Enfiteuse aplicada aos bens públicos

AutorRodrigo Marcos Antonio Rodrigues
Páginas105-121

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As relações entre o Estado e o particular são regidas pelo Direito Público interno, no qual se encontra o Direito Administrativo, que “é o conjunto de normas que disciplina os modos, os meios e as formas da ação do Estado, como poder público, ou de quem o substitui na criação da utilidade pública, de maneira direta ou indireta” (KÜMPEL, 2007, p. 36). Tais normas não estão codificadas em um diploma específico de leis, mas, sim, presentes em diversas leis esparsas.

No Capítulo II abordamos e esclarecemos o instituto da enfiteuse como o mais amplo dos direitos reais sobre coisa alheia. Cabe a nós, antes de abordar a aplicação desse instituto na seara dos bens públicos, tecer algumas considerações quanto a estes.

Em nosso Direito Pátrio, os bens públicos são pertencentes às pessoas jurídicas do Direito Público interno, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Todos os outros que não o forem são particulares, independentemente de quem seja a pessoa que represente estes.

O Código Civil de 1916 já fazia a distinção entre os bens públicos e particulares no seu artigo 65, que dispunha:

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“São públicos os bens do domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados, ou aos Municípios. Todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Com o advento do novo Código Civil de 2002, o artigo supracitado foi substituído pelo artigo 98, que dispõe: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

O Enunciado 287 do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), esclarece o seguinte: “O critério da classificação de bens indicados no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos” (NEGRÃO; GOUVÊA, 2008, p. 74).

Uma vez feita a devida distinção, passemos a analisar, em breves linhas, o aspecto prático da aplicabilidade da enfiteuse aos bens públicos. Em nosso grandioso Brasil, as terras públicas utilizadas por particulares no regime da enfiteuse são quase na sua totalidade bens da União Federal, em especial os chamados terrenos de marinha e seus acres-cidos. Quem administra esses bens da União é a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.1

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Sob a ótica de tal assertiva, basta analisar os números apresentados por esse órgão. A estrutura da SPU é composta por 27 Gerências Regionais, uma para cada Estado do país, incluindo o Distrito Federal, divididas por grupos de acordo com o desempenho em arrecadação de receitas patrimoniais. A Gerência Regional do Patrimônio da União em São Paulo (GRPU/SP) está no grupo das gerências que mais arrecadam (MPOG, 2009). Com a entrada em vigor do Decreto nº 6.929, de 6 agosto de 2009,2as Gerências Regionais passaram a ser denominadas Superintendências do Patrimônio da União.

Segundo informações divulgadas pelo Ministério do Planejamento (MPOG, 2009; MPOG, 2013), a arrecadação da SPU foi de R$ 358 milhões no ano de 2007; R$ 437.323 milhões no ano de 2008; R$ 462.630 milhões no ano de 2009; R$ 640.574 milhões no ano de 2010; R$ 705.164 milhões no ano de 2011; e R$ 808.509 milhões no ano de 2012, sendo que parcela considerável do patrimônio imobiliário da União encontra-se localizada em terrenos de marinha (MPOG, 2009). O art. 17 da Lei nº 13.139/2015 tornou expresso o que a nossa Carta Magna e a Lei nº 12.527/2011 já asseguravam: o acesso a informações públicas relativas ao total de receitas arrecadadas pela União com foro, taxa de ocupação, laudêmio e outras

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receitas patrimoniais. Segundo dispõe a novel Lei, a SPU disponibilizará esses dados mensalmente em seu portal na internet. Reportagem publicada pelo Jornal do Commercio (TORRES, 2009), afirma que a União tem um patrimônio estimado de R$ 192 bilhões, composto por cerca de 700 mil imóveis, e desconhece a localização e o valor avaliado de muitos imóveis que lhe pertencem. O Tribunal de Contas da União, em avaliação preliminar e extraoficial feita pelos seus técnicos, dá conta de que o patrimônio perdido e subavaliado da União pode chegar a 10 bilhões de reais.

Manuel Madruga, citado por Renato Franco (1954,
p. 114), fornece números que traduzem a importância dos terrenos de marinha no extenso litoral brasileiro: “242.450.000m2 à borda de uma costa de 7.350km e 905.250.000m2 de terreno de marinha à margem dos rios navegáveis, 1.147.700.000m2 de terrenos de marinha”.

A importância de nos atermos aos bens da União Federal, em representação aos bens públicos no regime enfitêutico, está ligada ao tema desta obra. Não é que seja inexistente o regime da enfiteuse aplicado aos bens do Estado e do Município, pelo contrário, no Rio de Janeiro e em outras cidades encontraremos diversos bairros em que os particulares são foreiros do Município, porém, regidos pelas disposições do Código Civil. Quanto a este fato, “muito embora o Direito Civil seja uma das disciplinas do direito privado, enfeixa princípios de aplicação gene-ralizada estranhos à matéria civil, até porque apresenta a

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estrutura fundamental do ordenamento jurídico. Introduz princípios que transcendem o ramo privatista, desde regras hermenêuticas até a sistematização da prescrição e da decadência” (KÜMPEL, 2007, p. 43).

Não existe legislação especial para reger a aplicação da enfiteuse nos bens públicos municipais ou estaduais, a legislação administrativa existente é específica para os bens da União. Portanto, temos a aplicação do Direito Civil para esses bens.

1. Regida por legislação específica

A enfiteuse aplicada aos bens públicos, em especial aos bens de propriedade da União Federal, é regida por uma legislação patrimonial específica.

Apesar de o instituto da enfiteuse estar disciplinado pelos artigos 678 a 694 do Código Civil de 1916, o próprio artigo 694 dessa codificação de leis carrega em seu bojo: “A subenfiteuse está sujeita às mesmas disposições que a enfiteuse. A dos terrenos de...

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