Ensinar direito: O sentido de criar sentidos

AutorRonaldo Porto Macedo Junior - Ana Cristina Braga Martes
Ocupação do AutorProfessor na FGV Direito SP e USP - Professora na FGV / EAESP
Páginas65-82
ENSINAR DIREITO: O SENTIDO DE CRIAR SENTIDOS1
RONALDO PORTO MACEDO JUNIOR2
ANA CRISTINA BRAGA MARTES3
É comum encontrar em diversos textos sobre educação jurídica o pressupos-
to de que a função social, o propósito ou sentido do ensino jurídico é formar
bacharéis para atuar nas prof‌i ssões tradicionais da área, tais como advogado,
promotor e juiz, assim como em atividades político—legislativas ou vinculadas
à regulação da administração pública. Contudo, há fortes evidências empíricas
para justif‌i car que tal pressuposto é no mínimo problemático. Atualmente, há
no Brasil mais de 1.200 escolas de direito que formam milhares de bacharéis
que sequer obterão aprovação no exame da Ordem dos Advogados. A média
nacional de aprovação no exame da OAB em 2012 não ultrapassou 25% (vinte
e cinco por cento) dos estudantes que obtiveram diploma nesta área.4
É notável que países mais populosos como a China, Índia e EUA possuam
um número menor de escolas de direito. Segundo dados informados por Jeffer-
son Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, no Brasil,
“temos 1.240 faculdades de direito. No restante do mundo, incluindo China,
Estados Unidos, Europa e África, temos 1.100 cursos, segundo os últimos dados
que tivemos acesso”5.
Parece existir uma tendência à proliferação do número de faculdades de
direito em outros países da América Latina. Contudo, é seguro dizer que o Bra-
sil ocupa um lugar de destaque no ranking dos países com maior quantidade de
estudantes de direito do mundo. O quadro a seguir apresenta dados compara-
tivos eloquentes relativos ao ano de 2009.6
1 Uma primeira versão das ideias deste artigo foram apresentadas no Global Legal Education
Forum, ocorrido na Harvard Law School entre 23 e 25 de março de 2012.
2 Professor na FGV Direito SP e USP.
3 Professora na FGV / EAESP.
4 Dados obtidos nos sites: http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/01/oab-
-divulga-lista- f‌i nal-dos-aprovados-no-exame-de-ordem.html. Acesso em: 15.03.2012.
5 Cfr. Site do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, matéria de 13.10.2010,
Brasil tem mais faculdades de Direito do que todo o mundo, in http://www.oab.org.br/no-
ticia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-todos-os-paises. Acesso
em 26.12.2013.
6 Cfr. Ter mil escolas permite diversidade, diz MEC, de Larissa Garcia, texto publicado sába-
do, dia 14 de março de 2009, in http://www.conjur.com.br/2009-mar-14/f‌i nde-mil-escolas-
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CADERNOS FGV DIREITO RIO
País Habitantes Número de faculdades de direito Habitante por faculdade
Estados Unidos 300 milhões 300 1 milhão
Chile 15 milhões 44 340 mil
Colômbia 46 milhões 140 328 mil
Brasil 190 milhões 1.068 178 mil
Paraguai 6,8 milhões 40 170 mil
Argentina 40 milhões 300 133 mil
Ainda que não se disponha de dados estatísticos precisos, é correto af‌i r-
mar que uma grande parcela dos formados em direito, provavelmente a maio-
ria, a julgar pelo número de aprovados no exame da OAB, não exercerá uma
prof‌i ssão jurídica. Muitos serão absorvidos pelo mercado de trabalho em áreas
não diretamente relacionadas ao direito, como administração (pública e priva-
da), comércio e indústria, entre outros.7
A questão da baixa qualidade do ensino do direito no país também tem
chamado atenção. Diversos estudos há tempos apontam para as graves de-
f‌i ciências do ensino jurídico no Brasil.8 Ao considerar apenas um indicador,
ainda que problemático, como uma ”Proxy” da qualidade do ensino, se poderá
ter uma dimensão da gravidade do problema. Em 2013, de todos os cursos de
direito no Brasil, a OAB recomendava como bons apenas 7,4% do total9.
Dados tão expressivos reforçam a ideia de que apenas uma parcela da-
queles que passaram por uma escola de direito irá efetivamente ocupar um
-direito-permite-diversidade-secretaria-mec?imprimir=1. Acesso em: 26/12/2013.
7 Cfr. FALCÃ O, Joaquim de Arruda. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 1984.
8 Cfr. FARIA, José Eduardo. A Reforma do Ensino Jurí dico. Porto Alegre: Sé rgio Antô nio Fa-
bris Editor, 1987, José Eduardo Faria e Celso Fernandes Campilongo, A Sociologia Jurídica
no Brasil, Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1991; FRAGALE FILHO, Roberto; CERQUEI-
RA, Daniel Torres de (org.). O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêu-
ticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2006; DANTAS, San Tiago. A educação
jurídica e a crise brasileira. In: Encontros da UnB. Ensino Jurídico. Brasília: Universidade de
Brasília — UnB, 1978-1979; FERRAZ Jr, Tércio Sampaio. Ensino Jurídico. In: “Encontros da
UnB”. Ensino Jurídico. Brasília: Universidade de Brasília — UnB, 1978-1979, etc.
9 Antônio Alberto Machado também destaca alguns dados reveladores: “O Conselho Federal
da OAB, preocupado com a baixa qualidade dos cursos de direito em proliferação pelo país
todo, criou uma espécie de selo de qualidade chamado OAB Recomenda, por meio do qual,
na primeira avaliação, divulgou uma lista de 52 faculdades aprovadas, reprovando 124 de
um total de 176 cursos de direito em 21 Estados e no Distrito Federal. No ano de 2003, a
OAB divulgou a reprovação de 155(72%) de um total de 215 cursos avaliados”. MACHADO,
Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular,
2009. p. 97.

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