O empréstimo como pressuposto dos juros monetários

AutorGlauber Moreno Talavera
Ocupação do AutorExecutivo corporativo em São Paulo; Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP
Páginas101-108

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Em uma palavra, é possível definir o empréstimo como contrato pelo qual uma pessoa entrega, à outra, coisa que haverá de ser oportunamente restituída. A temporariedade é, nesse sentido, um dos seus traços característicos. Não fosse por ela, o empréstimo converter-se-ia em autêntica doação quando gratuito, ou em genuína venda, se oneroso. Outra propriedade basilar que lhe é ínsita é a natureza real. O empréstimo, tomado como gênero contratual que reúne espécies diversas, é contrato real, vale dizer, que se aperfeiçoa pela traditio da res que é seu objeto.1O acordo de vontades que antecede a entrega da coisa é, pois, condição necessária, mas não

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suficiente para que o negócio jurídico passe do plano das meras tratativas para o da efetiva existência.

Compartimentadas dentro da categoria do empréstimo estão as figuras contratuais do mútuo e do comodato, que congregam em seu cerne toda a carga conceitual e a dinâmica haurida do gênero do qual são espécies.

O comodato é empréstimo de coisas infungíveis, essencialmente gratuito, que importa na mera cessão de uso da coisa.2Consoante lição de Aubry et Rau:

“Le commodat ou prêt à usage est un contrat per lequel l’un des contractants livre gratuitement à l’autre une chose mobilière ou immobilière, dont ce dernier est autorisé à se servir, à charge de la rendre dans son individualité au terme expressément ou tacitement convenu”.3O contrato de mútuo é empréstimo de coisas fungíveis, que importa na transferência da propriedade da coisa emprestada – daí dizer-se que se trata de contrato translativo –, sendo que a gratui-dade é da sua natureza, embora não seja da sua essência;4ou seja,

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o mútuo que é, tal qual o comodato,5assinalado como empréstimo que implica pontual restituição do que fora emprestado, dele difere uma vez que também pode ser firmado com previsão de pagamento suplementar compatível com a coisa emprestada, o tempo de duração do empréstimo e os riscos de crédito e de mercado, sem olvidar, e.g., os riscos de conversibilidade ou transferência de divisas nos casos de empréstimos internacionais, o número de tranches6e o perfil da dívida, além de outros muitos elementos que compõem a análise de crédito.

Como nos ensina o mestre Pontes de Miranda:

“(...) no direito romano antigo, o empréstimo de dinheiro era negócio jurídico formal. Pesava-se o dinheiro que se emprestava diante de cinco testemunhas (per aes et libram). Chamava-se ‘nexum’ o negócio jurídico. O empréstimo não formal era o mutuum. (...) Com o desaparecimento do nexum, fez-se o mutuum o único tipo de empréstimos romanos”.7Em verdade, o mútuo pode ter como objeto tanto o dinheiro como qualquer outro bem fungível. O mútuo do dinheiro, sujeito ao princípio do nominalismo, opera a transferência da propriedade do

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bem e subdivide-se em oneroso e gratuito. Sobre o tema, vale transcrição de lição antológica de Alberto Trabucchi:

“Il mutuo è contratto reale. Essa era deto in passato ‘prestito di consumazione’, perché la cosa data a prestito passa in proprietà del mutuatario, con facoltá di consumarla a piacimento, e con l’obbligo di restituire il ‘tantundem eivsdem generis et qualitatis’. Comunemente oggeto del contrato sono cose consumabili e fungibili. Tipico è il prestito di denaro, ma non è infrequente anche il prestito di altre cose: pensiamo ai prestiti che si fanno gli agricoltori o le massaie, di sementi, concimi o vivande. Ci può essere mutuo anche di bene fungibile non consumabile, quando siano prestate cose che non interessano nella loro individualità, ma soltanto per la loro consistenza in numero e misura: ‘creditor non corpora cogitavit, sed quantitatem’ (es: un libraio presta a un collega algune copie di un volume in vendita).

Quando siano mutuate cose diverse dal denaro, e la restituzione in natura sia divenuta impossibile o notevolmente difficile, la legge ammete la restituzione del corrispondente valore in denaro”.8O traço distintivo entre as duas subespécies, mútuo e comodato, é a obrigação que se impõe ao mutuário de restituir o valor do principal acrescido ou não de juros. Conforme elucida o Professor Giorgio Semo:

“La...

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