Entrevista com o ministro Octavio Gallotti

AutorFernando de Castro Fontainha/Fabrícia Guimarães
Páginas33-106
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OCTAVIO GALLOTTI
Apresentação pessoal e de sua família, e as memórias
do bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro
FERNANDO FONTAINHA  FF  Ministro, primeiramente, em
nome próprio e em nome da Fundação Getulio Vargas, eu gosta-
ria de agradecer imensamente a disponibilidade do senhor em
nos conceder esse depoimento, que vai agregar ao enorme acer-
vo do Programa de História Oral da Fundação, e eu gostaria de
começar essa entrevista, ministro, perguntando para o senhor
seu nome completo, a data e o local do seu nascimento e o nome e
a prof‌i ssão dos seus pais.
OCTAVIO GALLOTTI  OG  Meu nome completo é Luiz Octa-
vio Pires e Albuquerque Gallotti. Meu pai, Luís Gallotti, nas-
cido em Santa Catarina, f‌i lho de italianos; minha mãe, Maria
Antonieta Pires e Albuquerque Gallotti; meu avô materno,
baiano, de velha família; todos residentes na Tijuca, onde eu
nasci. Nasci mesmo na Tijuca, na casa de meus pais. Na Tijuca,
os partos ainda eram feitos em casa. Estou dizendo que nasci
na Tijuca porque, mais importante do que ter nascido no Rio
de Janeiro, é ter nascido na Tijuca. A Tijuca é um bairro dife-
rente: era um vale determinado pelos rios Maracanã e Trapi-
cheiros, e guardava, ainda, muito sabor de sua origem rural.
FF  O senhor se lembra do endereço na Tijuca?
OG  Rua Visconde de Cabo Frio, número 12. Era uma casa
parede-meia. Com algum tempo, meu pai pôde adquirir um
lote em frente, onde construiu uma casa e, nela, dos 5 anos de
idade até vir para Brasília, aos 30 anos, lá morei, sempre na Ti-
juca. Continuei vinculado, enquanto meus pais viviam, mas...
Sou tijucano. Tijucano é um gentílico que só existe para o bair-
ro da Tijuca. No mundo inteiro, não existe um bairro, dizem os
historiadores, comportando nome gentílico.
34 HISTÓRIA ORAL DO SUPREMO VOLUME 17
Contexto familiar
FF  Ministro, a data do seu nascimento e a prof‌i ssão dos seus pais.
OG  Nasci no dia 27 de outubro de 1930. Minha mãe era,
como se dizia, do lar; meu pai era procurador da República no
Distrito Federal e ainda exercia os últimos meses do seu man-
dato de deputado estadual à Assembleia de Santa Catarina, que
viria a ser dissolvida pouco depois, pela Revolução de 1930.
FABRÍCIA GUIMARÃES  FG O senhor tinha irmãos? Tem irmãos?
OG  Tenho uma irmã, uma só irmã, que mora ainda no Rio de
Janeiro, recentemente viúva. Também estudou Direito, mas já
temporã na prof‌i ssão.
FF  Ministro, como é que o senhor descreveria a casa em que o
senhor cresceu? Como foi sua infância?
OG  Até os 5 anos, na rua Visconde de Cabo Frio. A rua Vis-
conde de Cabo Frio f‌i ca na Tijuca – para localizar-se, digamos,
entre a rua José Higino e a rua Uruguai, que são ruas maiores –,
um quilômetro a montante da Praça Sáenz Peña. Até os 5 anos,
morei ali, naquela pequena casa parede-meia, que não exis-
te mais. Aos 5 anos, mudamos para uma casa que meu pai fez
construir. Hoje, também, é um edifício de apartamentos. Os co-
légios que estão nessa infância... A minha infância foi uma boa
infância. Meus avós maternos moravam numa casa de rua mui-
to próxima, a rua José Higino, casa que era o prolongamento
de um engenho baiano. Meu avô era o primeiro neto do último
senhor da Torre de Garcia d’Ávila, o visconde da Torre, e minha
avó, também, vinha daqueles barões do Recôncavo, então era
uma casa muito patriarcal. Meu avô tinha nove f‌i lhos. Éramos
muitos primos, muito unidos. E havia umas férias encantadas,
na casa de minha avó paterna. Meu pai perdeu o pai com nove
anos, mas minha avó sobrevivia em um grande casarão que nós
pudemos, mais recentemente, doar ao município de Tijucas,
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OCTAVIO GALLOTTI
Santa Catarina, e hoje é um emblema da cidade, funciona como
centro cultural. Ali, eu tinha uma vida inteiramente diferente,
porque... Tijucas é uma pequena cidade a 50 quilômetros ao
norte de Florianópolis. Mas não era uma avó facilmente acessí-
vel. A gente levava três dias navegando em navios do Lloyd, na-
vegando à noite, e, durante o dia, atracada nos portos de Santos,
Paranaguá... para chegar a Florianópolis, onde se tomava uma
pequena lancha para nos levar ao cais. Então eram duas vidas
muito diferentes. Na realidade, muito, também, na fantasia do
menino. O curso primário, f‌i z no Colégio São José, dos Irmãos
Maristas, na rua Barão de Mesquita, um colégio de férrea dis-
ciplina. Então nós só pudemos desabrochar, essas crianças,
quando eu fui para o Instituto Lafayette. O Instituto Lafayette
era um grande colégio. Hoje, o edifício é ocupado pela Fundação
Bradesco, ali na rua Haddock Lobo, em frente à Igreja dos Capu-
chinhos. Nosso curso, chamado então curso clássico, conserva-
va alguma tradição de um pré-jurídico que havia sido e três de
meus professores se tornaram desembargadores; e dali viemos,
contemporâneos, três ministros do Supremo Tribunal: Moreira
Alves, Célio Borja e eu, o que é uma coincidência extraordinária,
sobretudo sendo um colégio da Zona Norte. Porque, em geral, as
famílias social e economicamente mais bem situadas estavam
já estudando no Santo Inácio e em outros colégios da Zona Sul.
Mas, no último ano do ginásio, cursei os dois últimos meses no
Colégio Catarinense, dos padres jesuítas. Porque, em 1945, as-
sumiu o governo o ministro José Linhares, com a deposição do
presidente Getúlio Vargas, e ele nomeou meu pai, que era pro-
curador da República, interventor federal em Santa Catarina.
Aí também foi um período diferente para mim: morava no ve-
lho palácio rosa da Praça XV, onde está a celebrada f‌i gueira de
Florianópolis. Minha avó, infelizmente, não vivera o bastante
para ver o f‌i lho interventor federal. Na volta, fui para o Instituto
Lafayette, como já disse, e depois para a Faculdade Nacional de
Direito, da então Universidade do Brasil, hoje UFRJ.

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