Entidades fechadas de previdência complementar - revisão de sua imunidade tributária - impossibilidade de incidência de IRPJ e CSLL sobre seu superávit

AutorJulia de Menezes Nogueira
CargoMestre e Doutoranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada em São Paulo
Páginas66-85

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O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 7 de fevereiro de 2014, a repercussão geral da matéria objeto do recurso da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar-ABRAPP,1 em que se arguiu a inconstitucionalidade de legislações que pretenderam tributar, pelo imposto sobre a renda, o superávit das entidades fechadas de previdência privada (MP n. 2.222/2001, revogada pela Lei n. 11.053/2004 e Lei n. 6.465/1977, revogada pela Lei Complementar n. 109/2001).

Considerando tal acontecimento, entendemos oportuno revisitar a questão da imunidade dessas entidades, bem como demonstrar a absoluta impossibilidade de se fazer incidir IRPJ e CSLL sobre eventual superávit apurado.

1. Natureza jurídica das entidades fechadas de previdência complementar

A previdência social brasileira se baseia em três pilares: o primeiro é o da previdência social, o segundo é o da previdência complementar fechada e o terceiro é o da previdência complementar aberta. Embora apresentem semelhanças, cada um desses subsistemas normativos apresenta características e regime jurídico próprio.

As entidades fechadas de previdência complementar, também conhecidas como fundos de pensão, são constituídas por iniciativa de uma ou mais empresas empregadoras

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ou por entidade de classe que pretenda contribuir para complementar a aposentadoria de seus empregados e associados, tornando-se patrocinadora (ou no caso das entidades de classe "instituidora") de um ou mais planos de previdência privada.2Esclarece Póvoas: "Entidades fechadas são as constituídas por iniciativa de uma empresa ou de um grupo de empresas para ocorrerem exclusivamente - daí a qualificação de fechadas - às necessidades suplementares previdenciárias dos seus empregados. A empresa ou empresas que instituem a entidade fechada, por razão do encargo legal que assumem de suportarem na totalidade ou em parte o custeio do plano de benefícios, tomam o nome de patrocinadoras".3Weintraub assinala que muitos se equivocam ao pensar que a empregadora é dona do fundo de pensão que criou. Na verdade, "a empresa empregadora (ou empregador) é ‘patrocinadora’, podendo fazer parte do quadro dos órgãos internos da entidade previdenciária (conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria executiva), mas jamais poderá ter a propriedade sobre o fundo de pensão que patrocina".4As entidades fechadas de previdência complementar são, portanto, vinculadas às patrocinadoras ou instituidoras dos planos que administram, porém autônomas em relação a estas. Do ponto de vista societário, a entidade "nasce como fundação ou associação civil, com a finalidade exclusiva de gerir recursos dos trabalhadores, isto é, gerir poupança previdenciária dos trabalhadores, composta pelas contribuições destes, dos empregadores (nos planos patrocinados) e da sua rentabilidade".5As entidades fechadas, de acordo com a legislação vigente, podem administrar um ou mais planos de previdência privada. Quanto ao número de planos que administram, são classificadas como: de plano comum (quando administram um plano ou um conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes) ou de multiplano (quando administram um plano ou um conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial), conforme disposto no art. 34, I, da Lei Complementar n. 109/2001.

Além de poderem gerir mais de um plano de previdência, as entidades fechadas também podem estar vinculadas a apenas um ou a vários patrocinadores ou instituidores. Serão classificadas como "singulares" quando ligadas a apenas um patrocinador ou instituidor ou "multipatrocinadas" quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor (art. 34, II, da Lei Complementar n. 109/2001).

Sua forma de constituição ainda gera controvérsia na Doutrina, porque a Lei Complementar n. 109/2001 estabeleceu que fossem constituídas como fundação ou sociedade civil. Contudo, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, deixou de ser possível a figura da sociedade civil sem fins lucrativos, e a fundação passou a ter ob-

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jetivos restritos, não incluindo a previdência privada (cf. os arts. 44, 62, parágrafo único e 981, do CC/2002). A esse respeito, discorre Gaudenzi:

"Diante disso, a doutrina divide-se em considerar, por alguns, que a espécie de organização jurídica aplicável às entidades fechadas de previdência complementar desde o advento do novo Código Civil é o da associação, pois, dos tipos mencionados no art. 44 supratranscrito, é aquele que mais se assemelha a estrutura da previdência complementar fechada, e por outros, que o disposto no art. 31, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001, ainda é aplicável por se tratar de norma complementar à Constituição Federal e de caráter especial, pois regula o regime jurídico da previdência complementar privada. Há ainda aqueles que concluem pela defesa de que as entidades fechadas de previdência complementar passaram à condição de entidades sui generis.

"Não obstante tal discussão, a Secretaria de Previdência Complementar, por intermédio da Portaria n. 2, de 8 de janeiro de 2004, dispensou as entidades fechadas já constituídas anteriormente à edição do Código Civil de 2002, à promoção de modificações em seus estatutos."6Assim, quanto às entidades fechadas de previdência privada constituídas anterior-mente ao Código Civil de 2002, a questão foi resolvida pelo órgão regulador, que as dispensou de alterar seus estatutos.

Já no que se refere às entidades constituídas após a edição do Código Civil de 2002, ainda há controvérsia. No entendimento de Weintraub, por exemplo, devem ser organizadas sob a forma de fundações: "A figura das sociedades civis sem fins lucrativos não foi recepcionada pelo atual Código Civil, restando apenas a figura da fundação, que, por suas características fundamentais, não admite finalidade lucrativa. Os fundos de pensão devem se adaptar à nova estrutura civil imposta pelo novel Código. Após o advento do Código Civil novo, os próprios cartórios de registro de pessoas jurídicas não mais estão registrando as entidades fechadas como sociedades civis sem fins lucrativos, e sim apenas como fundações".7Conforme dissemos, característica essencial das entidades fechadas é o fato de não poderem ter fins lucrativos, diferentemente do que ocorre com as entidades abertas de previdência complementar, que podem ou não ter tal finalidade. Nesse sentido, o art. 31, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que "as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos". A esse respeito, esclarece Reis: "Todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes, não sendo possível a destinação de recursos para um terceiro que não sejam os próprios participantes e assistidos dos planos de benefícios. Não existe a figura do ‘empresário’, ‘acionista’ ou ‘cotista’, mas se existir, vai se confundir necessariamente com os próprios destinatários do plano de previdência".8Sendo organizadas sob a forma de entidades sem fins lucrativos, o resultado por elas auferido corresponderá a superávit ou déficit, mas não a lucro ou prejuízo. Se for superavitário, deverá ser integralmente revertido em favor dos beneficiários dos planos por ela administrados, por imposição do art. 20 da referida Lei Complementar.

Além das características acima, as entidades fechadas de previdência complementar estão sujeitas à regulação e à fiscalização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC, submetida ao

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Ministério da Previdência Social. Já as entidades abertas, assim como as seguradoras e resseguradoras estão sujeitas à fiscalização da SUSEP-Superintendência de Seguros Privados, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Com isso, aproxima-se a previdência social, e a previdência aberta do mercado securitário e financeiro.

Resta claro, portanto, que o único e exclusivo objetivo de uma entidade fechada de previdência complementar é dar cobertura a riscos sociais, em especial à velhice, em colaboração com o Estado que, através da assistência social que lhe incumbe prestar, deve garantir proteção à família, à materni-dade, à infância, à adolescência e à velhice.

O fato de essas entidades não poderem ter fins lucrativos lhes confere natureza especial, uma vez que só existem pelo fato de as empresas, em obediência ao seu papel social, pretenderem contribuir, com ou sem a participação de seus empregados, para que estes venham a auferir aposentadoria capaz de lhes manter padrão de vida correspondente ao que desfrutavam quando na ativa.

Além disso, os planos de previdência privada oferecidos pelas entidades fechadas muitas vezes também contemplam benefícios de risco, como seguro de vida e de invalidez e pensão por morte, os quais cobrem igualmente riscos sociais relevantes. Essas características distinguem nitidamente as entidades fechadas das abertas, e certamente precisam ser levadas em conta quando da definição de seu regime tributário.

2. A questão da imunidade das EFPC

As entidades fechadas de previdência complementar são assistenciais? Essa questão já foi, e continua sendo, inflamadamente debatida pela Doutrina e pela Jurisprudência. Da resposta dada podem derivar consequências importantes, especialmente quanto à sua qualificação como imune à incidência de impostos, nos termos do art. 150, VI, "c", da Constituição Federal,9e contribuições previdenciárias, conforme seu art. 195, § 7º.10No passado, as entidades...

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