Ensinando o consumidor a reagir, exigindo a qualidade do produto

AutorAntonio Joaquim Schellenberger Fernandes
CargoMembro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Páginas187-196

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EXCERTOS

"O comércio eletrônico amplia as situações em que o consumidor é impedido de manusear o produto no momento da compra, avaliando a qualidade com seus sentidos, e a situação se complica ainda mais quando a responsabilidade pela entrega do produto - pela tradição - é transferida a um terceiro e o pagamento envolve ainda outros intermediários"

"No Código do consumidor, embora o prazo em si não tenha sido muito ampliado - trinta dias para produtos duráveis e noventa dias para não duráveis - o termo inicial do prazo, no caso de vícios ocultos, é o momento em que ficar evidenciado o defeito"

"A busca de um ponto de inflexão passa pela melhor compreensão do conceito de dignidade. DA autonomia do consumidor, que deve ser capaz de dizer não ao abuso, não à exploração, não a todas as formas de opressão no mercado"

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Aparentemente, no que diz respeito à garantia dos bens de consumo no brasil, nada de novo se apresenta. Em 1990, o código de defesa do consumidor introduziu novidades ao substituir o sistema do código civil, que girava em torno dos vícios redibitórios, pela chamada teoria da qualidade, com a definição de responsabilidade pelo fato do produto (arts. 8º a 17) e da responsabilidade pelo vício do produto (arts. 18 a 25). No plano normativo, a mudança foi expressiva, rompendo com um modelo forjado para uma sociedade pré-industrial, com mercado incipiente e raros consumidores (no sentido que hoje se atribui a este termo). Na prática, as mudanças demoram a acontecer. Decorridos mais de 25 anos desde a vigência da nova lei, persiste a cultura da irresponsabilidade. O fornecedor raramente cumpre espontaneamente a obrigação de garantia e o consumidor não se dispõe a exigir seu direito.

Basta uma visita a um PROCON, associação de consumidores ou órgão equivalente, em qualquer parte do brasil, em grandes e pequenas cidades, para que se constate a persistência da cultura do abuso, da irresponsabilidade, do descaso com a qualidade do produto e as garantias do comprador. Tem razão o professor mário FROTA quando reafirma, sempre, a prioridade absoluta da formação, também identificada como educação para o consumo, nas políticas de proteção ao consumidor. A lei arrola garantias mas o consumidor tem dificuldades para exigir seu direito e o fornecedor age de forma arrogante e irresponsável, resistindo à pretensão redibitória.

O comércio eletrônico amplia as situações em que o consumidor é impedido de manusear o produto no momento da compra, avaliando a qualidade com seus sentidos, e a situação se complica ainda mais quando a responsabilidade pela entrega do produto - pela tradição - é transferida a um terceiro e o pagamento envolve ainda outros intermediários. A título de exemplo, um relato pessoal: contratei, com uma grande distribuidora, a compra de caixas de som, de marca conhecida mundialmente. Antes da entrega, um vizinho me relatou ter visto caixas, com meu nome, em um restaurante próximo de minha residência. FUI até lá e constatei que o objeto de minha compra estava ali porque as caixas caíram do caminhão do correio e foram guardadas. O correio foi avisado e se comprometeu a recolher. AGUARDEI alguns

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dias e, afinal, quando finalmente chegaram até minha casa, com as caixas, indaguei se a queda do caminhão e o extravio das caixas fora registrado. Em face da resposta negativa, não recebi o produto, e entrei em contato com o fabricante. A devolução do dinheiro, sem correção, ocorreu três meses depois.

O objetivo dessas linhas, se aparentemente inexiste grande novidade na matéria, é refletir sobre a necessidade de preparar o consumidor para dizer não. Para confrontar o fornecedor, exigindo qualidade. Trata-se de um imperativo ético, alocado sobre a noção de dignidade que está presente nos tratados de direitos humanos, nas constituições, que a colocam na base dos direitos fundamentais, e na legislação que protege o consumidor. No brasil, é o art. 4º do cdc que prescreve como objetivo primeiro o atendimento às necessidades do...

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