Entrega voluntária de bebês para adoção

AutorRobespierre Foureaux Alves
CargoJuiz de direito substituto
Páginas114-116
Robespierre Foureaux AlvesPRÁTICA FORENSE
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
PRÁTICA FORENSE
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Robespierre Foureaux AlvesJUZ DE DRETO SUBSTTUTO
ENTREGA VOLUNTÁRIA DE
BEBÊS PARA ADOÇÃO
Infelizmente, não é raro sermos informa-
dos pela mídia sobre casos de abandono
de bebês em locais públicos – mães que
deixam recém-nascidos à própria sorte
dentro de caixas de papelão em praças ou
dentro de latas de lixo em rodoviárias ou ba-
nheiros públicos, sujeitando-os a morrer de
frio, de fome ou de alguma doença.
Também não são incomuns os lamentáveis
casos de mães que, por ganância, entregam
seus filhos a terceiros mediante pagamento
ou promessa de recompensa, sendo digno de
registro que muitas vezes a aproximação en-
tre as mães e os interessados que recebem as
crianças é intermediada por grupos criados em
redes sociais ou por pessoas sem nenhum es-
crúpulo que cobram comissão dos envolvidos.
Vale lembrar ainda os tristes casos de in-
fanticídio e abortos ilegais, estes usualmente
realizados pelas próprias gestantes em casa
ou em clínicas clandestinas, colocando a pró-
pria gestante em risco.
As condutas acima, consideradas crimes
pelo ordenamento jurídico pátrio (arts. 123, 124
e 133 do Código Penal e art. 238 do Estatuto da
Criança e do Adolescente), são praticadas, na
maioria das vezes, por falta de conhecimento
sobre um direito expressamente previsto no
ordenamento jurídico pátrio: a entrega volun-
tária de bebês para adoção.
Não se pode olvidar ainda os milhares de ca-
sos de adoção irregular. Nessa categoria se in-
serem todos os episódios em que mães e pais,
por falta de condições financeiras, psicológicas
ou outros motivos, entregam seus filhos aos
cuidados de terceiros de forma definitiva sem
exigir pagamento ou remuneração. Os infan-
tes passam a conviver em famílias escolhidas
pelas próprias mães, sem qualquer garantia de
que estarão sendo bem cuidados, formando-se
vínculos de afinidade e afetividade impossí-
veis de serem rompidos posteriormente.
A adoção irregular constitui grande risco
para todos. Não há nenhum acompanhamento
pelo Poder Judiciário, não se sabendo se a pes-
soa ou família que recebeu a criança é idônea
e está dispensando os cuidados necessários
ao infante. Os genitores que entregam seu fi-
lho de forma irregular, assim como as pessoas
que recebem a criança, podem ser chamados
perante as autoridades para prestar esclareci-
mentos e, eventualmente, até responder a um
processo criminal. Além disso, se comprovada
a entrega irregular, os pais perderão o poder
familiar (art. 1.638, inc. , do Código Civil) e as
pessoas que acolheram a criança podem até
mesmo não ficar com ela, já que é cabível a
busca e apreensão do infante e seu posterior
encaminhamento para adoção regular, caso
não se trate de situação consolidada em razão
do tempo e dos vínculos formados.
A prática acima descrita, que está em total
desconformidade com a lei, é muito comum,
como pode atestar qualquer operador do di-
reito que atua na área da infância e juventude,
e várias vezes também decorre da absoluta
falta de informações sobre a possibilidade da
entrega voluntária para adoção.
ANÁLISE DO INSTITUTO
A entrega voluntária de bebês para adoção
é direito da mãe e está previsto de forma clara
em diversos artigos do Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei 8.069/90), notadamente
no artigo 19-:
Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interes-
se em entregar seu filho para adoção, antes ou logo
após o nascimento, será encaminhada à Justiça da
Infância e da Juventude.
Toda e qualquer entrega de bebê para ado-
ção deve obrigatoriamente ocorrer junto a
uma vara da infância e juventude, ou seja,
deve a grávida ou a mãe procurar o Poder Ju-
diciário para ser orientada e posteriormente
efetuar a entrega.
A gestante ou mãe que manifestar sua in-
tenção de entregar voluntariamente bebê para
adoção em qualquer órgão ou entidade que
integre a rede de proteção (hospitais, postos
de saúde, , , conselhos tutelares etc.)
deve ser encaminhada, sem qualquer constran-
gimento, a uma vara da infância e juventude
(art. 13, § 1º, do ). A omissão no encaminha-
mento por parte de pessoa que integra a rede
de proteção constitui infração administrativa,
podendo ser aplicada multa de R$ 1.000,00 a R$
3.000,00 ao infrator (art. 258- do ).
Vale sublinhar que o encaminhamento da
gestante ou mãe deve ocorrer sem constran-
gimentos. Em outras palavras, é vedado a
qualquer pessoa que atua na rede de proteção
questionar a decisão da gestante ou genitora,
insistir para que ela mude de ideia e fique com
a criança ou de qualquer forma pressionar a
mãe para que desista da entrega.
Ainda que o desejo da entrega voluntária
exista desde a gestação, o ato em si só pode
ocorrer após o nascimento da criança (art. 19-
, § 5º, e art. 166, § 6º, ambos do ).
A entrega só pode ser realizada com a inter-
venção do Poder Judiciário e não pode ser reali-
zada de forma verbal ou por documento escrito,
seja por instrumento particular ou por escritu-
ra pública (art. 166, § 4º, do ), devendo sempre
ocorrer por meio do procedimento judicial pre-
visto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
É resguardado por lei o sigilo quanto à en-
trega, que é formalizada em procedimento si-
giloso, só acessível ao magistrado e ao promo-
tor que atuam na vara da infância e juventude
e também ao advogado da mãe ou defensor
público, caso a genitora não tenha condições
de contratar advogado (art. 166, § 3º, do ).
É garantido à mãe o sigilo sobre o nasci-
mento, tendo a genitora o direito de não o co-
municar a seus familiares, assim como de não
dizer quem é o pai da criança (art. 19-, §§ 4º e
8º e art. 166, § 3º, do ).
Uma vez informado ao Poder Judiciário o
desejo da gestante ou mãe de entregar o bebê
para adoção, é instaurado um procedimento
judicial, cujo primeiro ato é o atendimento da
mulher pela equipe de psicólogas e assistentes
sociais que atua na vara da infância e juventu-
de, que deverá elaborar um relatório do aten-
dimento, a ser encaminhado ao juiz (art.19-, §
1º e art. 166, § 2º, ambos do ).
Durante o atendimento, a equipe técnica
deve perquirir os motivos do interesse na en-
trega voluntária, a fim de verificar se a gestante
ou mãe não está em estado puerperal, se está
segura da abdicação e ciente das consequências
do ato, que deverão ser explicadas à mulher, es-
pecialmente quanto ao seu caráter irrevogável.
Aqui cabe ponderar que diversos fatores po-
dem levar a gestante ou mãe a optar pela entre-

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