Ensino jurídico, imaginação e reflexão: cinema como ferramenta pedagógica para o ensino reflexivo e criativo de 'tutela coletiva de direitos'
Autor | Pedro Fortes |
Páginas | 41-60 |
ENSINO JURÍDICO, IMAGINAÇÃO E REFLEXÃO:
CINEMA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO
REFLEXIVO E CRIATIVO DE ‘TUTELA COLETIVA DE DIREITOS’
PEDRO FORTES1
1. Introdução
O presente ensaio consiste no registro de uma experiência didática realizada na
FGV DIREITO RIO nos anos de 2008 e 2009, quando utilizei o cinema como fer-
O texto será dividido em 5 partes. Além desta breve introdução, a seção seguinte
irá explicar a ferramenta (), instrumento uti-
lizado nas faculdades de direito dos Estados Unidos para estimular participação
-
trabalho dos alunos de maneira lúdica e interessante e como um elemento para o
estudo do contexto e para uma análise comparada do direito dos Estados Unidos
e do Brasil. A seção subsequente ressalta o caráter de exercício de imaginação
desta ferramenta pedagógica e como o uso de cinema contribuiu para ampliação
cinema como ferramenta do ensino jurídico e da imaginação para a análise jurídica.
2. Exercícios de Relexão
Ao ser contratado como professor da FGV DIREITO RIO, em julho de 2008,
Havia retornado ao magistério superior em direito no Brasil após meus mestra-
dos em Harvard e Stanford e pretendia produzir um material didático inspirado
por algumas das experiências que tinha vivenciado nos Estados Unidos. Fiquei
1 Pedro Rubim Borges Fortes é professor da FGV DIREITO RIO. É graduado em direito pela
UFRJ, em administração pela PUC-Rio, LL.M. pela Harvard Law School, J.S.M. pela Stanford
Law School e doutorando em direito por Oxford. Foi professor visitante na WB NUJS em
Calcutá, na Índia, na Universidade Goethe, em Frankfurt, e pesquisador visitante no Instituto
Max Planck de Hamburgo, Alemanha. Dentre suas honras acadêmicas, foi professor home-
nageado em 2004, 2005 e 2011 e foi selecionado para o IV International Junior Faculty Fo-
rum em 2011. É ex-procurador do Banco Central e promotor de justiça no MPRJ desde 2000.
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particularmente impressionado pelo uso da ferramenta
(), ensaios curtos produzidos pelos alunos regularmente como
os alunos devem produzir estudos em que se engajam com os materiais dis-
ponibilizados pelo professor para uma determinada aula, dialogando com o
conteúdo a partir de sua própria perspectiva e produzindo análises originais
Estes constituem uma proposta do professor para
selecionados normalmente permitem leituras variadas por parte dos estudan-
tes, convidando-os a questionar o modelo dominante e a desconstruir algumas
certezas tidas como absolutas e necessárias. Por exemplo, no curso de Direitos
Humanos na Harvard Law School, iniciamos nossos debates com textos que
criticavam o movimento dos direitos humanos como parte do problema a ser
enfrentado para proteger os direitos humanos, que alertavam para certa visão
práticas do sistema internacional de proteção de direitos humanos2. Já no cur-
so de Direito e Sociedade na , iniciamos os debates por
uma profunda análise do conceito de cultura jurídica, um conceito tido como
natural e parte inerente da própria experiência jurídica, mas que foi cunhado
e articulado no pós-guerra pelo professor Lawrence Friedman que conduzia
o nosso curso juntamente com Rogelio Perez-Perdomo3. Em ambos os casos,
os ensaios dos alunos se engajavam com os materiais de leitura, de modo a
aprofundar os debates a partir de diálogos, exemplos e comentários que pre-
tendiam explorar diversas perspectivas sobre os temas propostos.
parte tanto dos alunos, quanto dos professores. Os docentes têm que preparar
-
vencional sobre o direito e a desenvolver uma perspectiva crítica. O objetivo é
retirar os alunos de sua zona de conforto, estimulando-os a participar de maneira
diferenciada dos debates de sala de aula. Assim, os materiais didáticos devem ser
ricos em elementos complexos e incompletos, apresentando aos alunos um reper-
tório variado de perguntas, questionamentos e críticas ao modelo vigente, sem
2 Veja David Kennedy, The International Human Rights Movement: Part of the Problem? 14
Harvard Human Rights Journal pp. 101-126 (2002); Makau W. Mutua, Savages, Victims, and
Saviors: The Metaphors of Human Rights, 42 Harvard International Law Journal, pp. 201—
245 (2001).
3 Veja Lawrence Friedman, Is there a modern legal culture? 7 Ratio Juris, pp. 117-131 (1994);
Lawrence Friedman, Legal culture and social development, 4 Law & Society Review, pp.
29-44 (1969).
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