a falta de regulamentação adequada trouxeram o temor de que as companhias nacionais fossem "engolidas", vitimizando as pequenas companhias, então objeto favorito destas tomadas de controle.

A constatação, aqui, foi a de que nem sempre estas tomadas de controle eram benéficas para a companhia cujo controle era cedido, e por vezes tampouco para o ad-quirente do controle - como, aliás, verificou-se na evolução deste mercado.10

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Isto, a par da possibilidade de prejudicar, chamou a atenção da Securities and Exchange Commision, do que resultou o Williams Act of 1968, impondo o dever de informar aos acionistas sobre o conteúdo da oferta e, assim, facultando-lhes a melhor decisão no próprio interesse.11 Aregu-lação, contudo, ademais de não definir o que se deveria entender por tender offer, não a submeteu a maiores entraves, embora tenha criado reclamos pela imposição da sua publicação.12 Para alguns, inclusive, o prazo sugerido, de 20 dias, para que o lan-çador publicasse sua oferta facultaria mais tempo para os administradores adotarem táticas defensivas, levando ao seu fracasso.13

Mas, na visão da doutrina, o Williams Act não impediu nem prejudicou o crescimento das takeovers, apenas incentivando táticas mais sofisticadas. Não obstou, por outro lado, a práticas deletérias, tais como as chamadas bust up acquisitions - circunstâncias em que, uma vez efetivada a tomada do controle, parte do ativo da companhia era vendida para pagar o débito assumido pelo adquirente quando da realização da operação. Faz parte do elenco a chamada leveraged buyout (LBO). Nesta segunda modalidade, a aquisição de todas as ações da companhia era paga com recursos obtidos mediante a...

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