Considerações acerca do rateio internacional de custos e despesas

AutorRenato Nunes
Páginas252-263

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1. Introdução

O rateio de custos e despesas entre pessoas que tenham interesses comuns é prática que vem ganhando cada vez mais adeptos, tendo em vista constituir eficiente ferramenta para a melhora de resultados.

No caso de empresas, é imperativo a busca incessante de eficiência na gestão de custos e despesas, porquanto a geração de lucro é ainda o principal componente de sua função social, já que fundamento último para o desempenho da atividade econô-mica.1

O rateio evita que se incorra em custos e despesas além do que efetivamente a empresa necessita, contribuindo para o aumento da lucratividade e da própria qualidade da atividade, bem ou direito compartilhado, já que acaba merecendo maior atenção, tendo em vista a existência de uma pluralidade de empresas interessadas.

Não é de hoje que legislador, doutrina e jurisprudência se ocupam do tema, tendo havido bastante evolução no seu trato. Contudo, o rateio acompanha o dinamismo da atividade econômica, o que faz com que sejam incessantes as questões que cercam o assunto, notadamente quando cuidamos de negócios praticados entre empresas sujeitas a jurisdições distintas.

Tradicionalmente relacionado ao desenvolvimento de tecnologia e de atividades de meio para as empresas contratantes do rateio (serviços jurídicos, contábeis, market-ing etc.), seu âmbito de aplicação vem se revelando cada vez mais amplo.

Em vista disso, nada obstante a existência de farta jurisprudência administrativa, doutrina nacional e estrangeira de inegável qualidade, cremos importante manter aceso o debate sobre o assunto, o que faremos com maior afinco quanto ao rateio internacional de custos e despesas.

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2. Sobre o contrato de rateio de custos e despesas

O negócio jurídico de rateio de custos e despesas não encontra regulação legal específica no Direito brasileiro, tendo uma de suas modalidades, o compartilhamento de custos com pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias entre empresas localizadas no Brasil ou neste país e em outros, sido tratado administrativamente pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).2

Podemos mencionar também como exemplo a regulação do negócio jurídico de rateio em sede administrativa, promovido pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL),3 relativamente ao compartilhamento de infra-estrutura entre as empresas prestadoras de serviços de telecomunicação.

Nesta esteira, o que verificamos são regulações infralegais e que versam sobre modalidades de rateio, inexistindo, pois, um tratamento dos aspectos determinantes do regime jurídico geral de tal categoria negocial.

A ausência de regulação própria não é óbice, contudo, à criação de novos negócios pelas pessoas. Deveras, no Direito brasileiro, em matéria de assuntos que interessam mais de perto às pessoas neles envolvidas, nos quais ainda se sobressai o cunho egoístico, a autonomia da vontade é consagrada constitucionalmente, consistindo verdadeiro princípio.4

O Direito brasileiro outorga às pessoas, mediante exercício da autonomia da vontade, competência para regular suas relações através de tipos pré-estatuídos juridicamente - negócios típicos - ou por meio de regulações sem previsão legal específica - negócios atípicos.5

Na primeira situação, restam aplicáveis tanto os requisitos gerais previstos para a celebração de negócios jurídicos quanto os específicos, atinentes ao tipo legalmente previsto (ex.: compra e venda, doação, permuta etc.). Já na segunda, o cumprimento dos requisitos gerais legitima as partes contratantes a celebrar negócios não previstos em lei.

O contrato de rateio é um exemplo de negócio atípico, eis que, conforme registramos, este tipo negocial não encontra previsão legal, o que de nenhuma forma constitui impedimento à sua celebração.6

De uma maneira geral, os contratos de rateio têm como causa (finalidade)7 o

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desejo de partes compartilharem esforços, o que dá lugar à divisão dos custos e despesas sobre os quais possuam interesse comum.8

Neste aspecto, pensamos que a causa do contrato de rateio é similar à que geralmente prepondera no contrato de sociedade,9 que é a comunhão de interesses em torno da exploração determinada atividade, conforme nos ensina Fábio Kon-der Comparato:10 "Característica fundamental do negócio jurídico de sociedade é a convergência de todos os atos ou prestações para um fim comum, considerado de interesse social e, portanto, distinto do interesse individual dos sócios".

Esta característica da causa do contrato de rateio imprime um traço bastante particular à relação jurídica decorrente, qual seja, os interesses preponderantes das partes não serem contrapostos, e sim comuns, no intuito de cooperação, colaboração.11

Numa relação jurídica assimétrica,12 os interesses das partes são comuns quanto à realização do objeto do contrato, mas não sobre as prestações correspondentes. Num contrato de compra de venda, a realização desta é interesse comum das partes envolvidas. Já não podemos afirmar o mesmo quanto às prestações, porquanto o comprador quer receber o bem e o vendedor, o preço.

Nos negócios em que os interesses das partes são preponderantemente comuns, a contraposição passa a ser secundária com relação à comunhão.13 Disso, concluímos ser nota imprescindível à caracterização do contrato de rateio a circunstância de todas as partes envolvidas beneficiarem-se efeti-va ou potencialmente do bem, direito ou atividade compartilhada.

É claro que há também no rateio contraposição de interesses quanto ao dever da empresa centralizadora de disponibilizar de determinado bem, direito ou atividade em favor das demais partes, o qual tem como

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desdobramento o dever de estas restituírem àquela sua quota-parte nos custos e despesas correspondentes.

O que prepondera, no entanto, é o fato de que a empresa centralizadora não simplesmente disponibiliza um bem, direito ou atividade, mas também é beneficiária efetiva ou potencial do item objeto de compartilhamento.

Assim, num grupo econômico em que uma holding centralize os profissionais da área jurídica, para se falar em compartilhamento dos serviços dos respectivos profissionais com as demais empresas, todas, inclusive e especialmente a controladora, devem ser beneficiárias efetivas ou potenciais das atividades.

No caso específico de a contratante dos profissionais não poder ser tida como beneficiária, mesmo que potencial, não se terá compartilhamento, mas sim prestação de serviços jurídicos, que passará a constituir atividade-fim da controladora, mesmo que não contemplada expressamente em seu objeto social.

Não haverá, em tal situação, um negócio jurídico de rateio; haverá sim a prática de atividade de forma ilegítima, posto não estar contemplada no estatuto ou contrato da sociedade, e também exercício irregular de profissão, pelo fato de se tratar de prestação de serviços jurídicos, reservada em caráter exclusivo a advogados e sociedades de advogados.14

2. 1 Inexistência de preço no contrato de rateio

É característica fundamental do contrato de rateio o fato de ao menos uma das partes realizar dispêndios com algo compartilhado com a outra ou outras partes e estas deverem pagar sua quota-parte a quem tenha efetuado o desembolso.

Há divergência doutrinária15 sobre a natureza do pagamento em causa, comu-mente denominado reembolso, se esta é a de preço ou se de simples medida compen-satória.

Preço é a soma em dinheiro objeto do pagamento em contraprestação pela aquisição de um bem ou direito ou tomada de um serviço (em regime civil ou empresarial).16

No Direito brasileiro, o pagamento somente tem como objeto o preço nos negócios que dão lugar a uma relação jurídica assimétrica, isto é, em que os interesses preponderantes das partes sejam contrapostos.17

Desta forma, entendemos que a remuneração paga à empresa centralizadora do custo ou despesa não tem a natureza de preço,18 mas sim de simples medida com-

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pensatória,19 razão pela a palavra reembolso ou adiantamento, no caso de custo ou despesa a incorrer, nos parecem bastante apropriadas.

2. 2 Contraponto entre contrato de rateio e negócios com causa semelhante - Sociedade e consórcio

A comunhão de interesses é nota presente em outros tipos negociais, mas que, em função de suas peculiaridades, não se confundem com o negócio de rateio.

No contrato de sociedade, por exemplo, há uma comunhão de esforços de no mínimo duas partes, com vistas à consecução de um determinado objeto, obtenção e repartição de lucro entre os sócios.

Os traços que, a nosso ver, diferenciam com clareza a causa do contrato de rateio do contrato de sociedade consistem no fato de que naquele, primeiramente, a comunhão dá-se em torno de um bem, direito ou atividade, enquanto que no segundo, a comunhão volta-se unicamente ao último destes itens.

Além disso, no compartilhamento de atividade, esta é voltada unicamente para as próprias partes do rateio, e não para terceiros, como ocorre com a sociedade.20 Nesta, a atividade é desempenhada em favor da coletividade que com a sociedade contratar, o que eventualmente pode incluir os próprios sócios, e sempre com a finalidade de geração de lucro. No rateio, o lucro não é objetivo imediato do contrato, porquanto será verificado ou não no âmbito particular de cada parte contratante.

Diferente também é o contrato de rateio do de...

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