A engenharia legal

AutorSimone Feigelson Deutsch
Ocupação do AutorArquiteta e Urbanista, Pós Graduada em Avaliações e Perícias de Engenharia e em Auditoria e Perícia Ambiental
Páginas19-40

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A engenharia legal é uma atividade que está relacionada a todas as áreas: engenharia civil, arquitetura e todos os outros ramos tais como elétrica, mecânica, telecomunicações. Os conhecimentos específicos para atuar nessa especialidade, que está intrinsecamente ligada ao Direito, exigem conhecimentos de ambas as áreas. É uma parte da engenharia ligada diretamente à área jurídica. O profissional que milita na engenharia legal deverá estar capacitado para realizar perícias técnicas, que são consideradas como prova técnica dentro dos Autos.

Conforme a Norma da ABNT – NBR 13.752:

ENGENHARIA LEGAL: Ramo de especialização da engenharia dos profissionais registrados no CREA que atuam na interface direito-engenharia, colaborando com juízes, advogados e as partes, para esclarecer aspectos técnico-legais envolvidos em demandas.

As perícias de engenharia são muito diversificadas, incluindo:

• avaliações;

• arbitramentos;

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• obras irregulares;

• patologias dos mais diversos tipos;

• desapropriações;

• impactos de vizinhança;

• etc.

As Perícias de avaliação são aquelas nas quais, por meio de procedimentos técnicos, determina-se o valor de um bem, que pode ser um equipamento, um móvel, edificado ou não, novo ou usado, em boas condições de conservação ou não.

Há uma grande diversidade de situações que envolvem a engenharia legal. No presente livro pretende-se abordar, especificamente, os casos que envolvem problemas de patologia.

O histórico da patologia com vistas à determinação dos defeitos construtivos, sejam eles de origem da própria construção ou oriundos do uso ou desgaste, datam dos tempos em que o homem iniciou a edificar.

Nas perícias envolvendo problemas de patologia, é necessária a busca do histórico do dano para elaboração de um correto diagnóstico e consequente solução da questão.

Atualmente, as Perícias em Patologias das Edificações ocorrem de forma ampla, nas diversas Varas, principalmente nas Cíveis, com casos muito diversificados, abrangendo desde estruturas prediais até detalhes, tais como: pinturas, revestimentos e esquadrias.

A elaboração de laudos periciais deverá atender às normas técnicas, para se obter um resultado satisfatório das questões que os envolvem. Na engenharia legal, o profissional deverá ter: sensibili-dade, ética, conhecimento sobre a matéria envolvida, perspicácia, experiência, boa técnica de redação, dentre outros atributos.

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Os litígios são provenientes, normalmente, de anomalias em componentes construtivos, ou em falhas na execução, ou ainda em problemas oriundos de um projeto deficiente. A diversidade de patologias poderá variar de intensidade e de origem, muitas vezes não sendo possível sua caracterização por meio de um simples exame visual, necessitando-se de uma análise estrutural mais detalhada e de maiores informações, obtidas, muitas vezes, a partir de ensaios de laboratório.

No campo das patologias é imprescindível o conhecimento da sequência lógica dos trabalhos a serem desenvolvidos, e da melhor forma de elaboração da prova técnica que resolva e esclareça por completo o deslinde da questão em que se insere. O laudo técnico deverá ser sucinto e abrangente, esclarecendo tecnicamente pontos obscuros de um conflito e permitindo um diagnóstico correto da questão.

1. 1 O direito civil no Brasil

A estrutura judiciária no Brasil se inicia principalmente depois da promulgação das Ordenações Filipinas. O Direito surge no contexto brasileiro quando há a necessidade da aplicação da justiça e minimização de conflitos dentro da sociedade aqui existente. Essa origem está ligada à própria essência da palavra “Direito”, que significa justiça, conforme CASTRO (2007) relata:

A palavra “Direito” vem dos Romanos antigos e é a soma da palavra DIS (muito) + RECTUM (reto, justo, certo), ou seja, Direito em sua origem significa o que é muito justo, o que tem justiça.

O estudo do Direito Civil no Brasil auxiliará a compreensão das conexões que existem entre a sociedade, suas características, conflitos e problemas ligados à área de engenharia. Para tal, é necessário realizar um breve retrospecto da colonização do Brasil e

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verificar o ponto em que o Direito se faz presente, assim como o início da necessidade da prova pericial de engenharia, por meio de um parecer de uma pessoa especializada no assunto técnico.

1. 2 Histórico

Uma retrospectiva da história do povo brasileiro mostra que os primeiros habitantes eram os índios, espalhados em diversas tribos. Seu estágio evolutivo era comparável ao do período neolítico, pois ainda desconheciam a escrita e a roda.

No século XV destaca-se o advento das grandes navegações, que permitiram aos países como Portugal, Espanha e Inglaterra, o descobrimento e exploração de terras distantes. O Brasil inclui-se nesses novos cenários desvendados pelos portugueses.

Como a população local era frágil, os portugueses impuseram seu Sistema Jurídico à nova Colônia.

Inicialmente, o Brasil pouco interessava a Portugal, sendo apenas uma das Colônias, onde o que havia de importante era apenas a exploração de bens existentes, tal como o Pau-Brasil.

A sociedade era agrária e baseada nos latifúndios. A economia era rudimentar e baseada em monopólios, que gerava benefícios à burguesia mercantil lusitana.

As Ordenações, peças fundamentais na história do direito em Portugal, são compilações de leis sem caráter sistemático. Significam ordens, decisões ou normas jurídicas.

Na época da descoberta, século XV, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, uma coletânea de leis promulgadas no reinado de Afonso V, que foi quando se instituiu a prova pericial no Direito.

As Ordenações Manuelinas surgem em 1505. D. Manuel, chamado “O Venturoso”, acabou a revisão de suas Ordenações em

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1521, que substituíram as Ordenações Afonsinas. Elas previam que, nos casos não abordados, deveria ser consultado o direito romano.

As Ordenações Manuelinas tratam de maneira mais específica as questões de direito marítimo, de contratos, de mercadores, problemas advindos da expansão marítima e das grandes navegações.

Em 1603, no reinado de Felipe II, com a unificação dos tronos português e espanhol, criando-se a União Ibérica, foram promulgadas as Ordenações Filipinas, compilação jurídica que resultou da reforma do código manuelino. Foi o documento jurídico mais duradouro, tanto na história de Portugal quanto na história brasileira.

No Brasil elas serviram como referência legal básica para a estrutura e funcionamento das câmaras municipais por um longo período. A legislação brasileira apresenta, até hoje, resquícios dessas Ordenações, como exemplo o caso do aforamento, que regula a posse e a transferência das terras e terrenos de marinha, mangue, por meio da enfiteuse e de laudêmios.

Conforme AVAAD (2006), a enfiteuse é uma relação jurídica na qual o proprietário ou senhorio autoriza uma outra pessoa, denominada enfiteuta, a usar e dispor do bem mediante o pagamento de uma retribuição anual chamada de foro. O proprietário tem direito ao laudêmio pelas alienações eventualmente feitas pelo enfiteuta. A enfiteuta é titular do domínio útil, ao passo que o senhorio é o proprietário do imóvel e titular do domínio direto. A enfiteuse é perpétua e incide sobre terras ou terrenos que se destinem as edificações. O laudêmio é a importância fixada no título de aforamento.

A estrutura jurídica das Ordenações Filipinas é mais complexa que as anteriores, aumentando a quantidade de juízes singulares e especificando suas funções. Nessa época havia vários cargos jurídicos de auxílio ao Ouvidor Mor: Ouvidor; Juiz Ordinário ou da Terra; Juiz de Vintena; Juiz de Fora; Juiz de Órfãos e Almotacé.

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No período colonial surge o primeiro cargo relacionado ao Direito, ou seja, o cargo de Ouvidor Mor, com função jurídico-administrativa. Suas principais atribuições em relação à área civil, além de outras, eram:

• estudar os conflitos que surgiam na Colônia, normalmente entre os donatários;

• verificar problemas em obras públicas em caso de paralisação ou problemas que surgissem;

• fiscalizar e punir os donatários.

De acordo com GUIMARÃES e SILVA (2007), o cargo de Almotacé foi criado em 1566 com a finalidade de agilizar a solução dos conflitos. As ordenações estipulavam que o Almotacé deveria resolver as questões de forma rápida, sem elaborar grandes processos ou escrituras, e sua...

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